Acórdão nº 0992/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. A...

    e B... intentaram, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, contra o Município de Viseu, a presente acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, peticionando a condenação daquele no pagamento da quantia de 94.343,10 €, acrescida dos prejuízos decorrentes dos lucros cessantes até à data da sentença e dos juros vincendos, à taxa legal, a contar da citação até integral e efectivo pagamento.

    Para tanto, e em resumo, alegam que após a emissão pelo Réu do alvará que autorizava a construção de um barracão, o 2.º Autor requereu a sua alteração para canil e após a aceitação desta alteração aquele, convencido da viabilidade da construção, deu início a uma série de despesas em benefício do canil e constituiu com a sua esposa a sociedade 1.ª Autora. Esta requereu, então, o licenciamento do canil apresentando os projectos e demais documentação necessária, iniciando-se, assim, o respectivo procedimento administrativo que terminou com o despacho de 8/6/00 que indeferiu o licenciamento daquela obra, indeferimento que é ilegal por vício de violação de lei. Acresce que a forma como o instrutor se processou criou nos Autores sérias e legítimas expectativas do requerido licenciamento, pelo que lhes assiste o ressarcimento das despesas ora peticionadas.

    A Ré contestou para excepcionar o erro na forma do processo - resultava da petição inicial que a pretensão dos Autores era a anulação do despacho que indeferiu o licenciamento do canil e, portanto, o processo que lhe correspondia era o recurso contencioso de anulação - e para defender a improcedência desta acção, uma vez que, atenta a ilegalidade da pretensão dos Autores - a construção do pretendido canil traduzir-se-ia numa violação do PDM - a mesma só poderia ser indeferida sendo que, no instrutor, nenhumas expectativas lhes foram criadas no sentido do deferimento da sua pretensão.

    Os Autores vieram replicar e requerer a ampliação do pedido, peticionando agora a declaração de "nulidade do despacho proferido pelo Vereador em 8/6/00".

    O Sr. Juiz a quo entendeu que os autos continham todos os elementos susceptíveis de permitir conhecer não só da alegada excepção mas também do mérito da causa e, porque assim, proferiu saneador sentença onde considerou que o pedido condenatório formulado era próprio de uma acção de indemnização e que, por isso, e dada a sua incompatibilidade com o pedido de anulação do citado despacho, era impossível a cumulação destes pedidos.

    Consequentemente, só conheceu do pedido indemnizatório para afirmar que a conduta dos Autores tinha sido a única a contribuir para a produção dos prejuízos peticionados, que petição inicial era "desprovida de factos concretos em que se possa alicerçar a culpa, a ilicitude e o nexo de causalidade" susceptíveis de fundamentar a procedência daquele pedido e, além disso, que "as meras expectativas ou convicções não são atendíveis, por não possuírem gravidade que seja merecedora de tutela jurídica, ou seja, por não atingirem um grau de intensidade e objectividade que mereçam a tutela do direito".

    E, com tal fundamentação, julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

    Inconformados com o assim decidido os Autores agravaram para este Tribunal, concluindo as suas alegações da seguinte forma: 1. Não assiste razão ao tribunal recorrido, nem em termos processuais, nem em termos substanciais.

  2. Em termos processuais, os recorrentes consideram que § 3.º do artigo 835.º do CPA nunca foi revogado e que permite a cumulação, no mesmo recurso, de pedido de anulação de actos administrativos com o de indemnização de perdas e danos.

  3. Ao julgar em contrário, a decisão recorrida violou as disposições do § 3.º do artigo 835.º do Código Administrativo e do n.º 1 do artigo 38.º da LPTA. (v.

    Rui Medeiros, "Acções de responsabilidade - elementos do regime jurídico e contribuições para uma reforma", ed. Principia, Cascais, 1999, p. 48 e seguintes; D. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, IV, Lisboa, 188, p. 215; Luís Fábrica, "A acção para reconhecimento de Direitos e Interesses Legalmente Protegidos", Lisboa, 1987, sep. do BMJ n.º 365, p. 34, em nota e 49-50).

  4. No que diz respeito à questão substancial, a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 5.º, 6.º, 6.º-A e 12.º do CPA, bem como o artigo 61.º, n.º 1 do DL n.º 445/91, de 20/11, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15/10, e o artigo 268.º da CRP.

  5. O projecto de arquitectura foi aprovado por acto tácito, constituindo o acto de indeferimento um acto revogatório de acto administrativo tácito constitutivo de direitos, gerando tal acto revogatório a responsabilidade civil extracontratual do município.

  6. A aprovação do projecto de arquitectura, não sendo embora o acto final do procedimento de licenciamento, é no entanto constitutiva de direitos para o particular requerente, criando em favor deste expectativas legítimas no licenciamento, que a partir daí, como foi decidido pelo douto Acórdão deste Supremo Tribunal de 16/05/2001 (proc. 46.227), (…) (salvo casos de revogação ou nulidade da deliberação) já não poderá ser recusado com fundamento em qualquer desvalor desse mesmo projecto, ficando apenas dependente do impulso do particular na apresentação dos projectos das especialidades e da conformidade destes, e ulteriormente do requerimento do alvará e do pagamento das taxas devidas".

  7. A actuação do município configura igualmente uma clara situação de responsabilidade da administração pelo dano de confiança criada nos recorrentes.

  8. O procedimento administrativo identificado como OCP 65/98 foi originado por um despacho (doc. junto à petição inicial sob o n.º 5), que autorizou a alteração para canil do projecto já aprovado no âmbito do procedimento identificado como OP - 216/97, sendo que tal despacho foi feito com base na informação dos serviços da CM junto à petição inicial sob o n.º 4 que nenhum problema levantou quanto à instalação do canil.

  9. Desta forma, foi criada pela CM a expectativa no segundo recorrente de que nenhum obstáculo de oportunidade ou de mérito seria levantado pela CM na apreciação e aprovação da construção do referido canil, confiança e expectativas essas que viriam a ser reforçadas pelas sucessivas informações e pareceres favoráveis da lavrados serviços e técnicos da CM e das entidades técnicas consultadas ao longo do procedimento administrativo.

  10. Ora, o comportamento complexo e sucessivo do município, materializado numa sequência de momentos relevantes, que criam expectativas ao particular em vários momentos e várias fases, constitui facto ilícito gerador de responsabilidade, quando lesa a situação jurídica de confiança por si criada.

  11. O princípio da boa-fé, enquanto parâmetro aferidor da legalidade de um acto, apresenta-se...

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