Acórdão nº 0186/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelSANTOS BOTELHO
Data da Resolução13 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: l-RELATÓRIO 1.1 A..., casado, empresário, residente na ..., Fajã de Baixo, Ponta Delgada, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada, que, por ilegitimidade passiva, rejeitou o recurso contencioso interposto do despacho que imputou ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), que determinou a reposição da quantia de €116.096,37, considerada como indevidamente recebida, relativamente ao "POSEIDA - Ajudas ao Abastecimento - campanha de comercialização de 1995".

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões: "

  1. Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do direito porquanto deveria ter considerado o erro desculpável e convidado o recorrente a corrigir a sua petição inicial, nos termos do poder-dever consagrado no art. 40°, n° 1, alínea a) da LPTA.

  2. Actualmente constitui jurisprudência firmada o entendimento de que na determinação dos elementos da instância deve privilegiar-se a interpretação mais favorável ao acesso ao Direito e, como tal, à tutela jurisdicional efectiva.

  3. Com a publicação da Lei n° 1/97 (Quarta Revisão Constitucional), inflectiu-se a anterior orientação jurisprudencial nesta matéria, a qual se encontra hoje superada.

  4. Os arts. 268°, n°4 e 205°, n° 2 da Constituição representam uma exigência constitucional elevada a um verdadeiro princípio geral de Direito, com as manifestações em todo o direito processual português, incluindo as normas que o novo CPTA já acolhem (arts. 7° e 88° nºs 1 e 2 do novo CPTA), fruto do labor da jurisprudência e da legislatura, e, sobretudo, do profundo sentimento de justiça dominante em Portugal.

  5. É inconstitucional a interpretação dada pela douta sentença à alínea a) do art. 40°, n° 1 da LPTA ao privilegiar a estabilidade da instância, como um valor absoluto, em detrimento da garantia fundamental do administrado a uma decisão de mérito, do princípio "pro actione" e da defesa legalidade objectiva, em violação dos arts. 18°, n° 1, 268°, n° 4 e 205°, n° 2 da Constituição.

  6. Por outro lado, a douta sentença recorrida está ferida de erro nos pressupostos de direito, porquanto está fundamentada como apoio em jurisprudência sem que se verifique a necessária (i) identidade no tocante ao Direito ao tempo aplicável, uma vez que se baseia exclusivamente em jurisprudência anterior à vigência da Lei n° 1/97 (Quarta Revisão Constitucional), e (ii) identidade de fundamentos acerca dos elementos subjectivos da instância, uma vez que aqui não está em causa um simples erro na identificação da autoridade recorrida, mas a preterição de litisconsórcio no seio de um mesmo órgão colegial da mesma pessoa colectiva pública.

  7. Ainda, a douta sentença recorrida opera uma errada apreciação e avaliação dos concretos circunstancialismos em que o recorrente actuou, na medida em que desconsidera a falta de indicação de elementos essenciais no acto de notificação, conquanto o acto de notificação vem unicamente assinado pelo Presidente do Conselho Directivo do INGA (e não pelo Vogal), não menciona a co-autoria e data do acto notificando, assim como não contém referência ao concreto ponto 2.2 alínea a) parte final do despacho de delegação publicado na II Série do DR, em 12.10.2001, donde decorre o alegado litisconsórcio necessário.

  8. Estes elementos haviam de ser concretizados, no acto de notificação, de forma expressa e clara, em violação dos arts. 68° alínea b) e 38° do CPA e do art. 268°, n° 3 da CRP.

  9. Da conjugação da alínea b) do art. 68° com o art. 38° do CPA e com o art. 268°, n° 3 da CRP resulta que o acto de notificação deve mencionar concretamente a co-autoria necessária quando o delegado intervém ao abrigo de delegação que só pode ser exercida em conjunto com outro órgão. O que não aconteceu.

  10. A simples remissão, sem concretização, para extensas listas de delegação e repartição de competências publicadas na II Série do DR não permite assegurar a função garantística de um direito fundamental consagrado constitucionalmente (art. 268°, n° 3 da CRP).

  11. A douta sentença recorrida está também ferida de erro de julgamento por desconsideração do aspecto funcional do caso e do cariz orgânico por que se afere a legitimidade passiva no contencioso administrativo.

  12. Deve reconhecer-se que a petição de recurso foi interposta contra o órgão máximo subscritor do acto com aparência de "órgão administrativo dotado de posição funcional", o Presidente do Conselho Directivo: enquanto que, por via de regra, "Vogais" são apenas membros de um órgão colegial, destituídos de posição funcional e sem competências próprias, pelo que prima facie não possuem as características de "órgão administrativo", não estando, pois, habilitados, em princípio, a praticar actos administrativos.

  13. Neste contexto - que é a regra no direito português - era também lógico, normal e razoável supor que o Presidente de um órgão colegial como o Conselho Directivo do INGA - enquanto órgão e primeiro autor do acto recorrido - tivesse a necessária legitimidade processual passiva, em especial face ao "cariz acentuadamente orgânico" por que se afere a legitimidade passiva no contencioso administrativo, como resulta das alíneas a), b ), c) e d) do n° 1 do art. 51º do ETAF .

  14. Por fim, e sem conceder, a preterição de litisconsórcio passivo necessário nunca seria oponível ao Recorrente, uma vez que, por imposição da própria lei habilitante (nº 6 do art 13° do Decreto-Lei n° 78/98, de 27 de Março ), o Vogal do Conselho Directivo sempre teria o dever funcional de conhecer e se pronunciar sobre o teor do presente recurso contencioso ou, pelo menos, do destino a dar-lhe.

  15. O dever de pronúncia constante do n° 6 do art. 13° do Decreto-Lei n° 78/98, de 27 de Março é um dever funcional que deve ser interpretado em sentido mais amplo do que o do art. 9° do CPA, mas de harmonia com este, existindo (i) sempre que esteja em discussão matéria de competência delegada que diga directamente respeito ao órgão delegante; (ii) para garantia dos administrados de que a delegação é exercida acertadamente; e (iii) em todas as instâncias, e não só na tramitação do procedimento administrativo.

  16. Destarte, nunca estaria prejudicada a possibilidade de se resolver definitivamente a questão controvertida por culpa do Recorrente, tal só se devendo à conduta da própria Administração que terá preferido abster a intervenção espontânea ou o chamamento do Vogal para se pronunciar, como se lhe impunha, em violação do citado n° 6 do art. 13° do Decreto-Lei n° 78/98, de 27 de Março e dos princípios da justiça material, da legalidade, da boa fé, da razoabilidade, e da proporcionalidade (arts. 3°, 5°, n° 2, 6° e 6° A do CPA).

  17. Na falta de intervenção espontânea ou chamamento do Vogal, o Mmº Juiz "a quo" deveria ter...

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