Acórdão nº 0801/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Agosto de 2004

Data18 Agosto 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A A..., que doravante designaremos pela sigla A..., e outros setenta e quatro demandantes, todos estes identificados nos autos, vieram conjuntamente requerer a suspensão da eficácia «da norma contida na al. f) do n.º 2 do art. 6º do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003, de 10 de Maio», norma essa que interditou «a instalação de jangadas privativas» no «plano de água» da mesma albufeira. Aqueles setenta e quatro requerentes apresentaram-se como proprietários de terrenos marginais à albufeira e utilizadores de jangadas do tipo referido pelo preceito acima citado. Em abono do deferimento da presente providência cautelar, todos os requerentes afirmaram que a norma em causa é ilegal por, ao arrepio da Constituição, ofender direitos de personalidade e de propriedade dos demandantes, bem como o princípio da proporcionalidade. Também disseram que o não deferimento da providência lhes trará prejuízos de difícil reparação. E, por último, acrescentaram que os interesses por si prosseguidos se sobrepõem ao interesse público porventura visado pela norma em questão, até pelo decisivo motivo de que se não discerne qual seria este último interesse.

O Conselho de Ministros respondeu, começando pela enunciação de questões prévias. Assim, recusou legitimidade processual à A... e aos outros requerentes, recusa essa fundada, quanto àquela, na circunstância de a A... não ter interesse no resultado da lide e, quanto a estes, no facto de eles não terem demonstrado que são proprietários dos terrenos confinantes com a albufeira e das jangadas cujo uso foi proibido, nem terem provado que dispõem de licença para utilizar tais artefactos. O requerido também disse que o pedido cautelar é ilegal porque almeja obter uma suspensão genérica da execução da norma, em vez de tal suspensão ser restrita aos casos individuais dos interessados, e afirmou ainda que a providência é ilegal em virtude de não vir indicada a acção a propor, de que ela é dependência. Quanto ao mérito, o requerido defendeu a perfeita legalidade da norma em causa, daí concluindo pelo necessário indeferimento do pedido.

Consideramos assentes, ao menos «prima facie», os dados de facto que se seguem, a que acrescentamos o objecto da presente providência: 1 - Exceptuada a A..., todos os demais requerentes dispõem de terrenos confinantes com a albufeira da barragem e têm nela instaladas jangadas privativas.

2 - Essas jangadas servem para se aceder das margens à água, para a acostagem de embarcações e para a captação de água da albufeira.

3 - O art. 6º, n.º 2, al. f), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003, de 10/5 - que aprovou o Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode - veio interditar, no plano de água da albufeira, «a instalação de jangadas privativas».

Passemos ao direito.

Através do presente procedimento cautelar, os requerentes intentam suspender a eficácia de uma norma constante de um regulamento administrativo - o art. 6º, n.º 2, al. f), do Regulamento do Plano de Ordenamento da Albufeira de Castelo do Bode, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/2003, de 10/5 - norma essa que, ao interditar «a instalação de jangadas privativas» no «plano de água» da albufeira, se mostra apta a produzir efeitos imediatamente, sem dependência de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação. A possibilidade de, em juízo, se suspender a eficácia de normas desta espécie mostra-se agora contemplada no CPTA (cfr. os artigos 112º, n.º 2, al. a), e 130º). Mas, como só poderemos entrar na apreciação do fundo da providência depois de nos assegurarmos que não subsistem quaisquer questões obstativas ao conhecimento «de meritis», temos de começar por ver se o requerido tem razão quanto às excepções que deduziu na sua resposta.

O requerido disse que o requerimento inicial ofendeu o disposto no art. 114º, n.º 3, al. e), do CPTA, posto que nele se não indicou «a acção de que o processo depende ou irá depender». A obrigatoriedade deste tipo de indicações prende-se com a natureza instrumental dos procedimentos cautelares, que não constituem modos absolutos de resolver controvérsias jurídicas, mas meios provisórios, serventuários dos fins a atingir na acção principal. Assim, ao impor que essa acção logo seja referida no processo cautelar, o legislador quis, por um lado, vincular objectivamente o respectivo requerente ao facto certo de que a providência não é uma maneira independente e autónoma de dirimir o litígio; e quis, por outro lado e sobretudo, garantir a possibilidade de se emitir um antecipado juízo acerca da possível «falta de fundamento» da pretensão principal (cfr. o art. 120º, n.º 1, al. b), do CPTA). Ora, para se lograr essa vinculação e esse prévio esclarecimento não é necessário descrever com minúcia a acção a propor; e antes basta a mera aceitação expressa de que será necessário instaurar ulteriormente uma certa acção dotada de um dado figurino (no que toca à pretensão e aos seus fundamentos), acção essa que, indo além da função preventiva ou conservatória do meio instrumental, intente definitivamente resolver a controvérsia geral existente entre as partes. «In casu», os requerentes...

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