Acórdão nº 0988/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. FUNDAMENTAÇÃO A..., com os devidos sinais nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa de 6/5/2 004, que negou provimento ao recurso contencioso para ele interposto pelo recorrente do despacho da Directora Municipal de Finanças, Planeamento e Controlo de Gestão da Câmara Municipal de Lisboa de 6/10/97, que lhe ordenou o despejo de uma garagem que construiu e ocupava, sita junto da sua casa de habitação.

Apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: a) - O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo 1° Juízo - Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que negou provimento ao Recurso Contencioso interposto do Despacho de 06/10/1997, da Exma. Senhora Directora Municipal proferido ao abrigo de competência delegada, pelo qual foi ordenado o despejo de uma garagem que o Recorrente construiu e ocupou, sita junto da sua casa de morada, também propriedade da Câmara Municipal.

  1. - "O recorrente habita há já 31 anos uma casa que lhe foi arrendada pela Cruz Vermelha, onde criou os seus filhos e constituiu o lar familiar, pagando as rendas à Câmara Municipal de Lisboa, correspondendo-lhe o n.º de ocupante 14549000.

  2. - O recorrente, há mais de vinte anos, construiu junto a essa casa uma garagem relativamente a qual passou a pagar uma quantia mensal à CML, correspondendo-lhe como ocupante a titulo precário o n.º 33790000.

  3. - O recorrente construiu sobre a referida garagem um espaço que destinou a quarto dos filhos ".

  4. - Por despacho de 1997/10/06 foi o recorrente obrigado a desocupar a garagem, no prazo de 60 dias, do Despacho da Exma. Senhora Directora Municipal proferido ao abrigo de competência delegada.

  5. - "A referida garagem já se encontra demolida, não tendo sido possível apurar a data da demolição ".

  6. - A decisão recorrida nega provimento ao recurso, considerando nomeadamente: - O acto recorrido encontra-se fundamentado de facto e de direito, não enfermando de vício de forma por falta de fundamentação; - " Relativamente ao espaço ocupado pela garagem nenhum direito de arrendamento esta em causa, mas apenas uma ocupação a titulo precário cujo regime aplicável é o dos diplomas legais indicados na fundamentação do acto recorrido, pois o Decreto-Lei n.º 45 133, de 13 de Julho de 1963, estendeu às autarquias o regime do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 23 465, de 18 de Janeiro de 1934", pelo que não há violação de lei por erro nos pressupostos de direito.

    - O acto não viola o n.º 2 do artigo 266° da CRP, nem o princípio da proporcionalidade, decidindo que o direito à habitação digna "e concebido constitucionalmente como directiva ou objectivo estratégico da lei fundamental, com a qual não contendem os diplomas legais aplicados na motivação do acto recorrido, até porque os mesmos assentam na ponderação de uma supremacia do interesse publico sobre o interesse particular".

    - Também não procede a alegação da violação do princípio da igualdade, pois tal decisão "pressupõe um juízo de discricionariedade administrativa" e porque a Recorrida "pode ter motivos para manter ou não a tolerância na base das quais estão ocupadas".

  7. - Salvo o devido respeito, uma norma jurídica oriunda de 1934, no início da vigência da Constituição de 1933 e em pleno período da Administração Agressiva, não pode ter nos dias de hoje efeitos jurídicos.

  8. - O Tribunal Constitucional, instado a aferir da constitucionalidade dos artigos 8° e 9°, n.ºs 1 e 2° do Decreto Lei n.º 507-A/1999, assume sem qualquer problema que este regime revogou o que resultava do Decreto-Lei n.º 23 465, de 18 de Janeiro de 1934.

  9. - O que acontece é que o regime de 1979 do arrendamento de bens imóveis do domínio privado do Estado deixa de prever ocupações precárias, exactamente porque são dois conceitos sem qualquer distinção fáctica relevante, que devem estar sujeitos ao mesmo regime jurídico.

  10. - O arrendamento é um conceito jurídico e não um facto. Pelo que tal caracterização jurídica não está consumada pela anterior decisão.

  11. - O arrendamento é por definição uma ocupação precária, pois está sujeita aos condicionalismos temporais próprios desse contrato. E a chamada ocupação precária do recorrente é um autentico arrendamento, por virtude da uniformização de regimes operada em 1979.

  12. - O que interessa verificar é que o Recorrente não utilizava a garagem clandestinamente, nem fez as obras às escondidas, verificando todas as características próprias de um contrato de arrendamento, nomeadamente o pagamento da renda. Não estava formalmente previsto como arrendamento porque à data não se dava a importância que hoje é devida aos formalismos.

  13. - E a Câmara Municipal nunca lhe reconheceu o direito de um arrendatário precisamente porque esse regime lhe era desfavorável, continuando a referir-se a uma caduca ocupação precária.

  14. - Se compararmos facticamente a relação jurídica do Recorrente e a do arrendatário, apercebemo-nos que a única diferença é que um arrendatário geralmente está sujeito a um prazo e o Recorrente não tinha esse ónus. A característica típica da locação é comum, que é o pagamento de uma contrapartida pela utilização do espaço privado da Administração.

  15. - O que só poderia levar a concluir pela equiparação dos regimes jurídicos, ou pela maior protecção daqueles a quem a câmara chama ocupantes precários, pois que para além de reunirem os requisitos dos chamados arrendatários ainda têm uma maior expectativa na manutenção da locação, pois a esta não está aposta um prazo. Mais, parece que a possibilidade de disposição e alteração do local pelos chamados precários é maior, estando estes mais propensos a efectuar obras que aumentem o valor económico do bem e do local.

  16. - Uma norma que estatui que aqueles que ocupem bens públicos e sejam intimados para sair não têm direito a ressarcimento, sem consideração das características de cada caso em concreto, das legítimas expectativas criadas, benfeitorias realizadas e outros factores relevantes só poderá ter sido revogado pelo quadro normativo subsequente.

  17. - Colocam-se desde logo obstáculos ao nível da proibição de enriquecimento sem causa e de ressarcimento de benfeitorias, A norma despoletada pelo Tribunal a quo legitimava tal actuação. Pelo que só podemos inferir que tal norma já não produz efeitos jurídicos, por revogação, ainda que tácita.

  18. - E tal revogação tácita resultaria assim necessariamente dos artigos 246° e 1273° a 1275° e artigos 473° e seguintes, todos do Código Civil.

  19. - Ainda que se entenda que não se encontra revogada a norma jurídica aplicada pelo Tribunal, sempre se entenderia que esta seria materialmente inconstitucional por superveniência da CRP de 1976.

  20. - A tutela dos interesses e expectativas legítimos (n.º4 do artigo 268° da CRP) que visa a tutela das expectativas jurídicas decorrentes de práticas administrativas permissivas é completamente postergada, sem qualquer espécie de reserva e contemplação da situação em concreto, pela norma aplicada pelo Tribunal, pelo que esta sempre enfermaria de inconstitucionalidade material superveniente.

  21. - Também os princípios da actuação administrativa gizados pela Constituição, entre outros no artigo 266°, se mostram completamente incompatíveis com a actuação administrativa que a norma em apreço legitima, nomeadamente ao nível da boa fé, proporcionalidade, confiança dos administrados e justiça.

  22. - Por outro lado, parece claro que o itinerário cognoscitivo não se encontra completo se a Administração não demonstra em que medida o facto invocado obsta à manutenção da situação jurídica em que o recorrente está investido.

  23. - Até porque como a Câmara não explica como, porque, e em que medida tal Plano é incompatível com a garagem, não pode o Recorrente apresentar a sua defesa.

  24. - Ao dizer em abstracto que tal decisão se deve ao Plano do Alto do Lumiar não verifica as exigências de fundamentação prescritas pelo CPA.

  25. - O acto enferma ainda de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito. Tendo a Administração feito uso de uma permissão normativa revogada ou materialmente inconstitucional, tal decisão terá de estar inquinada por erro nos pressupostos de direito.

    aa) - O que também...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT