Acórdão nº 0351/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação da deliberação, de 28/12/94, do Conselho de Administração da Associação de Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Porto, Valongo, Matosinhos e Vila do Conde (LIPOR) que adjudicou a Concessão, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos - LIPOR II ao Recorrido particular B....

Para tanto, e em resumo, alegou que a mesma estava ferida de vício de violação de lei, por violação do disposto no art. 10.º, n.º 2, alíneas c) e g), do DL n.º 379/93, de 5/11, e por violação dos princípios da imparcialidade, da legalidade, da justiça, da boa fé, da transparência, da igualdade e da proporcionalidade, e ainda por vício de desvio de poder.

A Autoridade Recorrida e a recorrida particular suscitaram as questões prévias da ilegitimidade da Recorrente e da extemporaneidade do recurso, que foram julgadas improcedentes por despacho de 18-3-96.

Deste despacho foram interpostos recursos para este Supremo Tribunal Administrativo pela Autoridade Recorrida e pelas recorridas particulares, os quais foram admitidos com subida diferida.

Por despacho de 18-2-97, o Meritíssimo Juiz ordenou a apensação ao presente processo do processo de recurso contencioso n.º 376/95, que corria termos no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, em que é impugnado o mesmo acto.

As recorridas particulares interpuseram novo recurso deste despacho para o Supremo Tribunal Administrativo.

Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 27/1/99 foi negado provimento ao recurso interposto do despacho que ordenou a apensação do processo n.º 376/95 e concedido provimento ao recurso interposto do despacho de 18-3-96, na parte em que julgou tempestivo o recurso contencioso que deu origem ao presente processo, que tem o n.º 390/95 do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto.

Baixando o processo ao T.A.C., por despacho de 12-7-2001 foi julgada extinta a instância do processo n.º 376/95 e ordenada a desapensação do presente processo n.º 390/95.

Por sentença de 15-7-2002, o Meritíssimo Juiz julgou extinta a instância também neste processo n.º 390/95, por inutilidade superveniente da lide.

Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 4.1 O acto da rec.da, que adjudicou ao rec.do particular a Concessão de Serviço Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos - LIPOR II, era e é um acto lesivo contenciosamente recorrível.

4.2 O facto de a rec.da já ter assinado com o rec.do particular o consequente contrato administrativo e de já ter executado parte do mesmo, ainda que possa vir a constituir causa legítima de inexecução da sentença que venha a anular o acto recorrido, não determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

4.3 Não resulta do art. 6º do ETAF, "nem de qualquer outro normativo, que o reconhecimento da invalidade do acto administrativo e a sua consequente destruição devam cessar pelo facto de terem sido praticados actos de execução, total ou parcial, do acto pretensamente inválido, que, dessa forma, perduraria na ordem jurídica, violando o princípio da legalidade".

4.4 Bem pelo contrário o que resulta da lei é que, por um lado, a anulação de um acto lesivo ilegal não é uma actividade inútil, por tal ser um imperativo do princípio da legalidade que impede a inutilidade superveniente, e, por outro lado, o art. 7º do Dec. Lei nº 256 A/77 a isso se opõe, quando face a uma causa legítima de inexecução prevê o direito do recorrente a receber da entidade recorrida uma indemnização pelos prejuízos decorrentes do acto anulado e da inexecução, não considerando inútil por causa desta o recurso contencioso que antecedeu e originou a execução.

4.5 Acresce que a tutela de quem é lesado pela prática de um acto ilegal se desdobra em dois momentos, o anulatório e o pretensivo, sendo que a inexecução da sentença anulatória só deve ser processualmente considerada na fase pretensiva, ou seja, na fase da execução.

4.6 Consequentemente, ainda que na pendência do recurso sejam conhecidos factos que poderão vir a fundar uma causa legítima de inexecução da sentença que vier a anular o acto contenciosamente recorrido, aqueles não poderão determinar a recusa do Tribunal de apreciar a legalidade do acto, que é o objecto principal do recurso contencioso.

4.7 Por outro lado, também não se verifica inutilidade superveniente para a ora rec.te daqueles factos, porque muito embora, em sede de execução de uma sentença anulatória a rec.da não tenha condições de reparar a ilegalidade e ilicitude do acto praticando outro acto de adjudicação, pode repará-la através do pagamento à rec.te da indemnização acima referida.

4.8 Sobre a rec.te impendia o ónus de recorrer contenciosamente do acto recorrido, tempestivamente, sob pena de não poder mais atacar a sua legalidade, pressuposto indispensável do seu direito a receber uma indemnização pela ilicitude da conduta da rec.da.

4.9 Tendo ela exercido aquele ónus atempadamente o Tribunal a quo estava obrigado a julgar da ilegalidade do acto recorrido e a, em sede de execução de sentença anulatória, fixar uma indemnização decorrente da anulação e da própria inexecução da sentença.

4.10 Ainda no caso dos autos a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide deixaria a rec.te sem meios de fazer valer os seus interesses e direitos sobre a rec.da, uma vez que já há muito que prescreveu o direito de ela accionar a rec.da por responsabilidade civil extra-contratual pela prática de acto ilícito, nos termos do art. 71º da LPTA.

4.11 Ainda que por hipótese, que apenas como tal se admite e refere, a instância pudesse ser extinta, sete anos depois da interposição do recurso contencioso, por inutilidade superveniente da lide devido à ocorrência, na pendência do recurso, de causa legítima de inexecução, a rec.te jamais poderia ser condenada em custas, por não ser responsável pela extinção.

4.12 De quanto alegado decorre dever a sentença recorrida ser revogada por violar a al. e) do art. 287º do C.P.C.., o princípio da legalidade, o art. 6º do ETAF e o art. 20º da CRP.

A Autoridade Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma: 1.ª - A douta sentença recorrida não é passível das críticas que lhe move a recorrente, antes aplicou correctamente o direito e fez justiça; 2.ª - No concurso que deu origem ao acto recorrido, a proposta da recorrente foi classificada 5.º lugar sendo que eram seis as propostas em cotejo; 3.ª - Nem neste recurso, nem no procedimento concursal, alguma vez, a recorrente colocou em crise a sua classificação, face às demais, salvo quanto à proposta do recorrido particular que, como se sabe, ocupou o primeiro lugar de tal classificação; 4.ª - Portanto, mesmo que o acto recorrido viesse a ser anulado, a recorrente jamais poderia aspirar a ver a sua proposta como preferida, 5.ª - Já que, podendo subir um lugar pelo eventual afastamento da proposta do recorrido particular não passaria do 4.º lugar; 6.ª - Isto é, mesmo que fosse ainda possível produzir novo acto de adjudicação, a recorrente nunca seria a adjudicatária; 7.ª - De onde se implícita a conclusão de que, demonstrada que fosse, como seria e a própria recorrente aceita, a causa legítima de inexecução da sentença - o contrato foi celebrado e a obra está, há muito, concluída e a funcionar - nenhum dano sofreria a recorrente; 8.ª - Isto é, nem o acto recorrido nem a inexecução da eventual sentença anulatória do mesmo causaria qualquer prejuízo à recorrente; 9.ª - De todo o modo, como foi processualmente adquirido que o contrato fora celebrado e a obra estava, ao tempo, em grande parte, concluída, o prosseguimento da lide tornou-se inútil; 10.ª - Com efeito, a recorrente deixou de poder retirar do eventual provimento do recurso qualquer utilidade merecedora da tutela do direito; 11.ª - Sendo certo que irrelevam neste particular contexto as consequências indirectas ou reflexas do acto anulatório, em especial as de natureza indemnizatória; 12.ª - Ao contrário do que defende a recorrente, podia ela, ao tempo, ter requerido a suspensão da eficácia do acto recorrido e afastar, assim, a possibilidade de lhe vir a ser imputada alguma negligência processual; 13.ª - A extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide não afasta a possibilidade de a recorrente fazer valer os seus pretensos interesses e direitos; 14.ª - O nº 3 do artigo 71.º da L.P.T.A. não impõe que a decisão transitada em julgado que prevê só possa ser uma decisão anulatória; 15.ª - Consequentemente, e salvo o devido respeito, improcedem todas as conclusões das doutas alegações da recorrente.

As recorridas particulares contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões: 1ª - O objecto do recurso interposto da sentença proferida, em 15/7/02, pelo TAC do Porto, está confinado ao julgamento deste último Tribunal. Pelo que, 2ª - Respeita, exclusivamente, à questão prévia da inutilidade superveniente da lide, pelo mesmo julgada procedente; Assim, 3ª - À luz do disposto no artigo 287º, alínea e), do C.P.C., cumpre apreciar se ainda é possível a recorrente alcançar o objectivo que se propôs atingir com a propositura do recurso contencioso: a anulação do acto de adjudicação por forma a ser-lhe adjudicada a empreitada em causa; 4ª - A resposta é, manifestamente, negativa, atenta a matéria de facto dada por assente e a posição praticamente uniforme da jurisprudência para efeitos de reconhecimento da inutilidade da lide em recurso contencioso de anulação (cfr. entre outros, Acórdãos do STA de 12.12.96, 19.12.96, 26.11.96 e 14.10.99, Recursos n.ºs 35475, 39819, 40213 e 35748, respectivamente).

5ª - A empreitada está, como é público e notório, integralmente executada, pelo que não é possível, em execução de sentença, efectuar-se a reconstituição da...

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