Acórdão nº 01240/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução03 de Março de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., deduziu neste Supremo Tribunal o presente recurso contencioso de anulação do acto praticado pelos Srs. Ministros da Presidência e da Economia em que deliberaram não se opor, com condições, à operação realizada entre as sociedades "...", "..., e ..., alegando que o mesmo era nulo - por as Autoridades Recorridas carecerem de atribuições para a sua prática - ou, pelo menos, anulável - (1) por erro quanto aos pressupostos de direito, (2) por falta de fundamentação, (3) por violação do direito de audiência e (4) por ter sido proferido sem ser precedido de parecer, prévio, obrigatório e vinculativo da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

As Autoridades Recorridas, na sua resposta conjunta, suscitaram a questão da ilegitimidade da Recorrente - por falta de interesse em agir já que, não sendo distribuidora, não via os seus direitos ou interesses legítimos afectados pelo acto recorrido - e impugnaram que este sofresse dos vícios que lhe eram imputados.

As Recorridas Particulares contestaram, também, que o acto em causa estivesse ferido dos invocados vícios.

Tendo o conhecimento da identificada questão prévia sido relegado para final foram as partes convidadas a alegar, direito que todas exerceram para formularem as conclusões que de seguida se transcrevem.

A Recorrente concluiu assim : 1. A transacção objecto do despacho aqui impugnado foi notificada às autoridades administrativas pelas três Contra-Interessadas, foram estas que se propuseram aceitar certas condições, foram ainda estas a serem visadas no acto recorrido e foram ainda que declararam vincular-se e respeitar os aludidos compromissos - e não a empresa comum das mesmas, a ... (que passaria também a incluir a ...).

  1. As Notificantes ou são empresas titulares de publicações periódicas (caso da Presselivre) ou são meras holdings de empresas jornalísticas ou de grupos editoriais que controlam empresas jornalísticas - os grupos ..., ... /... e ...

    .

  2. A transacção que as Notificantes comunicaram e que foi objecto de decisão de não oposição condicionada foi a criação entre elas de uma empresa comum (a ...) sujeita a controlo conjunto daqueles três grupos editoriais através de cada uma das Notificantes.

  3. A arguida ilegitimidade da Recorrente para estar neste processo não pode proceder (i) porque ela, assim como as Notificantes, é uma empresa proprietária de uma publicação periódica, isto é, é concorrente directa das três Contra-Interessadas e dos três aludidos Grupos editoriais, (ii) porque enquanto editora é cliente das distribuidoras (como a ... e a ...), (iii) porque se reconheceu que a operação realizada pelas Contra-Interessadas produzia efeitos restritivos no mercado editorial e (iv) porque sempre as autoridades administrativas a reconheceram como interessada, ao ponto de a haverem convidado a participar do respectivo procedimento.

  4. Segundo a lei portuguesa aplicável (art. 9.º, n.º 1, al. c), do Dec-Lei n.º 371/93), a criação de uma empresa comum entre entidades concorrentes entre si ou se configura como uma "operação de concentração" ou como uma "entente ou prática proibida", dependendo essa qualificação jurídica da verificação simultânea de dois pressupostos, respeitantes, respectivamente, ao carácter da empresa comum e ao tipo de relações existentes entre as sociedades fundadoras e entre estas e a empresa comum.

  5. Assim, se a empresa comum (i) corresponder a uma entidade económica autónoma de carácter duradouro e (ii) não tiver por objecto ou efeito a coordenação do comportamento concorrencial entre as empresas fundadoras ou entre estas e aquela, então, mas somente nesse caso, a transacção é uma "operação de concentração"; no caso de um ou os dois pressupostos não estarem presentes, a operação será tratada como uma acordo ou prática restritiva imputável a empresas independentes.

  6. O quadro legal aplicável nas duas hipóteses é distinto: o procedimento a seguir para a sua apreciação prévia não é o mesmo, as entidades com competência para a respectiva decisão não são idênticas, os critérios materiais de valoração não se confundem.

  7. Por todos esses motivos, o primeiro passo para a análise da operação notificada consiste em apurar se a empresa criada cumpre aquelas duas qualidades - avaliação que só pode ser feita pelas autoridades a quem corresponde zelar pelo cumprimento das regras da concorrência (e que têm, por isso mesmo, poderes e competências inquisitórias e investigatórias) - podendo essa análise ser, depois, sindicada pelos Tribunais, a quem cabe avaliar da legalidade do juízo efectuado por aquelas.

  8. Em nenhum momento, as autoridades administrativas puseram em 'causa a qualificação que as notificantes deram a esta operação, tendo procedido à sua análise como se de uma verdadeira e efectiva operação de concentração se tratasse - o que em nenhum momento curaram de demonstrar (ou sequer, de analisar).

  9. A verificação dos pressupostos de facto e de direito que permitem explicitar a qualificação jurídica da operação notificada tem de ser demonstrada no acto recorrendo, pois ela é imprescindível para que o mesmo seja objecto de apreciação judicial. O dever de fundamentação só se encontra preenchido quando os motivos que levam à adopção de determinado acto nele se encontram expressamente referidos (ainda que por remissão para pareceres anteriores), pois só assim é possível compreender qual o percurso lógico que determinou a produção de determinado acto administrativo - confrontar o artigo 125.º, n.º 1, do CPA e o Acórdão do STA de 7/3/02, Proc. n.º 48369, onde se determina: «...impõe-se que na fundamentação se contenham todas as razões de facto e de direito actuantes na génese da decisão, isto é, concorrentes para a sua formação e que, por isso, constituem a sua total motivação e justificação».

  10. Porque nunca se abordou e demonstrou o preenchimento dos dois aludidos pressupostos, imprescindíveis para a prática do acto recorrendo, o acto é inválido por falta, ou insuficiência, de fundamentação (cfr. arts. 125.º e 135.º do CPA).

  11. A tentativa de invocação pelas Notificantes, apenas agora e perante este Supremo Tribunal, dos factos pretensamente constitutivos do preenchimento de ambos aqueles pressupostos e a consequente reivindicação da respectiva subsunção às categorias legais demonstra, com toda a evidência, o relevo da omissão aqui recriminada e não pode, de forma alguma, suprir as deficiências do acto recorrendo.

  12. Sem prescindir, a operação, mesmo apesar deste derradeiro esforço das Contra-Interessadas (e não das Autoridades Recorridas), não poderá nunca ser considerada como uma operação de concentração, designadamente, porque é evidente, pelos documentos constantes no processo, que a mesma tinha por objecto ou efeito a coordenação do comportamento concorrencial entre as Contra-interessadas e entre estas e a empresa-comum.

  13. A posição das Autoridades Recorridas baseia-se apenas em sustentar que a transacção é uma operação de concentração porque o Conselho da Concorrência assim o disse.

  14. Ao contrário do que pretendem as Contra-Interessadas, é inequívoco e pacífico que quando as empresas-mãe (os grupos editoriais, neste caso) se encontram activas no mercado a montante daquele em que desenvolve as suas actividades a empresa-comum (respectivamente, os mercados de edição e de distribuição de publicações periódicas) existe a possibilidade de coordenação do comportamento concorrencial entre aquelas, conforme o declarou a Comissão Europeia, designadamente, se a empresa comum for um cliente importante das sociedades-mãe - ora, no caso, as sociedades-mãe vincularam-se a só distribuir as suas publicações através da empresa-comum.

  15. Embora as Contra-Interessadas pretendam agora demonstrar que a empresa comum nunca poderia ser um instrumento para a coordenação dos comportamentos concorrenciais das empresas-mãe, porque esta é, alegadamente, uma entidade económica autónoma e duradoura, e como tal, autodetermina a sua política comercial, o certo é que, da análise do processo, resulta o oposto.

  16. Com efeito, as Contra-Interessadas estipularam, no Acordo Parassocial, que os principais aspectos da política empresarial da ...

    (entre eles, a da política comercial) teriam que ser aprovados, por unanimidade, pelos administradores designados por cada uma das sociedades-mãe, assegurando, assim, a prevalência da consideração dos interesses destas em desfavor dos interesses próprios da empresa-comum.

  17. Resulta igualmente de vários documentos no processo que quer as Autoridades Recorridas quer as próprias Contra-Interessadas sempre reconheceram a exclusiva responsabilidade destas últimas (e não da ...) nos mais variados aspectos da condução dos negócios da empresa-comum, designadamente, nas obrigações de transmitir à DGCC as propostas recebidas de concorrentes, de fornecer informação sobre andamento das negociações com os mesmos, de garantir que aqueles não seriam discriminados, entre outras.

  18. Consta, aliás, de uma das condições impostas às notificantes a obrigação de não revogar uma cláusula do Acordo Parassocial cujo teor demonstra que (i) os grupos editoriais combinam entre si o preço uniforme a pagar pela distribuição dos seus produtos, (ii) impõem à ... esses preços e condições e (iii) obrigam a ... a não aceitar distribuir produtos de terceiros em melhores condições (para esses terceiros) sem o acordo das três notificantes, por via da exigência de unanimidade no Conselho de Administração.

  19. Para além do mais, a aludida estipulação contratual revela ainda que as Sociedades-mãe conhecerão as propostas comerciais dos seus concorrentes, por forma a poderem aferir da compatibilidade das mesmas com os termos da aludida cláusula do supradito Acordo; está assim demonstrada a certeza de a empresa comum servir manifestamente para coordenar uma parte do comportamento concorrencial das notificantes e dos grupos empresariais em que aquelas se integram.

  20. De tudo isto se liquida que, ao considerarem, erradamente e por manifesta omissão negligente na...

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