Acórdão nº 0442/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução16 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a FAZENDA PÚBLICA interpuseram recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa que rejeitou a graduação de créditos reclamados por aquele, relativos a contribuições para a Segurança Social e, por esta, relativos a I.R.C. e I.V.A..

A Fazenda Pública apresentou alegações com as seguintes conclusões: l. A Fazenda Pública reclamou créditos, referentes a IVA e IRC, conforme fls. 18 a 19 dos presentes autos.

  1. Os referidos créditos reclamados pela Fazenda Pública, foram liminarmente rejeitados por carecerem de garantia real, nos termos do art. 240º e 246º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

  2. Os créditos de natureza fiscal beneficiam de privilégios creditórios previstos no Código Civil.

  3. Nos termos da lei, o privilégio creditório consiste na faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores de serem pagos com preferência em relação a outros - art. 733º e seguintes do Código Civil.

  4. O legislador ordinário tem atribuído em leis avulsas privilégios a determinadas entidades, de que são exemplo os privilégios para garantia de créditos pelas contribuições da Segurança Social (Dec. Lei 103/80, de 9 de Maio).

  5. A Fazenda Pública entende que os privilégios mobiliários (e imobiliários) gerais (ou especiais) constituem garantias reais para efeitos de poderem ser reclamados nos termos do artigo 865º nº 2 do C.P.C., por terem por base um título exequível (certidão de divida).

  6. Face ao exposto, e tendo em atenção a doutrina e jurisprudência existente sobre os privilégios creditórios, a douta sentença incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação das normas constantes nos arts. 240º, nº 1 e 246º ambos do CPPT e 866º do Código do Processo Civil.

  7. Assim, ao não serem admitidos os créditos reclamados pela Fazenda Pública, foram violados os artigos 733º. 736º, 747º e 748º todos do Código Civil, bem como, o artigo 108º do CIRC e 865º nº 2 do C.P.C..

Termos em que, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra no sentido de serem admitidos os créditos reclamados pela Fazenda Pública, como parece ser legal e de inteira Justiça.

O Ministério Público apresentou alegações, concluindo da forma seguinte: 1ª Na execução fiscal foi penhorado, em 18.7.01, o direito ao trespasse e arrendamento de um armazém sito na rua ..., nº ...-..., na freguesia da ..., Amadora.

  1. Em 17.9.02 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social - Delegação de Lisboa reclamou créditos de contribuições para a segurança social, relativos a Nov. e Dez. de 1998, Jan. a Dez. de 1999, Jan. de 2000 e respectivos juros de mora.

  2. Em 7.11.02 a Fazenda Pública reclamou créditos relativos ao IVA relativo aos anos de 1995 (3T, 6T e 12T), de 1996 (9T), de 1999 (3T, 6T, 9T e 12T) e 2000(3T) e IRC de 1995, todos inscritos para cobrança em 1999 ou em 2000.

  3. Os créditos da segurança social e os créditos por dívidas de IVA e IRC gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral (arts. 10º e 11º do DL 103/80, de 9 de Maio, art. 736º do C.C. e art. 93º do CIRC).

  4. A possibilidade da reclamação dos créditos que gozem de privilégio geral (mobiliário ou imobiliário) coloca-se nos mesmos termos em que anteriormente se colocava à luz do art. 865º, nº 1 do CPC, ex vi do art. 334º do CPT.

  5. Não ignorando a natureza jurídica do privilégio creditório geral, sempre a jurisprudência dos Tribunais Superiores admitiu, expressa ou implicitamente, a possibilidade da reclamação dos créditos que gozam desse privilégio.

  6. Nem poderia deixar de ser assim uma vez que quer os privilégios gerais quer os privilégios especiais estão incluídos no C.Civil na mesma secção VI, no Capítulo VI, relativo às garantias especiais das obrigações.

  7. Não é crível, de resto, que o legislador, atentos os interesses subjacentes, tenha querido subtrair os créditos a que atribuiu privilégio geral à possibilidade dos mesmos poderem serem reclamados no âmbito da acção executiva, sob pena de ficar esvaziada de sentido a atribuição do próprio privilégio.

  8. Mesmo que se entenda que os privilégios creditórios gerais não constituem garantias reais, mas meras preferências de pagamento, o seu regime é o das garantias reais, para efeito de justificar a intervenção no concurso de credores (O Concurso de Credores, de Salvador da Costa, 2‘ed. 2001, Almedina, pgs. 401 e 406).

  9. O enquadramento sistemático e teleológico das normas que fixam os privilégios em causa não consente a interpretação restritiva que da norma do art. 240º, nº 1 do CPPT se faz na douta sentença recorrida.

  10. A douta sentença recorrida viola o disposto nos art. 240º, nº 1 do CPPT, art. 10º do DL 108/80, de 9 de Maio, art. 93º do CIRC e 736º do C.Civil.

Assim, concedendo-se provimento ao presente recurso, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se nova sentença que gradue os créditos reclamados.

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apresentou alegações com as seguintes conclusões: Nos termos dos arts. 10.º e 11.º do DL 103/80, de 09.05, 747.º n.º 1 do C.C. Os créditos por contribuições para a Segurança Social e consequentes juros de mora gozam de um privilégio mobiliário e imobiliário geral, sem que se lhes faça qualquer restrição de eficácia.

O privilégio creditório como sendo a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art. 733.º do C.C.).

A consagração do privilégio imobiliário geral a favor da Segurança Social, sem qualquer limitação, obriga à aplicação da regra fixada no art. 751.4 do C.C.

~ A salvaguarda do interesse público implica um privilégio creditório muito forte que permita o cumprimento adequado da obrigação constitucional atribuída ao Estado (art. 63.º da C. R. P.).

~ Considerável jurisprudência se tem pronunciado neste sentido.

Termos em que, no provimento deste Recurso deve: Ser revogada a Sentença recorrida e os créditos do Recorrente admitidos e graduados no lugar que lhes competir.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Embora não se discrimine expressamente a matéria de facto, na sentença recorrida dão-se como assentes os seguintes factos que poderão relevar para decisão do presente recurso jurisdicional: a) Foi penhorado o direito ao arrendamento e trespasse de um armazém, identificado na sentença, «com todos os utensílios e demais elementos que o integram»; b) Foi reclamado um crédito de 5.637,77 euros pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social relativo a contribuições referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1998, Janeiro a Dezembro de 1999 e Janeiro de 2000 e respectivos juros de mora invocando privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral; c) Foram reclamados créditos de pela Fazenda Pública relativos a I.V.A. de Março de 1995 no valor total de 809,68 euros, inscrito para cobrança em 1999; de I.V.A. de Junho de 1996 no valor de 536,15 euros, inscrito para cobrança em 1999; de I.V.A. de Setembro de 1999 no valor de 583,96 euros, inscrito para cobrança em 1999; de I.V.A. de Dezembro de 1999 no valor de 1905,05 no valor de 77,53 euros, inscrito para cobrança em 2000; de I.R.C. de 1995 no valor de 10.300,87 euros, inscrito para cobrança em 2000; de I.V.A. de 1995 no valor total de 5.556,79; de I.V.A. de Março de 2000 no valor de 591,45 euros inscrito para cobrança em 2000, todos com juros legais Não foram apresentadas contra-alegações.

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

3 - A questão a apreciar em todos os recursos jurisdicionais é a de saber se os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais podem ser reclamados em execução fiscal, ao abrigo da norma do art. 240.º, n.º 1, do C.P.P.T., que estabelece que «podem reclamar os seus créditos no prazo de 15 dias após a citação nos termos do artigo anterior os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados».

Antes de mais, convém precisar que apenas está em causa nos presentes autos a questão atinente aos privilégios mobiliários gerais, e não também aos privilégios imobiliários gerais, pois o objecto da penhora é o direito ao arrendamento e trespasse de um estabelecimento comercial (armazém) «com todos os utensílios e demais elementos» que o integram.

Na verdade, há privilégios creditórios mobiliários e imobiliários e só os primeiros abrangem o valor de bens móveis (art. 735.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

A classificação de coisas como móveis ou imóveis faz-se por exclusão, nos termos dos arts 204.º e 205.º, n.º 1, do Código Civil, sendo consideradas coisas móveis todas as que não são imóveis.

A penhora do direito ao arrendamento e trespasse de um estabelecimento comercial e respectivo conteúdo, quer se entenda que constitui penhora do estabelecimento como universalidade de direito constituída pelo conjunto de valores afectada à exploração de um actividade comercial (Acórdãos do S.T.J. de 17-1-89 proferido no recurso n.º 76611.

), quer se entenda que se trata de penhora de um direito de crédito(Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:- do S.T.A. de 17-1-2001, proferido no recurso n.º 25390, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-6-2003, página 81; - de 30-5-2001, proferido no recurso n.º 22690, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-7-2003, página 1461; - do S.T.J. de 13-10-93, proferido no recurso n.º 83616.

) não pode considerar-se como penhora de coisa imóvel, pois não se enquadra em qualquer das situações indicadas no referido art. 204.º.

Por isso, no caso em apreço, apenas é de equacionar a questão da possibilidade de reclamação de créditos que gozem de privilégio mobiliário geral, ao abrigo do referido art...

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