Acórdão nº 045430 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A...

, pessoa colectiva nº502.760.630, com sede na Rua ..., nº...-..., em Lisboa, interpõe recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que lhe negou provimento ao recurso contencioso da decisão do Presidente do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), datada de 24 de Abril de 1996, no Proc. Nº 48/DAT-DJ/96 RV, que lhe indeferiu o pedido de ajuda relativo a culturas arvenses de regadio, campanha de 1993/94 e, consequentemente determinou a reposição da ajuda paga aquela entidade, no valor de Esc. 4.718.990$00, acrescido de juros de mora, no valor de Esc. 1.423.805$00.

A recorrente apresentou as suas alegações de recurso, tendo sido convidada, para reformular as respectivas conclusões, por não indicarem os fundamentos com base nos quais se pedia a alteração da sentença recorrida, o que a recorrente cumpriu, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. A douta sentença recorrida sustentou que, em sede de audiência prévia dos interessados, a Entidade Recorrida tinha o poder discricionário de optar pela não realização da vistoria requerida à parcela 63 dada como pousio obrigatório e que, portanto, a não realização da mesma não importava a anulabilidade do acto praticado a final com fundamento na preterição de formalidades essenciais.

  1. Todavia, a ora Recorrente não pode concordar com essa conclusão, pois: a) A Recorrente não concorda com a qualificação do Mmo. Juiz a quo de que o poder da Administração, em sede de audiência prévia dos interessados, constitui um poder discricionário.

    De facto, se assim fosse, estar-se-ia a considerar que o exercício do contraditório (consagrado constitucionalmente como uma garantia dos administrados) passaria a consubstanciar uma escolha livre da Administração e, pior de tudo, uma escolha fora do controlo de legalidade dos Tribunais! Segundo esta qualificação, o exercício do contraditório seria transformado numa obrigação natural da Administração, num direito dos particulares sem efectiva garantia… e não foi seguramente essa a intenção do legislador constitucional e, consequentemente, não pode ser essa a intenção do legislador ordinária.

    1. Indubitavelmente que a introdução da fase da audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo tem o propósito de reduzir o carácter unilateral da decisão administrativa. Com efeito, não basta que o particular seja notificado de um projecto de decisão - como se limitou a fazer a Entidade Recorrida- para que seja respeitado o princípio do contraditório, é indispensável que o particular seja efectivamente ouvido, o que não sucedeu no caso do sub judice. Não sucedeu pois a Entidade Recorrida ordenou unilateral e secretamente uma outra diligência, a medição de parte da parcela 63, nunca tendo a recorrente sido notificada da data, hora e local, em que teria lugar essa diligência, como reconheceu a douta Sentença Recorrida.

      Logo, não é verdade que não esteja o acto praticado a final viciado de preterição de formalidades essenciais.

    2. Por fim, saliente-se que, a ordem não notificada de realização da simples mediação parcial da parcela 63, uma diligência análoga à requerida pela Recorrente, constitui o reconhecimento implícito da utilidade e da conveniência da diligência requerida pela Recorrente. Aliás, utilidade e conveniência essas, reforçadas pelas diferentes respostas relativas às áreas em causa obtidas pelos diversos organismos públicos e privados que levaram a cabo medições de partes da parcela 63 e que constam do processo instrutor.

  2. Assim sendo, a douta Sentença recorrida deveria ter considerado o acto praticado a final inválido, por violação do princípio do contraditório e dos artº95º, 96º e 97º do CPA, em virtude de não ter sido ordenada a diligência requerida pela aqui Recorrente, nos termos em que a lei determina e, ainda, em virtude de a diligência instrutória realizada unilateral e secretamente não ter obedecido às regras supra referidas e impostas para a mesma.

    II- DA NÃO ANULAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO PELO TRIBUNAL A QUO COM FUNDAMENTO NO ERRO DE FACTO E NA CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DE LEI.

  3. O Tribunal a quo entendeu que não existia violação de lei causada pela circunstância de a Entidade Recorrida, não ter considerado as restantes áreas da parcela 63 (com área total de 17,2ha), concretamente, as parcelas com potencialidades de cultivo não semeadas de 1,9ha e de mato (de figueiras do inferno e verdegosas, i.e, vegetação espontânea que cresce no Verão) de 3,7ha.

  4. É que o Tribunal a quo interpretou ilegal e restritivamente o conceito de pousio. Ilegalmente porque pousio, quer para o legislador comunitário quer para o legislador interno, significa tão só "terra em descanso". De facto, de lado nenhum das normas citadas se retira que o conceito legal pressupõe terem sido as terras em pousio sempre alvo de cultivo nos anos anteriores, como a douta sentença sustenta!!! Se assim não fosse, as normas aplicáveis não excepcionariam da exigência de prévio cultivo nos dois anos anteriores as situações de primeira instalação, dos rendeiros ou do recebimento das terras por herança.

  5. Logo, aqui a Recorrente discorda da aplicação do direito aos factos pelo Tribunal a quo: pois a douta Sentença ao utilizar um conceito de pousio mais restrito daquele que é utilizado nas próprias normas jurídicas aplicáveis, desconsidera: a) que toda a Parcela 63, com uma área total de 17,2ha, integrada em parte pelas parcelas 6, 6´,6´´, estava inculta e destinada pela Recorrente ao pousio (no sentido normativo do que não estava destinada ao cultivo) como, aliás, decorre dos autos do processo instrutor.

    1. que quem demarcou numa cópia da Planta Cadastral uma área de pousio de 13,40 ha na parcela 63 foi a Entidade Recorrida e não a Recorrente.

    2. que no Relatório da firma "B..." se reconhece que a parcela afecta ao pousio obrigatório não estava afecta a pastagens, culturas permanentes, florestas ou utilização não agrícola… o que torna imediatamente as áreas elegíveis por se tratarem de áreas de pousio, ou seja: "de terras cultiváveis que se deixam em descanso".

    3. por fim, que a parcela 63, devolvida em 1990, por reversão da nacionalização ao seu actual proprietário, o Senhor C..., foi, subsequentemente, em Setembro de 1992, data do arrendamento à aqui Recorrente A... e esta, por sua vez, só no ano de 1993, iniciou a exploração da terra.

    Ou seja, antes de 1993, não poderia a Recorrente ter explorado a parcela 63 ou ter-se candidatado a outros subsídios, nomeadamente, aos da SECA, simplesmente porque ainda não tinha tomado a terra de arrendamento!!! 7. Na situação excepcional da Recorrente - de rendeira na primeira instalação - seja o regulamento, sejam as normas de execução, dispensam a Recorrente do preenchimento do requisito objectivo de cultivo da terra nos dois anos anteriores, pela razão lógica de esse facto (a falta de cultivo nos anos anteriores) não lhe ser imputável.

  6. De outro modo, quem iniciasse o cultivo de terras não se poderia nunca candidatar à atribuição deste subsídio, estaria excluído ab initio por não poder preencher, por facto que lhe é estranho, semelhante requisito.

  7. Por outro lado, a ratio da atribuição destes apoios consiste em habituar/estimular os agricultores ao respeito e protecção pelo meio ambiente, tornando rentável a ausência de cultivo e, simultaneamente, visa evitar excedentes na produção. Ora, atendendo ao escopo da norma, não se vislumbra porque razão a douta Sentença recorrida entendeu que na primeira instalação da rendeira Recorrente também se impunha que esta preenchesse o requisito objectivo de cultivo nos dois anos anteriores da parcela 63.

  8. Logo, em face do exposto, só poderia ter o Tribunal a quo declarado inválido o acto administrativo que negou provimento à concessão do subsídio à Recorrente por violação quer do regulamento comunitário CEE 2293/92 da Comissão (artº3º, nº4), quer das normas de execução da Entidade Recorrida (Pontos 3.8 e 3.9) uma vez que a Sociedade Recorrente se encontrava na situação excepcional de rendeira no primeiro ano de instalação.

    Nas suas alegações, a autoridade recorrida manteve, no essencial, o alegado na resposta, CONCLUINDO assim: · No pedido de ajuda às culturas arvenses, a Recorrente indicou por conta do pousio obrigatório de regadio, uma área de 13,40 ha situada em parte da parcela 63 da Herdade do ....

    · De acordo com o controlo efectuado (fotografia aérea e controlo de campo), verificou-se que a parcela de pousio declarada pela recorrente compõe-se de três parcelas das quais apenas uma, de 8ha, é efectivamente pousio.

    · As duas restantes parcelas são respectivamente mato (3,7ha) e área não semeada (1,9ha).

    · A diferença verificada entre o pousio declarado (13,40ha) e o pousio controlado (8ha), por ser superior a 20%, determina, de acordo com o artº9º, nº2, segundo parágrafo, conjugado com o último parágrafo do nº4, ambos do Reg. Nº3887/92, o indeferimento do pagamento da ajuda referente às culturas arvenses para regadio, assim como o reembolso do adiantamento pago.

    · Admite a Recorrente que as três parcelas supra referidas correspondem à realidade, embora discorde do tratamento jurídico concedido dado a cada uma, razão porque se afasta o alegado vício de erro nos...

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