Acórdão nº 01142/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Março de 2004
Magistrado Responsável | ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 16 de Março de 2004 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em subsecção, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
1.1.
A...
, de nacionalidade jugoslava, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Interna, de 22 de Maio de 2003, que indeferiu o seu pedido de asilo e também não concedeu autorização de residência por razões humanitárias.
1.2.
Na resposta, a autoridade recorrida pronunciou-se pelo não provimento do recurso.
1.3.
Foi cumprido o artigo 67.º do RSTA.
1.4.
Em alegações, e após convite para superar a omissão de especificação, concluiu: "I - O despacho recorrido, ao não apreciar convenientemente a situação de facto e de direito, viola o disposto no art° 8° da Lei n° 15/98, de 26 de Março.
II - O despacho recorrido é, também, ilegal, ao não declarar a nulidade das últimas declarações feitas pela recorrente no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, anulando o processado posterior a tais declarações, por falta de notificação do mandatário, que, por essa omissão, não esteve presente à diligência.
III - O despacho recorrido é, ainda, ilegal ao não declarar a nulidade resultante da falta de notificação, ao mandatário da recorrente, da proposta elaborada pela Senhora Comissária Nacional -Adjunta.
IV - O despacho recorrido enferma, assim, do vício de violação de lei.
V - O despacho recorrido, ao não apreciar convenientemente a situação sócio-política no actual Estado da Sérvia-Montenegro, está a cometer um erro de facto.
VI-O despacho recorrido, ao fazer uma errada qualificação jurídica dos factos, e ao não considerar reunidos os pressupostos contidos no art° 8° da L.A.R., está, também, a cometer um erro de direito.
VII - Deve, assim, ordenar-se a anulação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que conceda asilo à recorrente, ou, pelo menos, que lhe conceda autorização de residência por razões humanitárias, atendendo à situação de instabilidade social e de insegurança generalizada que se vive, presentemente, na República da Sérvia-Montenegro, especialmente em Belgrado, situação essa que desestabiliza a recorrente e a afecta em termos psicológicos, provocando-lhe um justificado receio de regressar ao seu país, por temer pela sua vida".
1.5.
A autoridade recorrida contra-alegou, mantendo integralmente a resposta que produzira, e alinhou, depois, na peça que apresentou nos termos do artigo 690.º, n.º 5, do CPC: "1. A recorrente, convidada a corrigir as deficiências da sua alegação, uma vez que não tinha apresentado conclusões, vem apresentar nova alegação em manifesta violação do n.º 4 do artigo 690º do CPC, nos termos do qual lhe foi dada a possibilidade de suprir a falta, ou seja, de apresentar as conclusões, de forma sintética, com indicação dos fundamentos por que pede a anulação do acto recorrido.
Por conclusões entendem-se "as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação" (Alberto dos Reis, CPC Anotado, 5º, pág. 359).
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Como se verifica da peça apresentada pela recorrente - nova alegação e respectivas conclusões -, não foi respeitada a disposição processual que determinou o convite e, não se verificando a possibilidade de ser mandada desentranhar a nova alegação, a consequência para o incumprimento da norma permissiva do convite é aquela que resulta do n.º 3 do mesmo normativo, ou seja, a de considerar o recurso deserto.
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A não se entender assim, então, a nova alegação não pode ser considerada, uma vez que se apresenta como alegação extemporânea, atendendo-se somente às conclusões (Ac. STJ, de 10.11.1989, BMJ n.º 391, pág. 390 e Trib. Just., 3º, pág.226).
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Dado o que antecede, apenas nos pronunciaremos sobre as conclusões apresentadas.
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Afirma a recorrente, nas suas conclusões I, IV, V e VI, que o despacho recorrido, ao não apreciar convenientemente a situação de facto e de direito, viola o disposto no artigo 8º da Lei n.º 15/98, de 26 de Março, e que comete erro de direito ao fazer uma errada qualificação jurídica dos factos.
Tal conclusão, desacompanhada da indicação do caminho seguido para a ela chegar, não tem qualquer valor, devendo ser, desde logo, rejeitada.
Atente-se que na petição de recurso a recorrente apenas faz referência à sua discordância sobre a apreciação dos factos efectuada pela Senhora Comissária Nacional-Adjunta para os Refugiados, sem explicitar em que consiste essa discordância, pressupondo - erradamente - que deveria ser apresentada proposta diferente, ou seja, que não mantivesse o parecer no sentido do indeferimento da pretensão da requerente.
Sobre estas matérias a autoridade recorrida mantém o que levou às conclusões da sua alegação em que afirma: «c., que a apreciação da situação sócio-política no actual Estado da Sérvia Montenegro foi feita pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras com base em documentos oficiais, cuja credibilidade não pode ser posta em causa; d. não terem sido violados os artigos 1º e 8º, da Lei n.º 15/98, de 26 de Março; f. que considera os factos correctamente qualificados.» 6. Relativamente às conclusões II e III, nas quais considera estar o acto recorrido afectado de nulidades, limitamo-nos a dar por reproduzido o que se disse nos nºs 12º a 16º da resposta oportunamente apresentada, repudiando a existência das referidas nulidades, como se levou à conclusão b., da alegação atempadamente apresentada.
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A recorrente deixou cair - e muito bem - as alegadas violações dos artigos 1º e 13º da Lei n.º 15/98, de 26 de Março.
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Não se verifica a necessidade de a autoridade recorrida ampliar, como vimos, as conclusões da sua alegação, atempadamente apresentada.
Mantém-se, assim, o entendimento de que, por não se verificar qualquer dos vícios assinalados, deve o presente recurso de anulação ser julgado improcedente".
1.6.
O EMMP emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, referindo, nomeadamente: "Notificada nos termos e com a cominação previstos no artigo 690, n.º 4, do CPC, a recorrente veio, nas conclusões que apresentou, indicar como norma jurídica violada o artigo 8.º da Lei 15/98 de 26.03.
Em nosso entender, mostra-se assim satisfeito o ónus de alegar que lhe cumpria.
Já quanto ao mérito do recurso se nos afigura, todavia, que este não pode proceder, seja no que respeita à invocada irregularidade de natureza processual - que não ocorre porquanto ao advogado constituído apenas assistia o direito de representação da interessada nos termos gerais, seja no que respeita ao vício de violação de lei - na medida em que, pelas razões expostas pela entidade recorrida, que subscrevemos, o mesmo não pode ter-se por verificado".
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2.1.
Considera-se toda a matéria documentada no processo instrutor (P.I.). Destaca-se, para melhor compreensão da decisão, o seguinte: 1 - Em 14 de Janeiro de 2002, foi registado no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um pedido de concessão de asilo e, subsidiariamente, um pedido de autorização de residência por razões humanitárias apresentado pela ora recorrente (fls. 1, P.I.); 2 - Em 23.01.2002, a requerente prestou declarações, no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em que, no essencial, disse, quanto aos motivos que a levaram a abandonar a Jugoslávia e a pedir o asilo (fls. 29-35, PI): a) Abandonou a Jugoslávia, em 01/01/02, devido ao crime, ao desemprego e à corrupção policial; b) O ex presidente ... continua a manipular os criminosos e os polícias e o novo presidente ... ainda não conseguiu resolver os problemas; c) Passou quase 3 anos fechada em casa com medo de ser apanhada na rua. Como a situação se mantinha o pai, que era comissário de bordo, lembrou-se de pedir ajuda a um casal português com o objectivo de a recolher; c) Os marginais obrigavam as pessoas mais novas a prostituírem-se e a venderem droga. Caso recusassem eram levadas para os cemitérios a fim de serem agredidas, violadas e mortas; d) O grupo de marginais, do qual fazia parte a própria polícia, foi constituído pelo ex Presidente ...; e) O namorado foi várias vezes abordado na rua para ingressar nesse grupo e perante a sua recusa tentaram agredi-lo física e psicologicamente; f) Por diversas vezes viu os seus amigos de infância serem maltratados, tendo alguns deles queimaduras nos braços e na barriga; h) Foi várias vezes ameaçada pelos criminosos que faziam parte do grupo de marginais, tendo inclusivamente presenciado o assassinato do seu namorado por um elemento do grupo, que era amigo de ambos, mas que havia...
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