Acórdão nº 026384 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIMPÃO
Data da Resolução19 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.1. O ERFP recorre da sentença que, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, 3º Juízo, 2ª Secção, julgou procedente a impugnação do acto tributário da liquidação da taxa de operações fora de bolsa, anulou o referido acto e reconheceu o direito da impugnante a haver juros indemnizatórios.

A sentença recorrida depois de estabelecer que são requisitos, dos quais depende a sujeição objectiva à taxa das operações fora de bolsa, que ocorra uma transmissão fora de bolsa de quaisquer valores mobiliários, que nela haja intervenção de intermediário financeiro ou notário e que essa intervenção se verifique "seja para que efeito for" concluiu que, na situação concreta dos presentes autos se verificavam todos estes requisitos.

Apreciou, depois, a imposição do artº 408º do Código do Mercado de Valores Mobiliários e das disposições da Portaria nº 904/95, de 18-7, tendo concluído que estamos perante uma taxa.

Acrescentou que terão de se excluir do conceito de taxa, por ofensa do princípio da equivalência, as receitas em que o critério de determinação do montante a pagar se afasta de qualquer referência ao custo ou ao valor da prestação recebida não respeitando a taxa a que se referem os presentes autos este princípio pois que da fórmula de cálculo do montante da taxa resulta que ela assenta exclusivamente na capacidade contributiva evidenciada na operação que subjaz ao facto tributário.

Ainda segundo a sentença recorrida dos nºs 1 e 2 da Portaria 904/95 que fixam os montantes dessa taxa de forma que extravasa a sua caracterização decorre a transmutação daquilo que está legalmente previsto como taxa em imposto. Nessa perspectiva não haveria lugar a um juízo de inconstitucionalidade mas de ilegalidade, pois não ocorre uma violação directa da Constituição, mas antes uma violação de uma norma infra-constitucional. É que a referida Portaria ao estabelecer o montante da taxa de forma a descaracterizar a mesma está, em primeira mão, a desrespeitar a lei habilitante, que apenas permite que se fixe o montante de uma taxa e já não que se transmute a mesma em imposto.

1.2. Alegou a recorrente FP formulando as seguintes conclusões: 1. As questões suscitadas constituem matéria exclusivamente de direito, pelo que é competente o douto STA.

  1. A sentença recorrida declarou a ilegalidade do n.º 1 al. a) da Portaria n.º 904/95, de 18 de Julho, por violação do art.º 408º do Cód. MVM, com o argumento de que «a citada Portaria, ao estabelecer o montante da taxa de forma a descaracterizar a mesma está, em primeira mão, a desrespeitar a lei habilitante [o artigo 408º], que apenas permite se fixe o montante de uma taxa (e não já que se transmute a mesma em imposto)».

  2. A declaração de ilegalidade da Portaria 904/95, de 18 de Julho, fundamentou-se no facto, no entendimento do tribunal, a fórmula de cálculo do montante da taxa, ao basear-se no valor da operação, fazia com que a mesma assentasse exclusivamente na capacidade contributiva evidenciada na operação subjacente ao facto tributário, assumindo, assim, "a natureza de imposto, ou de realidade que deve ser tratada como tal".

  3. É o facto de existir uma contraprestação específica que distingue a taxa do imposto, ou seja, o seu carácter bilateral. A própria sentença recorrida reconhece a existência de um sinalagma na taxa de supervisão de que se ocupa o presente processo.

  4. Não obstante, a sentença recorrida considera que lhe falta o "elo de ligação entre o montante exigido e o custo ou valor da contraprestação" que corresponderia à "medida da equivalência económica que é da natureza das taxas." 6. Ao decidir que o nº 1, alínea a) da Portaria nº 904/95 enferma de ilegalidade pelos motivos expostos, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação aquela norma.

  5. Na verdade, a equivalência económica não é da natureza das taxas. Ao conceito de sinalagma não importa a equivalência económica, mas a equivalência jurídica.

  6. A equivalência jurídica diz respeito à existência, como contrapartida da taxa, de um serviço prestado pela administração.

  7. Ao referir-se à equivalência económica, a sentença considera a necessidade de se respeitar, nas taxas, o princípio da proporcionalidade entre o montante da taxa e o custo do serviço ou o beneficio que dele decorre 10. No cálculo do montante da taxa de supervisão, tal como é levado a efeito pela Portaria nº 904/95 existe proporcionalidade entre o montante da taxa e os custos e benefícios decorrentes do serviço prestado pela CMVM, na medida em que, quer uns, quer outros, são proporcionais ao montante da transacção.

  8. Por um lado, quanto aos custos, verifica-se que quanto mais elevado o montante da transacção, mais complexa é a actividade de supervisão da CMVM.

  9. Na verdade, estarão envolvidos procedimentos de supervisão acrescidos em proporção ao valor da operação, tendo em consideração que o relevo para o mercado de uma transacção é tanto maior quanto maior o montante transaccionado, nomeadamente no que diz respeito aos seguintes aspectos: utilização abusiva de informação privilegiada (art.º 666º do Cód. MVM); actuações ilícitas ou fraudulentas destinadas a alterar artificialmente as condições da oferta ou da procura de valores mobiliários no mercado; obrigatoriedade de lançamento de oferta pública de aquisição (artigos 523º e seguintes do Cód. MVM);dever de comunicação de participações importantes, resultantes da detenção, aquisição ou alienação, em mercado ou fora dele, de participações em sociedade com acções cotadas (art.º 345º do Cód. MVM).

  10. Por outro lado, o maior impacto no mercado decorrente das grandes operações traduz-se num acréscimo de risco sistémico que implica procedimentos mais acentuados de supervisão, por forma a evitar irregularidades que possam traduzir-se na falência do sistema.

  11. A tarefa de supervisão em relação às operações fora de bolsa não é comparável a um registo de aquisição de uma fracção autónoma, ou à utilização de uma ponte, ou a qualquer outro acto que se esgota na sua realização, antes envolvendo tarefas de grande complexidade que se podem prolongar no tempo.

  12. A maior complexidade e responsabilidade, o número de documentos a analisar e os procedimentos de confirmação a efectuar, resultam, indubitavelmente, num acréscimo de trabalho para a CMVM. Justifica-se, desta forma, a indexação da taxa ao montante transaccionado.

  13. Assim, não há qualquer violação do princípio da proporcionalidade no que aos custos respeita, uma vez que estes crescem à medida que aumenta o valor da transacção e, mesmo nos casos em que o valor da taxa possa exceder o valor dos custos desencadeados pela operação, não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que o que este princípio impõe é a proibição de um excesso manifesto entre o montante da taxa e o valor dos custos do serviço, circunstância que, no caso, nunca poderá verificar-se, atento o valor diminuto da taxa que era, à data, de 4 por mil.

  14. Também no que respeita aos benefícios, está verificado o respeito pelo princípio da proporcionalidade.

  15. Existem desde logo os benefícios decorrentes para o mercado em geral, da supervisão da CMVM direccionada para a garantia da transparência e eficiência do mercado.

  16. Estes objectivos de transparência e eficiência dos mercados, bem como a protecção dos investidores não colidem com o conceito de taxa. Na verdade, as taxas podem ter como função a criação de utilidades de que não são titulares exclusivos os sujeitos passivos das mesmas.

  17. Assim, é relevante para a determinação dos sujeitos passivos da taxa e para a concretização do seu montante o facto de os custos de supervisão serem despoletados pelas transacções e serem tanto maiores quanto maior o valor da operação.

  18. Acresce ainda que os próprios sujeitos passivos da taxa são também beneficiários directos do serviço que conforma a sua contraprestação específica, na medida em que, sendo a qualidade e veracidade do preço formado em mercado um beneficio para os negociadores fora de mercado, também estes, e não só os demais investidores, são interessados na supervisão.

  19. A falta de supervisão da CMVM pode levar a distorções na formação dos preços, que se reflectiriam num prejuízo proporcional às quantidades transaccionadas, quer dentro, quer fora do mercado.

  20. Este beneficio transparece ainda no facto de, havendo um preço em mercado em relação ao qual existe uma garantia de veracidade, em virtude da actividade de supervisão da CMVM, os investidores fora de mercado não têm de recorrer a quaisquer outros métodos de avaliação para obterem um valor adequado dos valores mobiliários a transaccionar que possa constituir uma referência segura para o negócio a realizar.

  21. De todo o exposto se conclui que o modo de cálculo da taxa previsto na Portaria no 904/95, de 18 de Julho não transmuta a taxa em imposto, uma vez que respeita plenamente o princípio da proporcionalidade, assim se enquadrando, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, na norma habilitante ínsita no artigo 408º, nº 1 do Código do Mercado de Valores Mobiliários.

  22. Assim, a sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 1º e 2º da Portaria 904/95, de 18 de Julho, conjugados com o disposto no artigo 408º do Código do Mercado dos Valores Mobiliários.

  23. A sentença recorrida reconheceu, ainda, à impugnante o direito a haver juros indemnizatórios, por aplicação do artigo 43º do DL nº 398/98, de 17 de Dezembro (LGT) 27. Sucede que a liquidação da taxa de supervisão, nos termos da Portaria nº 904/95, de 18 de Julho, foi efectuada em conformidade com a legislação em vigor na altura, e com base nos elementos apresentados e declarados pelas entidades constantes do art.º 408º n.º 2 do Cód. MVM, pelo que não pode considerar-se que existiu erro dos serviços, nem de facto, nem de direito.

  24. Isto porque, mesmo que se considerasse que a Portaria 904/95, de 18 de Julho era ilegal, a...

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