Acórdão nº 01819/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelJ SIMÕES DE OLIVEIRA
Data da Resolução12 de Maio de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:- I -A..., B..., C e ...., recorrem contenciosamente do despacho de 4.11.02 do MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E HABITAÇÃO, pelo qual foi determinada a anulação do concurso público internacional para a implementação do Sistema Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo (VTS), e bem assim do despacho da mesma entidade, de 5.11.02, publicado no D.R, II série, nº 267, de 19.11.02, que autorizou a abertura de novo concurso com a mesma finalidade.

Alegam as recorrentes serem os membros de um consórcio que concorreu ao "concurso público internacional para a adjudicação do fornecimento e montagem de equipamentos, software, demais serviços e assistência à implementação do Sistema Internacional de Controlo de Tráfego Marítimo (VTS) no Continente e da empreitada de concepção / projecto / construção / remodelação das infra-estruturas de apoio", concurso esse que teve por entidade contratante o Instituto Marítimo Portuário (IPM), também demandado como contra-interessado.

Nesse concurso, a adjudicação foi feita ao consórcio recorrente, que era designado como concorrente nº 3, pelo despacho de 11.3.02 do Secretário de Estado da Administração Marítima e Portuária.

A adjudicação foi notificada ao líder do consórcio e foi-lhe simultaneamente remetida minuta de contrato pedido que comprovasse a prestação de caução, no montante de €4.714.231,17, tendo a 1ª recorrente respondido, em nome do consórcio, que aceitava integralmente os termos da minuta do contrato. E juntava garantia bancária daquela importância.

Todavia, o contrato não veio a ser celebrado nos prazos previstos, o que obrigou o Consórcio a enviar três cartas ao IPM insistindo pela respectiva efectivação - até que lhe veio a ser comunicado de que, por despacho da entidade requerida, de 4.11.02, fora decidida a anulação do concurso e a abertura de um novo concurso com o mesmo objecto do anterior.

Os despachos recorridos, no entender das recorrentes, enfermam de diversas ilegalidades.

Ordenada a citação dos recorridos, respondeu o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, sustentando a legalidade dos despachos e levantando as excepções de ilegal cumulação de impugnações, de irrecorribilidade do despacho de 5.11.02, da ilegitimidade passiva do IPM e da falta de citação de contra-interessados.

Pelo despacho de fls. 172, ordenou-se a notificação das recorrentes para requerem a citação como contra-interessados dos outros dois concorrentes ao concurso anulado.

Esse despacho foi alvo de reclamação para a conferência, que o confirmou. Do respectivo acórdão (fls. 219) as recorrentes interpuseram recurso jurisdicional para o Pleno da Secção, que lhe negou provimento (fls. 254). Tendo os autos baixado à Subsecção, foi promovida a citação das contra-interessadas.

Contestaram as empresas ..., ..., S.A., ..., ..., S.A. e ..., S.A.

A ...

, a ...

e a ... excepcionaram a irrecorribilidade do despacho de autorização de abertura de novo concurso Seguidamente, convidaram-se as recorrentes a pronunciar-se sobre as questões prévias levantadas pelos recorridos.

Na resposta, as recorrentes suscitaram, por sua vez, a excepção de ilegitimidade da recorrida, o que motivou a audição desta.

As partes foram depois notificadas para alegações simultâneas, nos termos do preceituado no art. 4º do D-L nº 134/98.

Nas suas alegações, as recorrentes enunciaram as seguintes conclusões: "

  1. O presente recurso contencioso de anulação, interposto ao abrigo do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, vem interposto de dois actos da autoria do Exmº Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação, um datado de 04.11.2002 e outro datado de 05.11.2002, em que se determinou - no primeiro destes - a "anulação do concurso público internacional para a implementação do Sistema Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo (VTS), nos termos do disposto na alínea b) do artigo 26º do Programa de Concurso e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho" e no segundo a autorização para abertura de um novo concurso público, com o mesmo objecto do que aquele que se anulava.

  2. Com estes actos privavam-se as Recorrentes de virem a celebrar o contrato previamente adjudicado às mesmas no âmbito do concurso público internacional anulado e consolidava-se essa impossibilidade pela abertura de novo concurso público com o mesmo objecto.

  3. A título preliminar cumpre referir que estão presentes todos os pressupostos processuais de que depende o conhecimento do recurso contencioso, pois que as partes são legítimas, os actos são recorríveis e definitivos, executórios e lesivos. O tribunal é competente e inexiste qualquer cumulação ilegal de impugnações, pois que é lícito cumular impugnações em razão de dependência ou conexão entre si, sendo esse o caso dos autos.

  4. Palavra ainda seja dada para a possibilidade de impugnação do acto ministerial de 05.11.2002, pois que o Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio, na senda da influência comunitária advinda da correspondente Directiva admite o recurso de actos preparatórios, sempre que lesivos, como acontece. Por outra parte, a autorização de abertura de novo concurso público, com o mesmo objecto que aquele previamente a concurso, consolida o dano na esfera das Recorrentes, já que contribui para a perda do direito a celebrarem o contrato com o Estado. Porque é o acto de autorização que contém a determinação que habilita a abertura, e esse acto de abertura não é questionável quanto à sua impugnabilidade, no caso presente este acto deve ser impugnado pois que é o acto de autorização que corporiza o comando para a abertura, como demonstra a circunstância de o acto de abertura nunca ter chegado a ser formalmente praticado ou dado a conhecer às partes.

  5. Sobre a legitimidade da Contra-Interessada ..., as Recorrentes arguiram a sua ilegitimidade em tempo, por esta não ter assinado o aviso de citação. Posteriormente a mesma surgiu a responder e na mesma data que as demais Contra-Interessadas. Porque esta não arguiu em tempo que se encontrava a promover a intervenção espontânea - o que só arguiu mais tarde - requer-se a V. Exas. que tramitem a sua intervenção como intervenção espontânea, decidindo a, final, do incidente, como é de direito.

  6. Ao nível dos vícios de que padecem o actos impugnados, são vários os mesmos e todos conducentes à sua anulação, segundo uma ordem de conhecimento que se requer seja de acordo com a parte final do n.º 1 do art. 57.º LPTA, aplicado ao art. 4º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 134/98, de 15 de Maio.

  7. O primeiro vício invocado é o vício de violação de lei por erro manifesto, pois que a Autoridade Recorrida fundou a anulação do procedimento em "razões supervenientes e de manifesto interesse público", sendo que compulsados os termos do Despacho de anulação de procedimento se verifica que não existem quaisquer "razões supervenientes e de manifesto interesse público", já que nem sequer há a referência a quaisquer razões de interesse público, muito menos supervenientes e manifestas. O acto impugnado apenas se baseia e motiva na existência de um "quadro de (...) conflitualidade e de incerteza sobre o rigoroso cumprimento dos princípios gerais norteadores dos procedimentos concursais", situação que se ligava à existência de processos judiciais entretanto findos, onde as ora Recorridas Particulares levantavam as referidas dúvidas de legalidade.

  8. Existe erro manifesto na decisão, pois que a existência de dúvidas sobre matéria legal não constituem razões supervenientes e de manifesto interesse público que justifiquem a anulação de um procedimento concursal, pois que é qualquer pessoa percebe que razões supervenientes e de manifesto interesse público são razões atinentes a um conjunto de necessidades ditadas pelo interesse público que surgem inesperadamente, a meio de um procedimento concursal, e que obrigam a alterar os termos do contrato público em causa, ou mesmo a que o mesmo se tome inútil ou impossível.

  9. A Autoridade Recorrida não invocou, em ponto algum do seu acto, motivos de interesse público, muito invocou ou demonstrou que os mesmos sejam manifestos e de ocorrência superveniente face ao momento de lançamento do concurso. Nota-se que o recurso à alínea b) do n.º 1 do art. 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho como norma de competência para por cobro ao quadro de litigiosidade em que o Estado se vira envolvido e do qual pretendia sair, é uma utilização grosseiramente descabida e forçada, constituindo a decisão em erro manifesto.

  10. Por outro lado, de nada serve arguir - como faz a Autoridade Recorrida e as recorridas particulares, em concertação com essa - que no acto está patenteado o interesse na urgente implementação do sistema VTS e que seria esse o interesse público a tutelar e a mover e justificar a anulação, quando o Estado se viu envolto numa conjunto de processos litigiosos, pois que tal argumentação nada traz para que se possa considerar que é acertada a presença e a invocação de "razões supervenientes e de manifesto interesse público" para se vir anular o procedimento concursal.

  11. Por estas razões, melhor desenvolvidas em sede das alegações que antecedem, deve o acto de anulação de procedimento ser revogado por vício de violação de lei por erro manifesto, nos termos do art. 135.º e 136.º CPA.

  12. O segundo vício invocado a propósito do acto de anulação do procedimento diz respeito ao vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, pois que a Autoridade Recorrida se encontra a fazer uso de uma norma de competência (art. 58.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho) cujos pressupostos de facto não se encontram verificados.

  13. Para que o art. 58, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho possa ser aplicado, terão de estar preenchidos os seus pressupostos de facto, os quais apontam para a necessidade de existirem situações de facto que quadrem razões de interesse...

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