Acórdão nº 0460/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelLÚCIO BARBOSA
Data da Resolução06 de Outubro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A..., SGPS, SA., com sede na rua ..., Senhora da Hora, Matosinhos, impugnou judicialmente, junto do então Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, a liquidação de uma "taxa sobre operações fora de bolsa".

O Mm. Juiz do 4º Juízo daquele Tribunal julgou a impugnação improcedente.

Inconformada, a impugnante interpôs recurso desta decisão.

De passo, e antes de ser proferida decisão, pediu a suspensão dos autos e o reenvio dos autos ao TJCE no sentido de tal instância se pronunciar sobre "a compatibilidade com os artºs. 11º e 12º da Directiva 69/335/CEE do preceito do direito português que prevê uma receita, em favor da comissão do mercado de valores mobiliários, por operações sobre acções realizadas fora de bolsa, e que é variável em função do valor de transacção e sem sujeição a quaisquer limites, sendo certo que, tratando-se de uma questão de direito, o conhecimento da mesma não é prejudicada por não ter sido suscitada do âmbito do recurso interposto".

O TCA, negando embora o reenvio prejudicial, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, anulando, em consequência, a liquidação impugnada.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso para este STA.

Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso: 1) A sentença recorrida declarou a ilegalidade dos nºs 1 e 2 da Portaria n. 904/95, de 18 de Julho, por violação do artigo 408.° do Cód.MVM, com o argumento de que «a citada Portaria, ao estabelecer o montante da taxa de forma a descaracterizar a mesma está, em primeira mão, a desrespeitar a lei habilitante [0 artigo 408.°], que apenas permite se fixe o montante de uma taxa (e não já que se transmute a mesma em imposto)».

2) A declaração de ilegalidade da Portaria n. 904/95, de 18 de Julho, fundamentou-se no facto de, no entendimento do tribunal, a fórmula de cálculo do montante da taxa, ao basear-se no valor da operação, fazer com que a mesma assentasse exclusivamente na capacidade contributiva evidenciada na operação subjacente ao facto tributário, assumindo, assim, "a natureza de imposto, ou de realidade que deve ser tratada como tal".

3) É o facto de existir uma contraprestação específica que distingue a taxa do imposto, ou seja, o seu carácter bilateral. O próprio acórdão recorrido reconhece a existência de um sinalagma na taxa de supervisão de que se ocupa o presente recurso.

4) Não obstante, o acórdão recorrido considera que lhe falta o "elo de ligação entre o montante exigido e o custo ou valor da contra prestação" que corresponde a uma exigência do princípio da equivalência económica ou da proporcionalidade.

5) Ao decidir que os nºs 1 e 2 da Portaria n. 904/95, de 18 de Julho, enferma de ilegalidade pelos motivos expostos, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação aquelas normas.

6) Na verdade, a equivalência económica não é da natureza das taxas. Ao conceito de sinalagma não importa a equivalência económica, mas a equivalência jurídica.

7) A equivalência jurídica diz respeito à existência, como contrapartida da taxa, de um serviço prestado pela administração.

8) Ao referir-se à equivalência económica, o acórdão considera a necessidade de se respeitar, nas taxas, o princípio da proporcionalidade entre o montante da taxa e o custo do serviço ou o benefício que dele decorre.

9) No cálculo do montante da taxa sobre operações fora de bolsa, tal como traçado pela Portaria n. 904/95, de 18 de Julho, existe proporcionalidade entre o montante da taxa e os custos e benefícios decorrentes do serviço prestado pela CMVM, na medida em que, quer uns, quer outros, são proporcionais ao montante da transacção.

10) Por um lado, quanto aos custos, verifica-se que quanto mais elevado o montante da transacção, mais complexa é a actividade de supervisão da CMVM.

11) Na verdade, estarão envolvidos procedimentos de supervisão acrescidos em proporção ao valor da operação, tendo em consideração que o relevo para o mercado de uma transacção é tanto maior quanto maior o montante transaccionado, nomeadamente no que diz respeito aos seguintes aspectos: utilização abusiva de informação privilegiada (artigo 666° do Cód.MVM); actuações ilícitas ou fraudulentas destinadas a alterar artificialmente as condições da oferta ou da procura de valores mobiliários no mercado (artigos 657.°, 667.°, 5.° do Cód.MVM); obrigatoriedade de lançamento de oferta pública de aquisição (artigos 523° e seguintes do Cód.MVM); dever de comunicação de participações importantes, resultantes da detenção, aquisição ou alienação, em mercado ou fora dele, de participações em sociedade com acções cotadas (artigo 345° do Cód.MVM) e, em geral, quaisquer práticas ilícitas (artigo 5° do Cód.MVM).

12) Por outro lado, o maior impacto no mercado decorrente das grandes operações traduz-se num acréscimo de risco sistémico que implica procedimentos mais acentuados de supervisão, por forma a evitar irregularidades que possam traduzir-se na falência do sistema.

13) A tarefa de supervisão em relação às operações fora de bolsa não é comparável a um registo de aquisição de uma fracção autónoma, ou à utilização de uma ponte, ou a qualquer outro acto que se esgota na sua realização, antes envolvendo tarefas de grande complexidade que se podem prolongar no tempo.

14) A maior complexidade e responsabilidade, o número de documentos a analisar e os procedimentos de confirmação a efectuar, resultam, indubitavelmente, num acréscimo de trabalho para a CMVM. Justifica-se, desta forma, a indexação da taxa ao montante transaccionado, ou seja, a fixação de taxas ad valorem.

15) É de realçar a natureza também extra-fiscal ou extra-financeira da finalidade da taxa sob análise, tal qual foi delineada pela Portaria n. 904/95, de 18 de Julho.

16) Com efeito, no Código do Mercado dos Valores Mobiliários acresce igualmente a intenção de canalizar as operações sobre valores mobiliários para a bolsa, quer como forma de protecção dos investidores (já que o mercado de bolsa é um mercado e, portanto, é mais transparente e seguro), quer como meio de permitir que este mercado público se afirmasse e alcançasse um considerável desenvolvimento.

17) Na verdade, o artigo 408º do Cód.MVM dispunha que as taxas sobre operações fora de bolsa eram devidas em montantes "não inferiores aos estabelecidos para as taxas de bolsa ". Com este preceituado pretendia evitar-se o desvio ou a atracção das transacções sobre valores mobiliários para fora da bolsa, exclusivamente por via dos custos a estas inerentes, sob pena de se verificar inevitavelmente uma distorção dos preços formados em mercado.

18) Assim, atento o exposto, não há qualquer violação do princípio da proporcionalidade no que aos custos respeita, uma vez que estes crescem à medida que aumenta o valor da transacção e, mesmo nos casos em que o valor da taxa possa exceder o valor dos custos concretos desencadeados pela operação, não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que o que este princípio impõe é a proibição de um excesso manifesto entre o montante da taxa e o valor dos custos do serviço, circunstância que, no caso, nunca poderá verificar-se, atento o valor diminuto da taxa que era, à data, de 4 por mil.

19) Também no que respeita aos benefícios, está verificado o respeito pelo...

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