Acórdão nº 01444/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Dezembro de 2004

Data09 Dezembro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) 1. A...., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho, de 26.5.03, do Ministro da Cultura que decretou a interdição da exportação da pintura da autoria de Giovanni Battista Tiepolo, intitulada ‘Enterro do Senhor', pertencente à recorrente, e ordenou o início do procedimento de classificação da mesma pintura como bem de interesse nacional, imputando a esse acto vícios de violação de lei e de forma, por desrespeito do dever de audiência e falta de fundamentação.

Na resposta (fls. 100 a 132, dos autos), a entidade recorrida sustentou que o acto impugnado não é contenciosamente recorrível, por não ser mais que o impulso para abertura do procedimento administrativo de classificação da móvel em causa como tesouro nacional, sem que se revista de qualquer efeito lesivo para a recorrente. Pelo que, segundo defende, o recurso deve ser rejeitado, por manifesta irrecorribilidade do acto impugnado. E, para o caso de assim se não entender, sustenta, ainda, que deve negar-se provimento ao recurso, por não se verificarem os vícios invocados pela recorrente.

A fls. 136 a 146, dos autos, a recorrente respondeu à questão suscitada pela entidade recorrida, defendendo que o acto impugnado, ao classificar a pintura em questão como ‘bem de interesse nacional', estabeleceu proibições e restrições ao respectivo direito de propriedade, assumindo, por isso, alcance lesivo que o torna susceptível de recurso contencioso.

A Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu, a fls. 151/152, dos autos, o seguinte parecer: A meu ver, deve improceder a questão prévia suscitada pela autoridade recorrida, de irrecorribilidade contenciosa do acto impugnado. Este, é o despacho do Ministro da Cultura, de 26/5/03, que determinou encontrar-se a pintura de Giovanni Battista Tiepolo, intitulada "Enterro do Senhor", propriedade da recorrente, na situação jurídica de "em vias de classificação como tesouro nacional".

Ora, por força do disposto na Lei 107/2001 de 8/9, designadamente do seus arts. 32, 35, 37, 65, 102 e 104, o simples facto de o bem ter sido qualificado como "em vias de classificação como tesouro nacional", implica desde logo o aparecimento na esfera jurídica do titular do bem, de um conjunto de ónus e restrições ao direito de propriedade. Nomeadamente, se o titular desse bem o pretender alienar ou onerar, deve comunicar previamente e por escrito ao serviço competente, sendo obrigado a respeitar o direito de preferência legalmente reconhecido às entidades mencionadas no nº 1 do art. 37 da citada lei. Sucede ainda que o proprietário do bem assim qualificado, está proibido de exportá-lo ou expedi-lo para fora do território nacional, sob pena de prática de crime de exportação ilícita.

Mas, estes ónus e limitações não existiriam para a recorrente se não fosse decisão que atribui ao bem a situação de "em vias de classificação como tesouro nacional".

Pelo que, essa decisão, embora seja inicial do procedimento e não condicione a decisão final que nele vier a ser proferida, tem carácter lesivo, uma vez que projecta os seus efeitos na esfera jurídica do titular do bem e afecta negativamente os seus direitos.

E, como é sabido, pela revisão constitucional de 1989 e redacção constante do n°4 do art. 268 da CRP, colocou-se a tónica do critério de recorribilidade contenciosa dos actos administrativos na sua idoneidade para produzirem efeitos imediata, actual e efectivamente lesivos dos direitos ou interesses legalmente protegidos. Como tal, o preceituado no art. 25 da LPTA, terá de ser interpretado à luz do regime decorrente desta norma constitucional.

Do exposto, sou de parecer que o acto recorrido é lesivo para a recorrente, sendo consequentemente recorrível.

Deve, pois, improceder a questão prévia suscitada, prosseguindo o presente recurso contencioso os seus trâmites.

Pode despacho do relator, de fls. 153, dos autos, foi relegada para final a apreciação e decisão da questão prévia suscitada na resposta da autoridade recorrida.

A recorrente apresentou alegação (fls. 146 a 174, dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões:

  1. O acto administrativo, em crise nos autos, é um acto administrativo recorrível.

  2. É um acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo.

  3. O autor do acto recorrido é o Ministro da Cultura.

  4. O acto revela-se produtor de efeitos numa situação individual e num caso concreto.

  5. O acto administrativo, em crise nos autos, é materialmente definitivo, uma vez que a decisão de atribuir a um bem o carácter de coisa "em vias de classificação" importa um novo estatuto jurídico para esse mesmo bem, do qual emergem ónus e deveres para o respectivo proprietário.

  6. O acto é horizontalmente definitivo uma vez que qualifica o bem como "em vias de classificação como tesouro nacional", ou seja constitui a resolução final de um procedimento autónomo de um procedimento principal.

  7. O acto é verticalmente definitivo pois conforma definitivamente o estatuto de um determinado bem.

  8. O acto recorrido é executório ou eficaz, pois projecta na esfera jurídica do particular determinados efeitos jurídicos, de modo obrigatório, podendo o seu cumprimento ser imposto coactivamente.

  9. O acto em apreço não é um mero acto preparatório ou sequer um acto pressuposto de qualquer outra eventual posterior actuação, pois é o próprio acto que faz eficazmente surgir na esfera jurídica da Recorrente direitos e deveres com contornos perfeitamente delimitados.

  10. O despacho de Sua Excelência o Ministro da Cultura é um acto administrativo anulável posto padecer de vício de violação de lei.

  11. Estatui o nº 4 do artigo 15° da Lei 107/2001, que um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização represente um valor cultural de significado para a Nação, m) Ora não se trata aqui de um bem cuja protecção e valorização represente, nem de perto, nem de longe, um valor cultural de significado para a Nação.

  12. Competia à Autoridade Recorrida proceder a fundamentação correlativa, para não cair em pura arbitrariedade.

  13. O acto recorrido só pode ser ou vinculado ou impropriamente discricionário, mas nunca arbitrário.

    Por isso, p) A Recorrida cabia o esforço mínimo. que não fez, de demonstrar que se achavam preenchidos os requisitos da vinculação ou da discricionariedade imprópria.

  14. Não o fez, quando era elementar que o fizesse (no mesmo sentido ..., "Propriedade de bens culturais - restrições de utilidade pública, expropriações e servidões administrativas", Direito do Património Cultural, Instituto Nacional de Administração, 1996, p. 399).

  15. Por isso, não demonstrou como lhe competia, que se encontram preenchidos os critérios previstos no artigo 17° da Lei 107/2001, critérios esses que devem ser tidos em conta para a classificação de um bem como de interesse nacional bem como para a qualificação do mesmo como "em vias de classificação".

  16. Não estão objectivamente preenchidos os requisitos legalmente exigidos nem objectivamente se verificam razões que presidem ao início e à concretização de um procedimento tendente à qualificação de um bem como tesouro nacional. Mais: nem tal...

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