Acórdão nº 046991 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SAMAGAIO
Data da Resolução02 de Junho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO (STA): 1 - A..., B..., C..., ... E ..., HERDEIROS HABILITADOS DE ..., ..., ..., e ... e mulher ... inconformados com o acórdão da secção que lhes negou provimento ao recurso contencioso de anulação do Despacho n.º 1463-A/2000 SETF, proferido pelo Senhor Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças em 4 de Outubro de 2000, dele interpuseram recurso para este Pleno. Alegaram tendo formulado as seguintes conclusões: A ) A invocada caducidade do direito, por os recorrentes não terem requerido a reversão do prédio expropriado, não procede por os recorrentes, por quatro vezes, terem pedido a reversão do prédio expropriado. Na verdade, os recorrentes já o haviam feito em 1992, por requerimento entrado em 24 de Julho de 1992, o qual mereceu um despacho de indeferimento do pedido de reversão do prédio expropriado pela Direcção Geral do Património que o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, sufragou por ter entendido que o acto era irrecorrível por falta de definitividade vertical, e rejeitado o recurso.

  1. O exercício do direito e o conhecimento da pretensão dos recorrentes pela autoridade administrativa, tornou-se causa impeditiva de caducidade (artº 331º do Código Civil).

  2. Assim, dizendo-se como se diz no douto acórdão, que a reversão podia ter sido pedida até 7 de Fevereiro de 1996, dá razão aos recorrentes, já que estes até esta data exerceram o direito.

  3. E mesmo que assim se não entenda, o que só por mera hipótese se admite, teremos de nos sufragar da brilhante explanação da declaração de voto do Senhor Conselheiro Lopes de Sousa, quando diz: "A possibilidade de o direito de reversão ter caducado neste momento depende de ele poder ser exercido naquela data de 7-2-94, pois o prazo de caducidade, na falta de disposição especial, só começa a correr no momento em que o respectivo direito pode ser exercido (artº 329º do Código Civil) ".

  4. Ora, a adjudicação do bem expropriado tinha ocorrido há mais de 20 anos (ocorreu em 1947) e, por força do disposto na alínea a) do nº4 do transcrito artº 5º do Código das Expropriações de 1991, o direito de reversão cessava quando tivessem decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação, isto é, não chegava mesmo a existir face a este diploma.

  5. Sendo o pedido de reversão apresentado na vigência do Código das Expropriações de 1999,é à face deste diploma que ele deve ser apreciado, como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Administrativo.

    G ) A alínea a) do nº 4 do artigo 5º ao estabelecer a cessação do direito de reversão quando tenham decorrido 20 anos sobre a data em que foi adjudicado o bem expropriado, e no caso em apreço, tendo a adjudicação ocorrido em 1947, tem de concluir-se que este Código de Expropriações não reconhece o direito de reversão aos recorrentes.

  6. As questões levantadas pelos recorrentes no que tange aos institutos do abuso de direito e enriquecimento sem causa, deviam ter sido apreciadas no douto acórdão. Na verdade H) No caso sub judice existe uma clara situação de abuso de poder e de abuso de direito. Na verdade os recorrentes viram-se expropriados de um bem contra a sua vontade e não podem agora ver a entidade expropriante conseguir obter muitas centenas de milhares de contos de mais valias, afectando o imóvel a fins diferentes daqueles para que fora expropriado.

  7. O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal quanto à sua intensidade ou à sua execução de modo a poder comprometer o gozo de direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências que os outros têm de suportar.

  8. Pois existe abuso de direito quando este se exerce em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ou quando, com esse exercício se ofende clamorosamente o sentimento jurídico dominante.

  9. O instituto da reversão tem por fim moralizar a actividade expropriativa da administração, facultando aos particulares expropriados a possibilidade de recuperarem os bens que não foram aplicados ao fim que determinou a expropriação.

  10. Trata-se de um direito que encontra fundamento na garantia constitucional do direito à propriedade privada (Artigo 62º da Constituição da República Portuguesa). Porém 0) Os termos concretos em que são possibilitados os pedidos de reversão são tão limitados que na prática tal instituto quase não existe, traduzindo-se num grave cerceamento das garantias do particular perante a expropriação urbanística e o princípio da igualdade.

  11. Com a entrada em vigor do D.L. 438/91 de 9/11 voltou a ser permitida a reversão e aqui sim, em condições que já permitiriam aos interessados efectivamente formular o pedido de reversão, pois considerava (Artigo 5º ) que existia fundamento quando os bens expropriados não fossem aplicados ao fim que determinou a expropriação, no prazo de dois anos após a data de adjudicação, se sabe que o prédio não vai ser utilizado para o fim que determinou a expropriação. Mas também aqui, aquilo que o legislador deu com uma mão, tirou com a outra pois no nº 4 al. a) do artigo 5º afirmava que o direito de pedir a reversão cessa passados 20 anos sobre a data da expropriação.

    1. O mesmo se passou com a Lei nº168/99 de 18/09, que embora permitindo o direito de reversão, as condicionantes do seu exercício são de tal modo estreitas que o direito não chega a poder ser exercido, o que consubstancia um total desrespeito pelas garantias dos particulares perante a expropriação, uma vez que mesmo vendo desaparecer o escopo da utilidade pública com base na qual foi feita a expropriação, nunca lhes é dada a hipótese de terem de volta o prédio expropriado, devendo tal regime ser considerado inconstitucional face ao disposto no artigo 62º nº 1 e 2 da C.R.P.

    2. Na verdade, esta disposição ao referir que a expropriação tem como fim a realização do interesse público, o sentido que se infere da própria fórmula "expropriação por utilidade pública", quer significar que os bens objecto da expropriação apenas podem ser aplicados ao fim público específico que determinou o acto ablatório e não a qualquer outro, sob pena deste perder todo o seu sentido. O mesmo entendimento foi perfilhado pelo S.T.A. no seu acórdão de 2/2/95, publicado no B.M J. 444, pg. 678, onde se afirma que « Na expropriação por utilidade pública, a caducidade da declaração por utilidade pública faz extinguir prematuramente a eficácia do acto essencial do processo de expropriação, que morre e deixa de produzir efeitos antes do exercício do direito de expropriação, libertando assim definitivamente o expropriado daquela declaração, sem prejuízo do reinicio de novo processo expropriativo, mediante nova declaração de utilidade pública ».

  12. Sendo unanimemente defendido que sem utilidade pública não há expropriação, que sentido faria nos casos em que, uma vez efectuada a expropriação, se chega depois à conclusão que o prédio expropriado não vai ser utilizado para o fim de utilidade pública que a originou, não pode a lei ordinária, em contradição consigo mesma e com a própria CRP, negar o exercício de um direito de reversão que desta forma em momento algum pôde ser exercido.

  13. O fim justificativo da expropriação por utilidade pública tem que ser respeitado na utilização dos bens expropriados que não podem ser afectados . A utilização de ónus para fins diversos dos que justificaram a sua expropriação representa uma forma de violação do artigo 62º nº 2 do da Constituição (..)»...

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