Acórdão nº 048152 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Junho de 2004
Magistrado Responsável | ANTÓNIO MADUREIRA |
Data da Resolução | 29 de Junho de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo.
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RELATÓRIO 1. 1. A...; B...; C...; ...; ... e ..., todos com os devidos sinais nos autos, interpuseram recurso, na 1.ª Secção deste STA (pelas suas Subsecções), do despacho conjunto do Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, assinado em 3/5/01 e 23/5/01, respectivamente, que lhes fixou a indemnização definitiva global de 3 755 382$00 (18 731,76 euros), decorrente da aplicação das leis da Reforma Agrária.
Por acórdão da 1.ª Subsecção de 17/10/2 002, foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto impugnado, por procedência do vício de violação de lei decorrente de erro de direito no cálculo da indemnização relativa à privação de rendas (fls 121-129 dos autos).
Com ele se não conformando, interpuseram recurso do mesmo, para o Pleno desta Secção, os recorridos e os recorrentes contenciosos.
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2.
Os recorrentes/recorridos contenciosos, nas suas alegações, formularam as seguintes conclusões: 1.ª) - A indemnização a pagar aos proprietários alvo de expropriação no âmbito da Reforma Agrária, e que não faziam a exploração do seu património, corresponde a 20% do montante global indemnizatório a pagar ao rendeiro e ao proprietário.
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) - A indemnização pela nua propriedade, tendencialmente 20% do valor indemnizatório, como se referiu, tem por base de cálculo o somatório das rendas perdidas durante os anos de privação, até à entrega do património.
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) - O Estado considera-se devedor do montante encontrado (renda pelo número de anos da privação) a partir da expropriação, o que corresponde a uma verdadeira actualização das rendas, pois se faz uma antecipação do seu vencimento.
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) - O modo de fixação da indemnização pela perda do rendimento líquido do património expropriado (da nua propriedade), e entretanto devolvido, é igual, quer fosse explorada directamente pelo proprietário, quer estivesse arrendado, apenas variando no modo de apuramento da base de incidência das taxas previstas no artigo 19.º da Lei n.º 80/77, de 26/10, como, aliás, decorre do disposto no n.º 4 do artigo 5.º do DL n.º 199/88, na redacção dada pelo DL n.º 38/95, de 14/2.
Com efeito, 5.ª) - No caso de prédio arrendado, o rendimento líquido perdido é apurado multiplicando-se a renda à data da ocupação pelo número de anos que perdurou a expropriação e dando-se por vencido o montante global na data da ocupação; no caso de prédio não arrendado, o rendimento líquido é encontrado partindo-se do rendimento líquido médio da terra, fixado no Anexo n.º 4 à Portaria n.º 197-A/95, actualizando-se aquele valor de 1995, à data da ocupação, por aplicação de uma taxa deflaccionária de 2,5% ao ano, o que provoca necessariamente a sua diminuição e multiplica-se o valor encontrado pelo número de anos que durou a expropriação.
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) - A taxa de actualização do valor encontrado é prevista no referido artigo 19.º e aplica-se ao valor encontrado, quer se trate de proprietário senhorio quer de proprietário que explorava directamente o património.
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) - A percentagem a atribuir pela perda do rendimento líquido da terra (nua propriedade) é sempre a mesma, de 20% do valor global indemnizatório, não existindo do ponto de vista legal, diferença de percentagem quer o prédio se encontrasse ou não arrendado.
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) - Aliás, só assim se respeita o princípio legalmente consagrado e bem realçado no douto acórdão de que a indemnização é uma só (vd., nomeadamente, o n.º 4 do artigo 5.º do DL n.º 199/88, entre outros) e que é repartido, no caso de existência de arrendamento em 20% para o senhorio (nua propriedade) e 80% para o rendeiro, como igualmente consta daquele diploma.
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) - Pelo que eventual aumento na distribuição da percentagem do todo único indemnizatório ao senhorio, acarreta obrigatoriamente prejuízo para o rendeiro.
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) - O douto acórdão, na parte recorrida, faz incorrecta interpretação da lei ao entender que o factor renda usado no cálculo da indemnização não sofre actualização, violando, nessa parte, o n.º 4 do artigo 14.º do DL 199/88, pelo que deve ser julgado procedente o recurso e, em consequência, revogar-se o douto acórdão na parte em que dele se recorre, com as legais consequências.
Contra-alegaram os recorrentes contenciosos, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.ª) - Não é procedente o invocado pelo MADRP que sustenta que o acto anulado não devia ter sido anulado, requerendo a revogação do acórdão recorrido.
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) - O acto anulado foi bem anulado, porquanto violou os normativos legais constantes do acórdão recorrido, para além dos suscitados pelos ora recorridos particulares, objecto do seu recurso jurisdicional.
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) - O acto anulado procedia a um "pseudo" mecanismo de actualização da indemnização base - mecanismo considerado ilegal pelo acórdão recorrido.
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) - Este mecanismo, porquanto não permite uma actualização da indemnização base, deve, e bem, ser anulado, e como tal o acórdão recorrido ser confirmado quanto a este ponto.
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) - Outro vício invocado pelo MADRP prende-se com a eventual necessidade de repartição da indemnização entre rendeiro e proprietário.
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) - Esta é uma questão que, para além de improcedente, é nova e externa à relação jurídica-administrativa objecto dos autos e externa à decisão jurisdicional objecto de recurso, não podendo da mesma o tribunal conhecer.
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3.
Os recorrentes contenciosos, nas alegações do seu recurso jurisdicional, formularam as seguintes conclusões: 1.ª) - O presente recurso é interposto do douto acórdão de 17/10/2002, que, apesar de ter anulado o acto recorrido, não deu provimento a dois vícios suscitados pelos recorrentes: 1 - Erro na quantificação da renda inicial; 2 - Mecanismo inconstitucional de actualização do quantum indemnizatório que se venha a apurar.
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) - Quanto ao primeiro vício do acórdão, o acto recorrido deve ainda ser anulado pelo facto de partir de uma renda irrisória estimada que não corresponde a valores de mercado - violação do artigo 1.º da Lei n.º 80/77 e artigo 5.º, n.º 4, do DL 199/88.
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) - Quanto ao segundo vício apontado ao acórdão recorrido, o mesmo resulta do facto da Administração, independentemente de quaisquer vícios quanto ao apuramento do quantum indemnizatório base, ter actualizado a indemnização através de um mecanismo, assente no artigo 19.º da Lei n.º 80/77 e DL 213/79, actualização essa totalmente inconstitucional, conduta que não mereceu censura por parte do acórdão recorrido.
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) - A indemnização paga consistiu na soma das seguintes verbas: Indemnização base (Esc. 2 026 382$00 ou € 10 107,55) + Actualização (Esc. 598 793$00 ou € 2 986,87) = Esc. 2 625 175$00 ou € 13 094,31 (+- 1 600cts).
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) - O facto que deu origem à indemnização ocorreu em 1 975 e o pagamento da indemnização ocorreu em 2 000.
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) - A indemnização actualizada, com recurso à taxa de inflação, taxas passivas do Banco de Portugal ou Portaria de correcção monetária (Portaria 553/2 002, de 3/7) resulta numa indemnização total média de € 258 746,55(+-52mcts).
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) - A indemnização paga corresponde a 5% da indemnização actualizada nos moldes legais.
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) - A indemnização devida nos termos do artigo 94.º da CRP pode não ser justa, mas não pode ser simbólica, irrisória ou confiscatória, que é o que sucede nestes autos, por força da sua não actualização.
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) - A Administração - conclusões 5.ª e 6.ª das suas alegações - confessa ser sua intenção proceder à actualização da indemnização.
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) - Acontece que o mecanismo de actualização assenta nos artigos 19 e seguintes da Lei n.º 80/77 e DL 213/79, que devem ser declarados materialmente inconstitucionais, e, como tal, o acto recorrido deve ser também anulado pelo facto de assentar em normativos legais contrários à Constituição.
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) - Uma vez que o acórdão recorrido não anulou o acto recorrido com base neste vício, deve ser revogado quanto a esta questão, porque a actualização, essa sim, tem de ser justa.
Os recorridos contenciosos não contra-alegaram.
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4.
O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu parecer, no qual defendeu que nenhuma censura merece a decisão acolhida no acórdão recorrido, que, por isso, deverá ser mantida.
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5.
Foram colhidos os vistos dos Exm.ºs Juízes Adjuntos, pelo que cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. OS FACTOS: O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos: 1. Os recorrentes (contenciosos) são proprietários do prédio rústico denominado "...", sito na freguesia de ..., concelho de Serpa, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1.º, Secção M; 2. O mencionado prédio rústico, com a área de 353,1000 hectares, foi ocupado, no âmbito da aplicação das leis da Reforma Agrária, no dia 21/10/75, tendo sido restituído em 30/9/88.
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Na data da sua ocupação, o prédio estava arrendado a ... .
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