Acórdão nº 01690/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução24 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A...

., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente, por não provada, a presente acção declarativa ordinária para efectivação de responsabilidade civil extracontratual e absolveu do pedido o Réu Município de Coimbra.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. A acção interposta pela A visava efectivar a responsabilidade civil extracontratual da Autarquia e tinha duas causas de pedir intimamente associadas entre si: por um lado, a conduta do Vereador da Câmara Municipal de Coimbra que indeferiu ilegalmente, por incompetência, o pedido de licenciamento de obras formulado em 1990; por outro lado, a demora de mais de sete anos na decisão e deferimento de um pedido que, à face da lei, deveria ter sido decidido em cerca de sessenta dias.

2ª. O Tribunal a quo julgou a acção improcedente por entender não estarem preenchidos dois dos pressupostos de que depende a efectivação da responsabilidade civil - a ilicitude e o nexo causal.

3ª. Salvo o devido respeito, ao julgar a acção improcedente com fundamento na não verificação destes dois pressupostos, o aresto em recurso efectuou uma errada interpretação do direito aplicável, violando frontalmente o disposto no artº 22º da Constituição, 2º a 6º do DL 48051 e os artº 563º e segs. do C. Civil.

4ª. A ilicitude tem sido entendida como sinónimo de antijuridicidade, abrangendo os actos que violem normas legais e regulamentares e as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas pela Administração (v. por todos Vieira de Andrade, Panorama Geral de Responsabilidade Civil da Administração em Portugal, in La Responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, Marciall Pons, 1999, pág.49), pelo que seguramente a "faute de service" é motivo gerador de responsabilidade por inactividade (v. neste sentido, JEAN RIVERO, Droit Administratif, pág.261 e segs, MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, in Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública, coordenação de Fausto de Quadros, pág. 111 e RAFAEL ENTRENA CUSESTA, Responsabilidad e Inactividad de la administracion, in La responsabilidad Patrimonial de los Poderes Públicos, Marcial Pons, 1999, pág.330).

Ora, 5ª. Incumbe às Autarquias Locais proceder ao licenciamento das obras de construção (v. artº 3º,1,b) do DL 166/70, aplicável à data da entrada do pedido de licenciamento e ainda o artº2º do DL 445/91, aplicável à data da emissão da licença), devendo-o fazer nos prazos legalmente fixados nos diplomas vigentes à data da apresentação dos respectivos pedidos.

Contudo, 6ª. É inquestionável que a Câmara Municipal desrespeitou claramente os prazos legalmente fixados no DL 166/70, os quais impunham que o projecto apresentado fosse licenciado em sessenta dias (v. artº 12º, 1, b) do DL 166/70, aplicável ao caso sub judice ex vi do artº 72º, 1 do DL 445/91), pelo que, ao demorar mais de sete anos para emitir o alvará, ocorreu um funcionamento anormal do serviço, que a constitui na responsabilidade de indemnizar os prejuízos daí decorrentes para a A.

Consequentemente, 7ª. O aresto em recurso enferma de um claro erro de julgamento ao considerar que a Câmara Municipal de Coimbra não incorreu em qualquer acto ilícito ao demorar mais de sete anos para emitir a licença de construção peticionada pela A, sendo verdadeiramente lamentável que um tribunal afirme que:«…não se poderá considerar tão exagerado o tempo em causa".

Acresce que, 8ª. O aresto em recurso enferma igualmente de erro de julgamento, violando frontalmente o artº 6º do DL 48051 e o direito fundamental assegurado pelo artº 22º da Constituição, quando considera que o despacho proferido em 1991 pelo Vereador de Obras da Câmara Municipal de Coimbra a indeferir o projecto de obras não constituía um acto ilícito.

Com efeito, 9ª. Embora se admita como aceitável que nem toda a ilegalidade corresponde a ilicitude, não se poderá negar que as ditas ilegalidades veniais- como a incompetência- serão ilícitas quando impliquem a violação de uma posição jurídica subjectiva dos particulares (v neste sentido, Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, pág.169).

10ª. Ora, o acto do vereador da Câmara Municipal de Coimbra anulado por incompetência, para além de atrasar em 7 anos a concessão do alvará, lesou o direito de propriedade da A, uma vez que lhe negou um direito- o de construir - que foi posteriormente reconhecido pelo órgão competente, pelo que é inquestionável a sua ilicitude.

Para além disso, 11ª. Mesmo para quem entenda que o vício de incompetência não gera ilicitude (uma vez que a Administração pode posteriormente refazer o acto anulado, sujeitando o administrado às consequências deste), não poderá deixar de considerar o acto anulado com tal fundamento como ilícito quando a Administração não renova o acto mas, pelo contrário, profere um acto de sentido exactamente oposto (como sucedeu no caso sub judice), pelo que sempre seria inquestionável o desacerto do aresto ao considerar que o despacho proferido pelo Vereador da Câmara Municipal não era um acto ilícito.

12ª. O aresto em recurso enferma ainda de erro de julgamento ao julgar a acção improcedente por falta de nexo causal entre a conduta dos órgãos da Autarquia e alguns dos danos sofridos pela A, violando, consequentemente, o disposto nos artº 563º e segs. do C.Civil, 22º da Constituição e 2º a 6 do DL 48051.

Na verdade, 13ª. O nexo de causalidade entre o facto e o dano ser...

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