Acórdão nº 0424/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução13 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A... e B..., identificadas nos autos, interpuseram recurso jurisdicional do acórdão da Subsecção, de fls. 176 e ss., que negou provimento ao recurso contencioso que haviam deduzido do despacho de 21/10/99, do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, acto este que declarara a utilidade pública urgente da expropriação de um imóvel de que as recorrentes são comproprietárias.

As recorrentes terminaram a sua alegação de recurso, oferecendo as seguintes conclusões: 1 - O n.º 2 do art. 62º da CRP rege (entre o mais) a prática dos actos de expropriação, ou seja, a prolação das declarações de utilidade pública de certos e determinados bens.

2 - Os requisitos de legitimidade impostos a esses actos (utilidade pública, legalidade, justa indemnização) limitam o poder público de expropriar e, enquanto tal, constituem garantia constitucional da propriedade sobre determinado bem.

3 - Toda a limitação do poder de expropriar constitui uma garantia do poder directo, imediato e exclusivo do proprietário sobre concretos e determinados bens.

4 - O direito de não ser privado da propriedade por acto de autoridade, salvo nos termos e nas condições fixadas na CRP e, por remissão desta, na lei, constitui elemento essencial desse direito.

5 - Uma declaração de utilidade pública que expropria por erro um dado terreno que na realidade não se destina ao fim de utilidade pública invocado viola os requisitos constitucionais de exercício do poder expropriativo e o núcleo essencial do direito subjectivo de propriedade, visto estar ausente o requisito constitucional da utilidade pública.

6 - Conforme se vê no requerimento em que a CM Lisboa pediu ao Governo a expropriação ora em causa (inserido no processo administrativo apenso ao processo 45.899, da 3.ª Subsecção da 1.ª Secção desse Venerando Tribunal) e também resulta do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar, a parte da parcela expropriada às recorrentes, destinada à implantação do edifício 26.3, não se destina à construção de fogos no âmbito do programa PER do Alto do Lumiar, mas a venda livre.

7 - O erro cometido pelo autor do acto administrativo ao invocar que essa parte da parcela expropriada se destina à construção de fogos no âmbito do programa PER do Alto do Lumiar traduz-se na expropriação de um terreno sem que, relativamente a ele, se verifique a exigência constitucional de destinação a um fim de utilidade pública.

8 - O acto recorrido viola as limitações impostas à expropriação pelo n.º 2 do art. 62º da CRP e ofende o núcleo essencial do direito subjectivo de propriedade das recorrentes, pelo que é nulo nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 133º do CPA, atento o disposto no art. 17º da CRP.

9 - Acresce que tal acto seria nulo, mesmo na tese da co-recorrida, de que a expropriação da área destinada ao edifício 26.3 satisfaz o fim da expropriação por se destinar a ser dado em pagamento aos empreiteiros que construíram os fogos de realojamento.

10 - Se isso estivesse provado (e não está), deparar-se-ia um imposto oculto a que só as recorrentes estariam sujeitas, e não os cidadãos em geral.

11 - O imposto é uma "prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas" (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2002, pág. 9).

12 - A operação alegada, mas não provada pela co-recorrida, ocultaria um imposto pela razão evidente de que a maior valia do terreno urbanizado, excedente ao valor da aquisição do terreno bruto (correspondente ao montante da justa indemnização), seria retirada às recorrentes e compensada em dinheiro nos cofres da co-recorrida, que neles conservaria uma quantia que, doutra forma, teria de pagar aos empreiteiros para satisfazer a despesa pública.

13 - Essa mais valia, na sua destinação económica, pertence às ora recorrentes que poderiam ficar sujeitas, quando muito, ao imposto ou encargo de mais valia.

14 - Se a tese da recorrida tivesse sido provada (e não o foi), o acto recorrido violaria os artigos 103º, n.º 2, e 13º da CRP, pelo que seria nulo nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 133º do CPA, atento o disposto no art. 17º da CRP.

15 - Acresce que tal operação constituiria uma fraude à lei que, por si só, é também fonte de nulidade, nos termos do n.º 1 do art. 133º do CPA, visto implicar a ausência da vontade de atingir o fim invocado na declaração de utilidade pública.

Só a entidade expropriante CM Lisboa contra-alegou por intermédio do seu Presidente, tendo apresentado as conclusões seguintes: I - O acto de expropriação da parcela de terreno das recorrentes não permite consubstanciar a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, «maxime» o direito de propriedade, tal como configurado pelo art. 62º, n.º 1, da CRP.

II - O direito de propriedade inscrito no texto da Lei Fundamental, no seu art. 62º, n.º 1, é aí plasmado na sua vertente abstracta, enquanto consagração...

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