Acórdão nº 040386 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução16 de Dezembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 2ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO O A... SA, pessoa colectiva nº500 766 711, com sede na Avenida da República, em Lisboa, vem interpor recurso contencioso do despacho do Ministro da Economia, de 19.03.96, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo recorrente do despacho nº 18/95, de 30.10.95, do Director Geral do Turismo que, por sua vez, lhe indeferira o pedido de aprovação da localização de um hotel na Praia do Vau, concelho de Portimão, no processo HT.HO-8532-1.3 da Direcção Geral de Turismo.

Pede a anulação do despacho recorrido, com fundamento em vícios de ilegalidade, incompetência em razão do tempo, vício de forma por falta de fundamentação de direito e violação de lei.

Foi cumprido o artº 43º da LPTA.

Na sua resposta, o Ministro da Economia excepcionou a irrecorribilidade do acto recorrido, por meramente confirmativo do despacho nº18/95, de 30.10.95, do Director - Geral de Turismo, a litispendência, por o presente recurso contencioso ser mera repetição do recurso que corre pela 1ª Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa com o nº60/96, pronunciando-se ainda pelo não provimento do recurso, por não enfermar de qualquer dos vícios invocados pelo recorrente.

O recorrente respondeu às excepções arguidas, concluindo pela sua improcedência.

O Digno Magistrado do MP promoveu a suspensão da instância até julgamento definitivo do recurso interposto no TAC de Lisboa, com o nº69/96, nos termos do artº279º, nº1, c) do CPC.

Por acórdão de 15.05.97, foi determinada a suspensão da instância, nos termos promovidos.

Em 26.02.2002, foi junta aos autos certidão da sentença proferida no referido processo nº69/96, informando-se em 04.06.2002, do seu trânsito em julgado (cf. fls. 226 e segs. e 243).

Por despacho do então relator, de 20.06.2002, foi declarada cessada a suspensão da instância, relegado para final a apreciação da questão prévia suscitada pela autoridade recorrida (irrecorribilidade do acto) e cumprido o artº67º do RSTA.

O recorrente apresentou as suas alegações, terminando com as seguintes CONCLUSÕES: 1. Os factos constantes na petição estão provados como resulta do facto de não terem sido contestados.

  1. O acto administrativo objecto do presente recurso é definitivo e executório, e por tal, recorrível contenciosamente ( artº. 25º da LPTA).

  2. O presente recurso foi promovido tempestivamente, conforme decorre da aplicação dos artº28º e 29º alínea a) da LPTA.

  3. A recorrente tem todo o interesse em recorrer porque o acto recorrido inviabiliza a revogação do despacho nº18/95, de 30 de Outubro, do Senhor Director Geral do Turismo, que indefere o pedido de aprovação da localização de um hotel, requerido nos termos do artº23º e seguintes do DL 328/86, de 30.09, então em vigor, ficando assim a recorrente impossibilitada de o construir, o que lhe acarreta elevados prejuízos e daí o seu interesse em recorrer.

  4. O acto recorrido padece de vários vícios, nomeadamente é ilegal por inconstitucional.

  5. Estabelecendo a Constituição uma clara diferenciação orgânica, procedimental e formal entre os decretos regulamentares e todas as restantes formas de regulamentos governamentais de execução das leis, permitindo o seu artº115º, nº6 ( actual artº112º, nº7), a possibilidade de criação de uma reserva legal de forma de decreto regulamentar, verifica-se que um regulamento nunca pode afastar, tal como nem sequer uma lei pode permitir que um regulamento afaste (CRP, artº115º, nº5 hoje o artº112º, nº7), a forma de decreto regulamentar reservada por lei para a respectiva regulamentação governamental.

  6. Resulta da Constituição, em consequência, que só uma lei pode "derrogar" a exigência feita por uma outra lei de que a sua regulamentação seria efectuada pela forma de decreto regulamentar, encontrando-se excluída a possibilidade de qualquer regulamento - incluindo, por isso mesmo, o próprio decreto regulamentar - proceder a uma modificação da reserva legal da forma de decreto regulamentar, existindo aqui, por outras palavras, a consagração constitucional de uma reserva de lei sobre a matéria.

  7. Neste sentido, o artº11, nº3, do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, determinando que a disciplina normativa dos empreendimentos nas zonas de ocupação turística em que se verifique ausência de instrumentos de planeamento aprovados fosse emanada por despacho, bem ao contrário do preceituado pela lei que exigia a forma de decreto regulamentar, afasta parcialmente a reserva legal de decreto regulamentar, garantida directamente pela Constituição, violando o preceituado no seu artº115º, nº6 ( hoje, o artº112º, nº7).

  8. Além disso, uma vez que só a lei pode " derrogar" a exigência feita por uma outra lei de que a sua regulamentação seja efectuada pela forma de decreto regulamentar, o artº11º, nº3 do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, ao proceder à emissão da disciplina da matéria para despacho viola o princípio da reserva de lei e, consequentemente, o princípio da separação de poderes, verificando-se que se está perante uma decisão normativa da Administração ferida de inconstitucionalidade orgânica e material.

  9. A inconstitucionalidade do artº11º, nº3, do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, determina, por seu lado, a inconstitucionalidade consequente ou derivada de todo o Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992.

  10. Seguindo um outro caminho argumentativo, o princípio da legalidade da competência, enquanto expressão da subordinação constitucional da própria Administração à lei, determina, segundo os seus corolários da preferência e do primado da lei ao nível da definição das regras de competência, que os órgãos administrativos nunca tenham nas suas mãos a definição (ou a modificação) das regras de competência, principalmente quando está em causa o exercício de competências com inegável projecção constitucional, tal como sucede em matéria de decretos regulamentares.

  11. No entanto, a verdade é que o artº11º, nº3 do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, " libertando" a formação dos empreendimentos nas zonas de ocupação turística da forma de decreto regulamentar, passando antes a exigir a simples forma de despacho conjunto de dois Ministros, chama a si a redefinição das regras de competência (e procedimentais) resultantes da lei para a matéria em causa, afastando, deste modo o Primeiro-Ministro da respectiva decisão, confiando-a em exclusivo aos Ministros do Planeamento e Administração do Território e do Comércio e Turismo, e, por outro lado, conduzindo a que uma forma menos solene de acto acabasse por excluir também qualquer intervenção procedimental do Presidente da República na respectiva nomeação, resultando de tudo, por último, uma diminuição do grau de legitimidade político-democrática da normação regulamentar por simples via de despacho.

  12. Em consequência, deve entender-se que o artº11º, nº3 do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, consubstancia uma violação manifesta do princípio constitucional da legalidade da competência e, deste modo, da subordinação constitucional da própria Administração à lei através dos princípios da preferência e do primado da lei, gerando esta inconstitucionalidade, por outro lado, e uma vez mais, a inconstitucionalidade derivada ou subsequente do Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992.

  13. Sem prejuízo da já anteriormente exposta inconstitucionalidade consequente ou derivada do Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, isto por feito da inconstitucionalidade do artº11, nº3, do Decreto Regulamentar nº11/91, de 21 de Março, a verdade é que o próprio Despacho Conjunto citado se mostra directamente desconforme com a Constituição.

  14. Desde logo, sendo o jus aedificandi uma faculdade integrante do conteúdo do direito fundamental de propriedade privada garantido pelo artº62º, nº1 da Constituição, enquanto direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, qualquer restrição ao direito de construir ou de edificar...

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