Acórdão nº 01571/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução14 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em Subsecção, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

1.1.

A..., B..., C..., D... e E..., empresários em nome individual, F..., empresário em nome individual, e G..., empresário em nome individual, todos com os demais sinais dos autos, intentaram no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL) e contra a ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DE SETÚBAL E SESIMBRA (APSS), SA, sociedade com capitais exclusivamente públicos, com sede na Praça da República, em Setúbal, acção para reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido, em que pediram a prolação de sentença que lhes reconhecesse o direito à celebração de contratos de concessão do domínio público hídrico e a correspondente obrigação da ré a satisfazê-lo.

1.2.

A ré contestou, suscitando a questão prévia da impropriedade do meio processual e, em qualquer caso, a improcedência do pedido.

1.3.

Produzidas alegações, e emitido parecer do MP, foi lavrada a sentença do TACL, de 26.4.2002, em que foi desatendida a questão prévia da impropriedade do meio processual, e, quanto ao mérito, julgado improcedente o pedido e a ré dele absolvida.

1.4.

Inconformados com esta sentença, os autores deduziram o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões: "

  1. O Dec. Lei 468/71 de 05/11 disciplina o regime jurídico dos terrenos incluídos no domínio público hídrico, nomeadamente a atribuição de usos privativos.

  2. Com efeito, a atribuição de usos privativos a particulares deve obedecer aos pressupostos seguintes: - O direito de uso privativo de qualquer parcela dominial.

    - Mediante licença ou concessão.

    - Com um fim de utilidade publica.

  3. No caso sub judice, os usos privativos dos recorrentes (estaleiros de construções e reparação naval), exigem a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e são de interesse público.

  4. Encontram-se assim preenchidos os pressupostos constantes do art. 18° do D.L 468/71 de 05/11 como reconheceu a sentença recorrida, pelo que, o título, o título próprio que os deve juridicamente regulamentar, é o contrato administrativo de concessão.

  5. Aos recorrentes, a partir de meados da década de sessenta, foram-lhes sempre atribuídos usos privativos em parcelas de terreno do domínio público hídrico, sob a forma de licença precária, para a prossecução de actividades de construção e reparação naval, de vital importância para a cidade e concelho de Setúbal, em área administrada sucessivamente pela .... ... e ..., ...

  6. Os Estatutos dos referidos entes foram os diplomas seguintes: - ... - Dec. Lei 37.754 de 18/02/1950, que foi revogado pelo, - ... - Dec. Lei 376/89 de 25/10, que foi revogado pelo, - ..., .... - Dec. Lei 338/98 de 03/11.

  7. Pese embora se tenha desenhado um novo regime jurídico, decorrente da entrada em vigor do Dec. Lei 468/71 em 05 de Novembro, a JAPS, ao tempo entidade administrante, continuou a emitir licenças precárias para titular os usos privativos dos recorrentes.

  8. A APSS (instituto público) persistiu em idêntico procedimento.

  9. Tendo o mesmo vindo a acontecer com a ...

  10. Procedimento que obrigou os recorrentes a formular queixa junto do Provedor de Justiça, e a apresentarem petição no Tribunal Administrativo competente, no sentido de lhes ser reconhecido um interesse e direito legítimo e legalmente protegido k) Na verdade, o meritíssimo Juiz a quo, deu razão à maior parte das alegações formuladas pelos recorrentes, nomeadamente, de se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos no art. 18° do D.L 468/71 de 05/11, relativos à atribuição da concessão.

  11. Contudo, entendeu o mesmo Juiz a quo, que um denominado "Plano de Ordenamento e Expansão do Porto de Setúbal" legitimava a continuação da atribuição de licenças precárias aos recorrentes.

  12. Salvo o devido respeito, não podemos aceitar que o Dec. Lei 69/90 de 03/03 contenha ou corporize o "plano" ou qualquer plano.

  13. Na verdade, este Decreto Lei "limita-se" a disciplinar a elaboração, aprovação e ratificação dos Planos Municipais de ordenamento do Território, designados por P.D.M. (Planos Directores Municipais).

  14. Com efeito, o P.D.M. de Setúbal, é regulado pela Resolução do Conselho de Ministros n° 65/94 de 10 de Agosto.

  15. Este normativo, no seu artigo 30°, dispõe que, na área de jurisdição do Porto de Setúbal e Sesimbra, serão definidos os usos a considerar, de acordo com o disposto no Dec. Lei 348/86 de 16/10 e 376/89 de 25/10.

  16. Ao abrigo destes diplomas não é possível descortinar qualquer plano para a área do domínio público hídrico a que os presentes autos se reportam.

  17. Efectivamente a única referência ao "Plano" resume-se a dois documentos/Memorandos, os quais não podem ser julgados suficientes para recusar a pretensão dos recorrentes.

  18. É notório que a recorrida persiste na intenção de continuar a atribuir licenças precárias, ao invés de concessões, argumentando com meras hipóteses, que este alto Tribunal, não pode aceitar.

  19. Situação tanto mais grave, quando é certo, que se mantém, como acima se disse, desde meados da década de sessenta.

  20. O comportamento da recorrida, que se tem vindo a subtrair a aplicar o que a lei lhe impõe, viola princípios acolhidos pela Constituição da República Portuguesa constantes dos artigos 266° 267° e artigos 2 n° 4, 3, 4° e 6° do Código de Procedimento Administrativo.

  21. Este alto Tribunal não pode também aceitar a afirmação da sentença recorrida, que a ora recorrida, goza de um poder discricionário, quando na verdade nesta matéria ela está vinculada ao disposto no Dec. Lei 468/71 de 05/11, o qual pretende justamente acautelar os direitos e interesses dos particulares contra abusos da administração, de que este processo constitui paradigma.

  22. Mas esta actuação da recorrida viola também o direito de propriedade, direito acolhido no sistema jurídico Português, desde logo, porque contemplado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  23. Direito de Propriedade constante do artigo 1° do Protocolo 1 da C.E.D.H.. englobando de forma geral "os bens".

  24. Na verdade reconheceram, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem (Pudas c. Suécia) e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Tre Traktorer Aktiebolag) e Matos e Silva c. Portugal, na base justamente do artigo 1° do Protocolo 1° à C.E.D.H que a administração não pode, sem fundamento real, concreto, deixar de realizar contratos de concessão com os recorrentes, pois está não só a violar as normas supra referidas (nomeadamente o art. 18 e 28° do D.L 461/71 de 05/11, o art. 4° do D.L. 331/98 de 03/11, os arts 3° e 4° do DL 338/98 de 03/11, 266° a 272° da C.R.P), mas também o fundamental direito de propriedade dos recorrentes tal como previsto na C.E.D.H. e interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem".

    1.5.

    A Ré não contra-alegou.

    1.6.

    A EMMP emitiu o seguinte parecer: "Considero que o recurso não deve merecer provimento, devendo ser mantida a douta sentença recorrida.

    De facto, a outorga de licença ou concessão de uso privativo de parcelas do domínio público hídrico releva do exercício dos poderes discricionários da Administração (conforme art. 17° do D.L.468/71 de 5 de Novembro, e acórdão deste STA de 10/7/80, pr.10279), sendo apenas sindicável por desvio de poder ou, como se escreveu no acórdão atrás citado, para averiguação sobre se «o motivo principalmente determinante do uso do poder discricionário foi ou não o de prosseguir um fim diverso daquele que a lei permitiria no...

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