Acórdão nº 01100/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelJ SIMÕES DE OLIVEIRA
Data da Resolução05 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção:- I -A...

e a CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA recorrem da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que julgou parcialmente procedente acção de responsabilidade civil extra-contratual contra a mesma câmara, condenando-a no pagamento ao Autor da indemnização de 3.063.187$00 (três milhões, sessenta e três mil, cento e oitenta e sete escudos), correspondentes a € 15.279,11 (quinze mil, duzentos e setenta e nove euros e onze cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a data da citação (06/01/99) até integral pagamento.

O Autor apresentou as alegações de fls. 223 a 227, inclusivé, que concluiu do seguinte modo: "a) O A. peticionou a condenação da R. a indemnizá-lo no pagamento de 74819,68 €, a título de lucros cessantes, pelo encerramento do estabelecimento e consequente entrega à senhoria; b) Ainda que não se fixasse aquele montante, o Tribunal sempre deveria condenar a R. em quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente aos alegados lucros cessantes; c) O Tribunal "a quo" absteve-se de conhecer daquele pedido, e não o deveria ter feito; d) O A., com o estabelecimento em funcionamento, retiraria os consequentes lucros; e) o Tribunal deverá condenar a R. a indemnizar o A. quanto aos lucros cessantes, que deverão acrescer ao montante já liquidado na Sentença recorrida." A Câmara Municipal de Gaia apresentou as alegações de fls. 231 a 234 inclusivé, formulando a final as conclusões seguintes: "1° A indemnização arbitrada ao Recorrido assenta na responsabilidade civil por acto lícito praticado pela Recorrente; 2° São requisitos desta responsabilidade, a) a prática pelo ente administrativo de acto lícito; b) a produção de danos; c) nexo de causalidade entre a conduta e os danos; d) que tais danos resultem de encargos ou prejuízos especiais ou anormais; e) e/ou que só ele tenha sofrido tais danos.

  1. Da matéria de facto dada como provada e fixada pelo Tribunal a quo não resulta estarem verificados os dois últimos requisitos ut supra referenciados.

  2. Pelo que não pode haver lugar à indemnização arbitrada.

  3. Já que foi violado o disposto no n.º 1 do art.º 9° do D. L. n.º 48051 de 21/11/67 pelo acórdão recorrido que cometeu a nulidade prevista na al. c), n.º 1 do art.º 668° do C.P.C.." Não houve contra-alegações em relação a nenhum dos recursos e, neste Supremo Tribunal, o Ministério Público emitiu o parecer de fls. 243 a 246, do seguinte teor: "São dois os recursos jurisdicionais interpostos: um interposto pela ré Câmara Municipal de Gaia e outro interposto pelo autor A....

Começaremos por analisar o recurso interposto pela Câmara.

Improcede, a nosso ver.

A questão que aqui está em causa é a de saber se neste caso se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por actos lícitos: especialidade e anormalidade do dano, exigidos pelo artº 9° do DL n° 48051, de 21 de Novembro de 1968.

Segundo alega a Câmara, da matéria fixada pela 1ª instância não decorre a demonstração de que os encargos ou prejuízos sofridos pelo recorrido tenham sido especiais ou anormais para ele, ou seja, diferentes dos padecidos pelos demais administrados por razões específicas do seu estabelecimento, ou que tenham sido suportados só por ele na execução das obras executadas no interesse geral.

Vejamos.

Resulta da matéria de facto dada como provada, além do mais: - que o autor explorava desde 94.01.22 um estabelecimento comercial de café e bar, com entrada pelo n° ... da Rua de ..., em Vila Nova de Gaia; - que a ré Câmara adjudicou uma empreitada cujos trabalhos tiveram início em 97.07.23 e que consistiu na construção da rede de saneamento, construção de passeios, construção de outras infra-estruturas e asfaltamento da Rua de ... (arruamento onde se situa o estabelecimento do autor) pelo prazo de 180 dias, depois prorrogado por mais 90 dias, por deliberação da Câmara de 98.02.26; - que no ano de 1996 o autor teve um lucro de cerca de Esc. 611.750$00, e, que em resultado da realização daquelas obras o autor registou, no ano de 1997, perdas patrimoniais na ordem de pelo menos Esc. 1.515.835$00, e, no ano de 1998, perdas patrimoniais na ordem de pelo menos Esc. 1.547.352$00.

- que o autor e a sua família apenas sobrevivem com a receita deste estabelecimento.

A propósito da exigência legal da especialidade do prejuízo escreve António Dias Garcia (In "Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública" - Coordenação de Fausto de Quadros, p. 208): A especialidade decorre da incidência desigual do prejuízo sobre um cidadão ou grupo de cidadãos; por outras palavras: para que um prejuízo se possa ter por especial é necessário que um cidadão ou grupo de cidadãos tenha sido, através de um encargo público, colocado em situação desigual em relação à situação das pessoas; assim, o sacrifício será especial na medida em que viole o princípio da igualdade, a que a Administração Pública está vinculada na sua actuação - artº 266°, n° 2, da Constituição.

Neste caso concreto argumenta a Câmara que "as obras executadas no arruamento onde se localizava o estabelecimento do recorrido, pelo facto de ter ficado praticamente intransitável impôs necessariamente sacrifícios e prejuízos a todos os moradores e também aos demais estabelecimentos naquele situados".

O argumento não procede visto que o fim prosseguido com a realização das obras não se limita à satisfação dos interesses dos moradores e dos proprietários dos estabelecimentos da citada Rua de .... A execução das obras teve em vista a satisfação de um interesse geral que ultrapassa esse universo: melhorias introduzidas no saneamento, na circulação e na rede viária urbana, que beneficiam a generalidade dos cidadãos. Contudo, o sacrifício suportado pelo autor não ocorre em relação à generalidade das pessoas.

É esta situação de desigualdade que permite concluir que são especiais os prejuízos sofridos pelo autor.

Mas, além disso, cremos, também, que tais prejuízos são anormais. Relativamente ao requisito anormalidade escreve Gomes Canotilho (In "O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos": Os...

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