Acórdão nº 047638 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução21 de Setembro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO 1.1.A...ª, sociedade por quotas, com sede no lugar de ..., freguesia de ..., Oliveira de Azeméis, instaurou no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, contra a Associação de Municípios das Terras de Santa Maria, acção ordinária por incumprimento do contrato de concessão de exploração do aterro sanitário sito no lugar de Pereiro, freguesia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis.

Na acção a Ré defendeu-se, além, do mais, por excepção peremptória, alegando a nulidade do contrato em que se baseia a acção.

1.2. A fls. 139-145 foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção.

Reclamaram as partes da matéria da especificação e questionário A Ré agravou da decisão que julgou improcedente a alegada nulidade do contrato.

1.3. Tendo os autos prosseguido, o Tribunal Administrativo do Circulo de Coimbra, pela sentença de fls. 1615-1635, julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção e condenou: a) a Ré a pagar à Autora: - "a quantia que se vier a apurar em execução de sentença, pela construção de um caminho, da beneficiação da casa do guarda e do pavilhão de manutenção; - "a quantia que se vier a apurar em execução de sentença pela construção de um balcão de serralheiro"; - "50% de 4 446 000$00" b) A Autora a pagar à Ré: - 50% de 7 650 000$00, de 300 contentores de água; - 50% de 9 000 000$00, acrescidos de 450 contos de IVA, relativamente a em 1994 e 1995 transportar líquidos lixiviados do aterro para a ETAR de Vale de Cambra; - 50% de 9 200 000$00, acrescidos de 460 000$00 de IVA, relativamente a transportar, em 1995, líquidos lixiviados do aterro para a ETAR de Vale de Cambra; - 50% de 18 000 000$00, acrescidos de 900 000$00 de IVA, por tratamento de lixos que se encontravam no aterro e no seu transporte para células, em 1994; - 50% de 302 794 000$00 acrescida de 15 139 700$00, por transportar lixos existentes no aterro, indevidamente acondicionados e tratados; - 50% de 2 563 000$00, acrescida de 128 157$00 de IVA na despoluição de uma mina localizada no interior do aterro; - no que se apurar em execução de sentença por assessoria nos trabalhos e obras em que a Autora foi condenada supra; - na quantia de 1 000 000$00, por danos não patrimoniais.

1.4. Inconformada, a Autora interpõe recurso para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1- Os factos das alíneas G,I,J,N, da especificação foram expressa e copiosamente impugnados.

2- No que respeita às alíneas G e I, a impugnação alicerça-se em documentos com igual força probatória dos documentos juntos pela ré.

3- No que concerne às alíneas J e N, que recolheram factos do acontecer quotidiano, eles foram especificadamente impugnados em quatro passagens distintas dos articulados da autora.

4- Os referidos factos não podem ser dados como assentes e devem ser levados ao questionário.

5- Como ensina o conselheiro Lopes Cardoso, as partes devem ser admitidas a provar os factos que alegam, nos termos em que o fazem, desde que tenham interesse para a decisão, o que é retintamente o caso dos factos reclamados.

6- O que torna certo que a rígida e exagerada esquematização dos factos, numa acção de tanta monta e de grande riqueza factual, só pode ser prejudicial à decisão do tribunal de facto, como o desenlace da acção veio a comprovar.

7- Os factos reclamados pela autora devem ser levados ao questionário.

8- A douta sentença conheceu de um pedido por danos morais que não foi feito e deixou de conhecer o pedido de danos patrimoniais indirectos que foi efectivamente proposto ao pretório.

9- Por via disso a sentença incorreu na nulidade do art. 668º, nº 1, al. d) do Código do Processo Civil.

10- Quer se trate de nulidade quer se opte por erro de julgamento, sempre o tribunal de recurso conhecerá do mérito da causa.

11- Na acção provaram-se todos os factos relativos aos prejuízos pela cessação da actividade futura da autora, menos a quantificação desses prejuízos.

12- Tratando-se de lucros cessantes ou danos indirectos, que se projectam no futuro (e sabendo a taxa de lucro e a duração do contrato), a quantificação será feita com base na probabilidade (os lucros que provavelmente haveria, na formulação do mestre Pereira Coelho).

13- De toda a maneira, a falta de quantificação não é motivo de improcedência do pedido, ficando o montante sujeito a determinação em execução de sentença.

14- Ao abrigo do contrato a autora realizou obras que o tribunal tratou na perspectiva do interesse que teriam para a ré, princípio afim das benfeitorias.

15- Não pode, porém, ser assim, visto que as obras podem não ter interesse nenhum para a ré (como no caso de ser mudado o aterro sanitário, e que de facto aconteceu) sem que isso tenha a menor influência, pois o que conta é que as obras foram feitas ao abrigo do contrato.

16- A indemnização é devida por isso que as obras foram realizadas ao abrigo e por obediência a um contrato.

17- Provado - (resposta ao quesito 1º) - concretamente que foi a conduta da ré, ao apoderar-se do aterro, que privou a autora de obter os proventos decorrentes da sua actividade de tratamento de lixos, de toda a evidência resulta que a ré é obrigada a indemnizar a totalidade dos prejuízos.

18- Se isso, porém, assim não for de entender, a ré deverá indemnizar na proporção que lhe for assacada na decisão final.

19- A Associação de Municípios ré, na qualidade de proprietária de um aterro sanitário, lançou um concurso público para a concessão de exploração desse aterro, a que a autora concorreu mediante proposta que foi aceite e com base na qual foi outorgado o contrato. Esta é a carta constitucional da questão.

20- Foi a Associação que decidiu a necessidade do aterro, escolheu o local, construiu-o, explorou-o ela própria durante anos e, por fim, cometeu à autora tão somente a exploração do dito aterro.

21- Tendo sido provado que o aterro foi construído em local impróprio, se foi mal concebido e se carecia de estruturas, como a impermeabilização, ou se estas foram mal feitas, tudo isso tem de ser assacado à Associação, como sua proprietária e instaladora.

22- Não pode ser aceite, antes deve ser corrigida a afirmação da sentença de que a autora não podia depositar lixos industriais no aterro, por que todos os elementos do contrato (concurso público, proposta, escritura pública) tornam claro que a aposição de lixos industriais foi expressamente prevista.

23- A base de facto provou que no aterro apenas foram depositados lixos domésticos e industriais, não podendo aceitar-se a confusão destes com lixos perigosos ou tóxicos, feita na sentença.

24- A noção de lixos tóxicos ou perigosos, é uma noção jurídica, e deriva directamente de uma directiva comunitária que os define e classifica, pelo que, não se tendo provado um único facto relativo a isso, carece de sustentáculo a conclusão de que haveria no aterro lixos perigosos, conclusão extrapolada aliás, da deposição de lixos industriais que, no entanto, são coisas retintamente distintas.

25- A mistura dos lixos domésticos e industriais é prevista no contrato e na natureza do aterro, uma vez que, no início do aterro, só haveria um alvéolo para a deposição, o que foi expressamente proposto pela autora e aceite pela ré, que ao longo do tempo fez a fiscalização, supervisão e direcção, no exercício dos direitos que resguardou no contrato e que efectivamente exerceu.

26- A essência do problema reside em que, partindo do facto absolutamente inexacto da deposição de lixos perigosos, a sentença pega esse facto à contaminação das águas que serviam as populações.

27- O que aconteceu e está provado, no entanto, é que a contaminação das águas se deu através de minas e nascentes existentes no subsolo do aterro que serviram de condutor rápido e por excelência para as populações, que distavam vários quilómetros do aterro.

28- Tanto mais grave quanto a Associação sabia da existência dessa rede de minas mesmo por baixo do aterro, designadamente porque desde o início dos anos oitenta (a adjudicação do aterro foi em 1992) que as populações faziam exposições e reclamavam perante a Associação de Municípios, que bradavam para que o aterro não fosse construído naquele sítio, por aquela causa.

29- A Associação não só sabia da existência das minas como as ocultou da autora, referindo-lhe tão somente um poço que a autora acautelou.

30- A ré não procedeu aos mais elementares exames do sítio do aterro e não procedeu à Avaliação do Impacto Ambiental, violando assim uma norma comunitária imperativa.

31- Não competia à autora proceder à construção das estruturas do aterro, como à impermeabilização das células, porque não constava do contrato, porque à concessionária, como arrendatária, não compete fazer a casa mas pagar o uso ou a locação, e porque seria absurdo pedir à autora que, com o escasso lucro da exploração, de 120$00 (lixos domésticos) e 140$00 (lixos industriais), fizesse obras cujo custo ascende a milhões de contos, visto que a impermeabilização de cada uma das vinte e duas células ascende a mais de cem mil contos.

32- A A... realizou todas as obras a que no contrato se comprometeu, não havendo uma única cuja falta resultasse provada.

33- Aquilo que a ré cometeu à autora foi que ela explorasse o aterro e não que reparasse ou reconstruísse um aterro já feito e em curso, desde o início deficiente, imperfeito, e mal localizado.

34- Se não fosse assim teríamos um contrato inteiramente diferente, que seria nulo por vício do seu processo de formação.

35- Quando se diz que a autora não protegeu nem desviou as águas das nascentes, que não impermeabilizou as células, que não desviou as águas, que não construiu um adequado sistema de drenagem, tudo isto não tem o menor relevo porque provado está que não era à autora que competia essas obras.

36- Para além de que são meras conclusões a culpa que se estabelece sobre a conduta da autora e a quantificação das obras.

37- O tema molecular do feito, a...

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