Acórdão nº 02018/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo tribunal Administrativo: I Relatório O SINDICATO DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES (SEP), com melhor identificação nos autos, interpôs no Tribunal Central Administrativo recurso contencioso de anulação do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA SAÚDE, de 16.08.2002, que, em decisão de recurso hierárquico necessário, confirmou a aplicação da pena disciplinar de multa graduada em € 997,60.

Por acórdão daquele tribunal, de 03.07.2003 (fls. 101 e segs.), foi rejeitado o recurso por ilegitimidade do recorrente, nos termos do art. 57º, § 4º do RSTA.

É desta decisão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, em cuja alegação, a que junta um parecer jurídico, o recorrente formula as seguintes conclusões: 1. O Recorrente veio a juízo em representação e defesa (ou em "representação e substituição", também assim se podendo dizer) da sua associada, Enfermeira ... (e a pedido dela), exercer a tutela jurisdicional contra o acto, de 16/Agosto/2002, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que lhe aplicou a pena disciplinar de "multa".

  1. O douto acórdão recorrido rejeitou o recurso, com o fundamento de "manifesta ilegitimidade activa do Sindicato dos Enfermeiros".

  2. Salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido não fez boa interpretação e aplicação do direito aos factos - e, pois, não fez bom julgamento.

  3. Na verdade, à face dos arts. 12º, nº 2 e 56º, nº 1 da Constituição, dos arts. 1º, segundo segmento, 2º, c) e 3º, d) da Lei nº 78/98, de 19 de Novembro, e do art. 4º, nº 3 do Decreto-Lei nº 84/99, de 19 de Março, a legitimidade processual das associações sindicais para exercerem a tutela jurisdicional da defesa dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam não é entendível como necessária "qualidade pessoal" - mas, outrossim, envolve a defesa da legalidade, directa ou colaborante, para reintegração da ordem jurídica violada.

  4. Aliás, a associada do Recorrente poderia, se assim o tivesse querido, impugnar, ela própria, contenciosamente o acto punitivo que a afligiu (e aflige), pois que, para tanto, é titular de um interesse directo, pessoal e legítimo.

  5. Mas, outra foi a sua opção - peticionou-nos que o fizéssemos.

  6. Assim, o Recorrente veio a juízo com a legitimidade activa que a nossa associada tinha para, se o tivesse querido, interpor individualmente o recurso. E, 8. Estribado no que o quadro normativo já recenseado consigna a seu favor. O que, 9. Deste modo, o douto acórdão recorrido não interpretou e aplicou bem os factos - e, por isso, não fez bom julgamento (podendo dizer-se que os arts. 46º, nº 1 do RSTA e 821º, nº 2 do Código Administrativo, na interpretação e aplicação que deles está pressuposta, são inconstitucionais, por colisão com o recenseado quadro normativo em que o Recorrente se estribou). Aliás, 10. A jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Administrativo respalda, autorizadamente a tese do Recorrente. E, 11. O mesmo se pode ver no "parecer" cuja junção aos autos é requerida.

    Contra-alegou a entidade recorrida (SEAMS), concluindo nos seguintes termos: A. O douto Acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo interpretado e aplicado, correctamente, a legislação aplicável ao presente caso, mormente, o Decreto-Lei nº 84/99, de 19.03.

    1. O acto recorrido - pena disciplinar de multa, foi aplicado à associada do recorrente na sequência de um processo disciplinar instaurado àquela por factos por ela praticados e que constituíram infracção disciplinar, por violação dos deveres decorrentes da função que exercia - o não cumprimento do horário de trabalho e a prestação de falsas declarações em matéria de serviço.

    2. O processo disciplinar é por natureza pessoal e individual, sendo que o acto recorrido apenas afectou a situação individual específica da associada do aqui recorrente.

    3. Logo, o caso dos presentes autos nada tem a ver, como o recorrente quer fazer crer quando invoca o nº 3 do art. 4º do DL nº 84/99, de 19.03, com as situações em que apesar de estar em causa um interesse individual, reflectem uma posição jurídica que abrange um grupo alargado de interessados.

    4. O nº 4 do art. 4º do DL nº 84/99, de 19.03, quer proteger a autonomia individual dos trabalhadores quando estejam em causa interesses individuais sem qualquer repercussão colectiva, como é o caso.

    5. Assim, ao estarmos perante uma defesa individual de um interesse individual, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses carece de legitimidade activa para interpor recurso contencioso do acto que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pela enfermeira sua associada, e que manteve a pena disciplinar de multa.

    O Exmo Magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, considerando "defensável a tese que entende que a expressão «colectiva», contida no art. 4º, nº 3 da Lei nº 84/99, de 19.03 qualifica a defesa, não se referindo aos interesses dos trabalhadores, mas sim ao facto da defesa ser feita por uma entidade representativa de todos os trabalhadores".

    Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    II FACTOS O acórdão impugnado considerou assentes, com relevância para a decisão, os seguintes factos: 1. Por despacho de 16.08.2002 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, foi aplicada à Enfermeira graduada ... a pena disciplinar de multa, graduada em € 996,60.

  7. Este despacho foi notificado à referida Enfermeira em 06.09.2002 - cfr. fls. 82.

  8. A Enfermeira graduada ... é sócia nº ... do Sindicato, ora recorrente.

    III DIREITO 1.

    Por se não mostrar abalada a posição constante do acórdão deste STA de 4.3.04, proferido no recurso 1945/03, num caso em tudo semelhante a este, e por continuar a constituir a nossa posição sobre o assunto, aqui se transcreve integralmente, apenas se eliminando as referências específicas ao caso concreto e fixando a negrito alguns trechos: "O âmbito do recurso apresenta-se neste momento reduzido, restringindo-se à questão de saber se, face ao quadro legal vigente, designadamente ao DL 84/99, de 19.3, a legitimidade processual dos sindicatos se estende à defesa em tribunal - em qualquer tribunal - de um interesse meramente individual de um trabalhador por si abrangido. Está ultrapassada a outra questão que anteriormente se colocava, e que tinha a ver com a defesa colectiva dos trabalhadores, quer essa defesa se...

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