Acórdão nº 042637 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2003

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução04 de Novembro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da 2ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO O DIRECTOR REGIONAL DA DELEGAÇÃO REGIONAL DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA DE LISBOA E VALE DO TEJO veio interpor recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a presente acção para o reconhecimento de um direito proposta junto do TAC de Lisboa por A..., SA, e, em consequência, reconheceu o deferimento tácito do pedido apresentado pela Autora, relativo ao licenciamento da instalação de um estabelecimento industrial de 1ª classe, destinado à recuperação de escórias de alumínio e posterior fabricação de ligas desse metal na forma de lingotes, num terreno situado no Vale da Rosa, freguesia de S. Sebastião, concelho de Setúbal.

Termina as suas alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES: a) A posição defendida por José Osvaldo Gomes, in " Comentário ao novo regime do licenciamento de obras" não pode, nem deve constituir argumento para sustentar que os art.º 22º, nº1 e 13º, nº1 do DL 166/70, de 15 de Abril, vieram consagrar a regra do deferimento tácito dos pedidos de licenciamento dos estabelecimentos industriais de 1ª classe, uma vez que é o mesmo Autor quem deixa perceber que tais normas devem ser interpretadas e aplicadas "cum grano salis".

b) O argumento da interpretação literal daquelas mesmas normas, utilizado pela douta sentença recorrida, também é inaceitável para fundamentar a consagração da regra do deferimento tácito aplicável aos estabelecimentos industriais de 1ª classe, uma vez que não permite justificar porque é que não foram também abrangidos pelo DL 166/70 os pedidos de licenciamento dos estabelecimentos industriais de 2ª e 3ª classe.

c) Se os art.º 22, nº1 e 13º, nº1 do DL. 166/70 tivessem vindo consagrar a regra do deferimento tácito para os pedidos de licenciamento dos estabelecimentos industriais de 1ª classe, passaria a haver dois regimes jurídicos diferentes para o mesmo procedimento administrativo, o que se traduziria numa manifesta desigualdade de tratamento perante situações iguais.

d) Se o legislador do DL 166/70 tivesse pretendido estabelecer a regra do deferimento tácito para os processos de licenciamento industrial, não o teria feito apenas para os estabelecimentos industriais de 1ª classe.

e) Se havia identidade de razões que justificavam a aproximação do regime jurídico dos licenciamentos industriais ao do licenciamento municipal de obras particulares, criado pelo DL 166/70, não se entende porque motivo não se consagrou um regime abrangente para todos os processos de licenciamento industrial.

f) O licenciamento industrial, dada a sua complexidade, não se compadece com a regra do deferimento tácito, nem se conhecem razões históricas que permitam concluir o contrário.

g) O douto acórdão do STA de 7.03.1995 (Rec. 30275) decidiu que "no licenciamento industrial não se verifica o deferimento tácito quanto à decisão final, só quanto aos pareceres obrigatórios." h) A douta sentença recorrida não aplicou correctamente os artº22º, nº1 e 13º, n1 do DL166/70. de 15 de Abril, uma vez que o verdadeiro sentido que resulta de tais normas, quando aplicáveis aos licenciamentos industriais de 1ª classe, é apenas o que foi estabelecido pelo douto acórdão do STA citado na alínea anterior.

i) A douta sentença recorrida decidiu em contrário aquela douto acórdão, e não fez uma correcta interpretação dos artº22º, nº1 e 13º, nº1 do DL 166/70, pelo que violou aquelas normas, e ainda o disposto no artº659º, nº2 do CPC.

j) A douta sentença recorrida está em manifesta oposição de julgados com aquele douto acórdão do STA, uma vez que reconheceu o deferimento tácito do pedido apresentado pela Autora relativo ao licenciamento da instalação de um estabelecimento industrial, com fundamento nos art.º 22º, nº1 e 13, nº1 do DL 166/70, de 15 de Abril.

*Contra-alegou a recorrente contenciosa, ora recorrida, concluindo, assim: 1ª. O objecto do presente recurso limita-se à questão de se saber se a sentença recorrida interpretou ou não correctamente o disposto nos artº22º, nº1 e 13º, nº1 do DL 166/70, de 15.04, ao decidir que dos citados normativos resulta a aplicação do instituto do deferimento tácito aos processos de licenciamento em causa nos autos.

  1. Os Decretos 46.923 e 46.924, de 28.03, na redacção que lhes foi dada pelo disposto no artº22º, nº1 do DL 166/70, de 15.04, estatuíam o deferimento tácito das consultas promovidas pela entidade licenciadora a entidades estranhas, sempre que estas não se pronunciassem no prazo legalmente previsto e também o deferimento tácito do pedido de licenciamento, sempre que a entidade licenciadora não se pronunciasse no prazo legalmente definido.

    1. Quando a propósito do licenciamento de estabelecimentos industriais de 1ª classe, o artº22º, nº1 do DL 166/70, de 15 de Abril remete expressamente para o artº13º (onde se prevê o deferimento tácito), mandando aplicar o mesmo, a letra da lei é clara no sentido de que o legislador pretendeu aplicar o regime do deferimento tácito aos pedidos de licenciamento de instalação de tais estabelecimentos industriais.

    2. O espírito do DL 166/70, designadamente do artº13º (deferimento tácito) é o de incutir maior celeridade e eficiência à administração e proteger os particulares requerentes, preocupações que têm o mesmo cabimento- senão maior- no que concerne aos pedidos de licenciamento de instalação de estabelecimentos industriais de 1ª classe.

  2. A publicação do DL 166/70 ocorre numa época caracterizada pela implementação de políticas económicas de fomento industrial (v. "Lei do Fomento Industrial"- Lei 3/72, de 27 de Maio), o que abona no sentido do legislador ter pretendido aplicar ao processo de licenciamento industrial o regime de deferimento tácito.

  3. A aplicação do regime do deferimento tácito em sede de licenciamentos urbanísticos da competência da administração central, é conhecida no direito português, pelo menos desde 1948 (v. Artº5º do DL 37.251, de 28.12.48-PCUS), não sendo de estranhar que o legislador tivesse optado por adoptar o mesmo regime para o licenciamento industrial.

  4. A intenção do legislador do DL 166/70 foi a de aproveitar a alteração profunda da revisão do licenciamento de obras particulares para alterar outros processos de licenciamento conexos e interdependentes com a autorização administrativa para construir, aplicando-lhes os mesmos princípios de celeridade e de eficiência (cuja revisão se determina..."- cfr. Preâmbulo, nº3).

  5. O sucesso da reforma do processo de licenciamento municipal de obras ficaria dependente, pelo menos em parte significativa, de alteração simultânea de processos de licenciamento a ele conexos.

  6. A sentença recorrida não se apoia em exclusivo na interpretação literal dos artº22º, nº1 e 13º, nº1 do DL 166/77, de 15.04, constando dos seus fundamentos uma exaustiva procura do pensamento legislativo, que terá estado na origem de tais normas.

  7. Ao texto das normas cabe a função negativa de eliminar aqueles sentidos que nele não tenham qualquer apoio (cfr. Artº9º do CC).

  8. O princípio constitucional da igualdade não implica que sejam tratados de forma igual realidades distintas, pelo que, correspondendo os estabelecimentos industriais de 1ª, 2ª e 3ª classes a realidades diversas (DL 46.923 e Dec. 46.924) seria legítimo que o legislador do DL 166/70 as regulasse de forma diferente.

  9. Também o licenciamento de obras e da utilização de edifícios, entre outros vigora o deferimento tácito, reflectem igual complexidade de procedimento.

  10. A complexidade do licenciamento industrial e a existência aí de vistorias prévias e de um acto formal final de aprovação, não são razões incompatíveis com o deferimento tácito, pelo contrário, a maior complexidade dos procedimentos administrativos só justifica com maior pertinência a instituição de deferimento tácito, atentos os fins e a função garantística de tal instituto.

  11. Não é verdade que o STA, no acórdão de 07.02.95 (Rec. 30.275) tenha decidido ou apreciado a questão da aplicabilidade ou inaplicabilidade do regime de deferimento tácito previsto no art.º 13º do DL 166/70 ao licenciamento industrial, sendo certo que o texto que o recorrente invoca como sendo um excerto de tal acórdão não faz parte do mesmo acórdão.

  12. Improcedem todos os argumentos expendidos pelo recorrente nas conclusões de recurso, devendo manter-se o decidido na sentença recorrida.

    *O Digno Magistrado do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com os seguintes fundamentos: « Afigura-se-nos que a douta sentença recorrida operou correcta interpretação e aplicação do direito à factualidade relevante, pelo que deverá ser sufragada, sendo certo que nesta sede a entidade recorrente e salvo o devido respeito, não invoca nada de essencialmente novo, como realça a recorrida e com o que, no geral, se concorda.

    Poderia, eventualmente, revelar-se perturbador do sentido preconizado na douta sentença o facto de o art.º 22º do DL 166/70 apenas se referir aos estabelecimentos industriais de 1ª classe o que, aparentemente, deixaria sem justificação a não inclusão do regime de deferimento tácito aos demais estabelecimentos. No entanto, a tal respeito, oferece-nos dizer o que segue.

    Desde logo a linha de toque parece-nos ser dada no preâmbulo daquele diploma e que a entidade recorrente, salvo melhor opinião, interpreta ao contrário. Isto é, da afirmação ali contida que " da orientação exposta exceptuam-se os regimes especiais sobre localização, aprovação de projectos e licenciamento de estabelecimentos industriais de 1ª classe" não pretende, a nosso ver, significar que quanto a estes estabelecimentos é afastada a previsão do deferimento tácito, mas apenas que o regime especial quanto à localização, aprovação de projectos e licenciamento de estabelecimentos industriais seguirão, no seu procedimento, não o que se prescreve no diploma em causa (e a que se refere especificamente o...

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