Acórdão nº 0301/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A...

, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada a deliberação, de 3/9/01 do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (doravante INGA) que lhe ordenou a reposição dos prémios que recebera para a manutenção de vacas em aleitamento, referentes aos anos de 1991 e 1992, no montante global de 2.614.156$00.

Para tanto, e em síntese, alega que a mesma é juridicamente inexistente - por nela não ter participado o respectivo Presidente e este não ter delegado os seus poderes - e, para a hipótese de assim não ser entendido, que a mesma padece dos seguintes vícios: ter sido fundamentada em legislação que se não encontrava em vigor e que, tão pouco, era aplicável ao caso, não ter procedido à revogação de forma expressa dos anteriores actos de atribuição e pagamento e de revogação ilegal de outros e violação do princípio da proporcionalidade.

Por sentença de 14/9/03 (fls. 109 a 121) o acto impugnado anulado com fundamento do mesmo se traduzir numa revogação ilegal de anterior acto visto a mesma ter sido feita muito para além do prazo previsto no art.º 141 do CPA.

Inconformado com o assim decidido a Autoridade Recorrida agravou para este Tribunal tendo finalizado as suas alegações do seguinte modo :

  1. A douta sentença do tribunal a quo considera procedente o recurso, porque, segundo refere, o acto recorrido revoga um acto constitutivo de direitos, consubstanciado na concessão do Prémio para a Manutenção de Vacas em Aleitamento, respeitante às campanhas de comercialização de 1991 e 1992, indevidamente pago pelo Apelante à Apelada por transferências bancárias. realizadas em 02.10.1992 e 30.06.1993 (Fls. 1 a 4, 14 a 17, 25 a 28, 36 e 37, 54 a 56 do P. Instrutor).

    A douta sentença acolhe a posição do Digno Magistrado do Ministério Público na parte em que refere um excerto do Ac. do STA de 28.05.03, proc.º 01775 : ... aos actos de revogação praticados relativamente à liquidação e pagamento de ajudas comunitárias aplica-se o disposto no art.º 141º do CPA (...). Rege esta norma : 1. Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida".

    O prazo de um ano foi largamente ultrapassado.

    E sendo um acto constitutivo de direitos, também por força do preceituado no art.º 2º do Reg. CEE nº 4045/89, de 21.12 e art.º 8º, nº 1 do Reg. CEE 729/70, de 21/4, está sujeito ao regime de revogação dos actos administrativos constante do art.º 141º do CPA.

    (Excerto do Ac. do STA de 28.05.03, proc.º 01775, por sintetizar a questão em causa de forma completa).

    Não tendo acolhido a parte em que o Digno Magistrado Ministério Público defende que o facto de o acto recorrido se tornar válido por decurso do prazo previsto no art.º 141º, não colide com o poder/dever de o INGA de recuperar do subsídio concedido.

    Não se conforma o ora Apelante com a douta sentença recorrida que dá procedência ao recurso com fundamento na caducidade do acto recorrido, porque, com o devido respeito, não leva às últimas consequências a circunstância desse acto não ter caducado por ter sido praticado ao abrigo de dois regimes jurídicos que vigoram na ordem jurídica interna, o comunitário e o nacional.

    A tese da douta sentença do Tribunal a quo é censurável perante o regime legal comunitário directamente aplicável ao Agravante, a quem compete gerir (atribuir, controlar e perceber) os fundos comunitários provenientes da Secção Garantia do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola.

  2. O art.º 141º do CPA é, com o devido respeito, inaplicável ao acto recorrido, desde logo porque os actos de pagamentos de ajudas configuram-se como actos sujeitos a uma condição resolutiva. Com efeito, "Na condição resolutiva tem de existir objectivamente incerteza quanto à verificação do evento e quanto ao momento (futuro) da sua verificação. A condição resolutiva pretende assegurar a manutenção dos pressupostos do acto administrativo a que aquela foi aposta sob pena de, na circunstância de algum dos pressupostos perder actualidade, a respectiva regulação deixar de vigorar". (apud Filipa Urbano Calvão, Os Actos Precários e os Actos Provisórios do Direito Administrativo, Porto, 1998, págs. 85 e segs.) O único evento susceptível de ser qualificado como futuro é o próprio resultado da averiguação dos pressupostos, (Apud Filipa Urbano Calvão, Os Actos Precários e os Actos Provisórios do Direito Administrativo, Porto, 1998, págs. 120) ou seja, no caso em apreço as conclusões do controlo realizado em conformidade com a regulamentação comunitária aplicável às condições de atribuição da ajuda.

    Resulta do acto recorrido, que este "...

    encontra fundamento nas conclusões dos controlos efectuados, por este Instituto, quando da criação da base informática centralizada das quotas leiteiras de Portugal continental e insular, os quais permitiram apurar uma situação de incumprimento da legislação aplicável à ajuda..." (Fls. 54 do P. Instrutor).

    Acto claramente futuro e incerto, como, aliás, futuros e incertos são os controlos realizados no âmbito do FEOGA-garantia, que impõe que em cada período de controlo sejam realizados a pelo menos "...

    um número de empresas que não pode ser inferior à metade do número de empresas cujas receitas ou encargos (...) tenham sido superiores a 60000 ecus ao abrigo do ano de calendário anterior ao início do período em causa... (Ex vi art.º 2º nº 2 do Reg. (CEE) 4045/89).

    O ora Apelado, omitiu a situação de posse de uma das suas unidades de produção, precisamente aquela a que tinha adstrita a sua quota leiteira, - O requerimento foi feito no âmbito do Art. 2º do Reg. CEE 1357/80 - situação que só veio a ser detectada com o aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização: - criação de uma base informática centralizada das quotas leiteiras de Portugal.

    A constatação da existência de uma unidade de produção leiteira nos Açores, para a qual a Recorrente possuía uma quota leiteira bem maior que os 60.000 kg/ano admissíveis, destinada à produção leiteira (a sua quota era respectivamente de 419.534 kg/ano em 1991 e 428,313 Kg/ano e 1992), e não constava no ficheiro informático do INGA, sendo tal facto omitido pela Recorrente no campo 6. do impresso requerimento.

    Mediante a impossibilidade de o Apelante controlar prévia e eficazmente o pagamento da ajuda e a incerta existência de um sistema de controlo a posteriori, estão verificados os pressupostos da natureza do acto de pagamento da ajuda, como acto sujeito a condição resolutiva. E estando os actos de pagamento desta ajuda sujeito a condição resolutiva, o acto de controlo que verifica a condição resolutiva e que fundamenta a decisão de cessação da eficácia do pagamento anterior (acto recorrido), da qual faz parte integrante, não pode configurar-se como um acto revogatório, não estando consequentemente sujeito aos limites estabelecidos no CPA para a revogabilidade dos actos constitutivos de direitos.

    O Reg. (CEE) 729/70 do Conselho, de 21.04, relativo ao financiamento da Política Agrícola Comum, determina a recuperação de importâncias após as irregularidades, sem referir qualquer prazo para o efeito, pelo que, atendendo à natureza dos actos de pagamento e consequentemente de controlo, só pode ser admissível que o acto que determina tal recuperação (que não um acto revogatório) seja praticado num prazo superior e nalguns casos, mesmo muito superior a um ano, após o pagamento (Ex vi art.º 8º).

    Estriba-se o argumento no ensinamento do Prof. Freitas do Amaral quando afirma clara e inequivocamente que o acto de revogação não se confunde com aqueles casos em que, no exercício de uma competência diferente, se pratica um acto administrativo de conteúdo contrário ou oposto ao de um acto anteriormente praticado e em que portanto, os poderes exercidos não se destinam imediatamente a actuar sobre um acto administrativo anterior, antes representam um exercício de uma competência dirigida à prática de actos pertencentes a um tipo legal diferente (Apud Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Coimbra...

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