Acórdão nº 0982/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução20 de Abril de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo RELATÓRIO 1.1. A..., identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo do Circulo do Porto, acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a Maternidade Júlio Dinis, com sede no Largo da Maternidade, Porto, pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia global de 3 027 272$00, por danos patrimoniais e não patrimoniais causados por uma intervenção cirúrgica com prática médica incorrecta.

Por sentença de 2002.07.16, o Tribunal Administrativo do Circulo do Porto julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 14830.

1.2 Inconformada, a Ré interpõe recurso dessa decisão para este Supremo Tribunal, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1ª Da matéria provada não é possível retirar com segurança a verificação de alguns dos pressupostos da responsabilidade civil de que dependeria a condenação da ré; 2ª Assim, não estão verificados os factos que consubstanciam a culpa da ré, verificada nas pessoas dos seus colaboradores, quanto à intervenção cirúrgica realizada; 3ª Nem estão verificados os factos que integram a ilicitude de um tal comportamento, sendo que antes está provado o consentimento da autora para a concreta cirurgia a que se submeteu, consentimento que abrange as vicissitudes intercorrentes; 4ª Do mesmo modo não está verificado o nexo de causalidade entre o facto da cirurgia realizado pela ré e o dano sofrido pela autora.

  1. Há, em síntese, uma manifesta insuficiência de matéria factual para a procedência da acção sob recurso.

  2. Finalmente, mesmo a admitir a condenação, sempre o valor a arbitrar para reparação do dano moral nunca deveria ascender a mais do que metade do valor ponderado na douta sentença.

1.3. A autora, ora recorrida, contra-alegou, concluindo: 1 - A matéria de facto provada é mais do que suficiente e até evidente para qualquer mortal não trôpego da cabeça, por visar todas as conclusões positivas para a procedência do pedido.

2 - A matéria de facto demonstra à evidência que a operação a que a autora foi sujeita na ré, não tem risco como próprio, comum e normal a perfuração intestinal e peritonite generalizada.

3 - Só por brincadeira que teríamos de considerar de mau gosto na laqueação de trompas feito com um mínimo de técnica pode haver perfuração intestinal.

4 - Mal fora que o dentista perfurasse o estômago ao tirar ou tratar de um dente ao paciente.

5 - Estão assim perfeitamente confirmados os factos que consubstanciam a culpa da ré verificada na pessoa dos seus colaboradores.

6 - São evidentes e provados os factos que integram a ilicitude.

7- Igualmente está provado existir o nexo da causalidade entre a cirurgia feita pela ré e o dano sofrido finalmente.

8 - A factualidade provada é sobeja para a procedência da acção em recurso que bem andando na decisão proferida. E, 9 - Lamenta-se o afirmado quanto ao cômputo e fixação do dano não patrimonial, já que ainda nos recordamos de o subscritor das alegações, que era também o ilustre causídico do processo, ter afirmado que o mesmo era módico. E até estava muito aquém do normal dos pedidos, sendo certo este não ter sido impugnado.

10 - A sentença recorrida bem fez assim a aplicação do disposto nos artigos 496º e 483º do C. Civil e art. 2º nº 1 do DL 48051 de 21/04/1967.

A Exmª Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer nos seguintes termos: "O presente recurso jurisdicional vem interposto de sentença do TAC do Porto que, dando como verificados todos os pressupostos enunciados no artigo 483º do Código Civil, julgou procedente a acção fundada em responsabilidade civil extracontratual e, consequentemente, condenou o R. a pagar à A. uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

A recorrente vem impugnar a decisão - defendendo a sua revogação e consequente absolvição da R - argumentando, essencialmente, que a factualidade dada como apurada na sentença não comporta alguns dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - a culpa, a ilicitude e o nexo de causalidade entre o acto e o resultado danoso, nem o montante indemnizatório arbitrado.

Pensamos que assiste razão à recorrente, porquanto da matéria de facto fixada não é possível extrair, como conclusão lógica, a verificação dos referidos pressupostos.

Nestes termos, somos de parecer que o recurso merece provimento" 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. OS FACTOS Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: - A autora esteve internada nas instalações da ré, no serviço de Ginecologia, desde o dia 1 até ao dia 3 do mês de Maio de 1997; - Tal internamento deveu-se à realização de uma operação efectuada pela ré; - Essa operação consistiu numa laqueação tubar por laparoscopia ocorrida no dia 2 de Maio de 1997; - A autora deu o seu consentimento à operação que foi levada a efeito na ré; - A intervenção cirúrgica efectuada à autora na Ré causou-lhe perfuração intestinal e peritonite generalizada; - Por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT