Acórdão nº 01064/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução08 de Outubro de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho conjunto emanado do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, e que se analisa nas decisões por eles emitidas, respectivamente, em 14/1/02 e em 2/2/02, acto esse que fixou uma indemnização decorrente da aplicação da legislação sobre a reforma agrária.

Só o referido Ministro respondeu, começando por excepcionar a ilegitimidade da recorrente em virtude de ela não demonstrar as qualidades, que invocou, de herdeira do titular do direito a indemnização e de cabeça-de-casal dessa herança, de esta derradeira qualidade não lhe permitir intervir sozinha na lide, atento o disposto no art. 2091º do Código Civil, e de ela ter aceitado o acto na medida em que dispôs da indemnização que lhe foi paga. Seguidamente, a mesma autoridade sustentou que a petição é inepta, por incluir a arguição de vícios reciprocamente incompatíveis. Após o que o respondente defendeu que o acto não padece de nenhum dos vícios que a recorrente lhe assacara.

Cumprido o disposto no art. 54º da LPTA, a recorrente veio dizer que, no caso dos autos, não ocorre o litisconsórcio necessário activo afirmado na resposta e que o pagamento da indemnização não foi seguido por um qualquer comportamento dela, revelador de aceitação do despacho conjunto recorrido.

O Ex.º Magistrado do MºPº emitiu douto parecer em que defendeu que o recurso contencioso deve ser rejeitado em virtude de a recorrente não poder interpô-lo desacompanhada dos demais co-herdeiros.

Relegado para final o conhecimento das excepções, a recorrente veio apresentar a sua alegação de recurso, enunciando aí as conclusões seguintes: 1 - A indemnização a que se referem os autos é devida pela privação temporária do uso e fruição de prédios rústicos indevidamente expropriados e ocupados e posteriormente devolvidos - DL 199/88, de 31/5.

2 - Uma coisa é o cálculo da indemnização referente ao período que mediou entre 1/11/75 e 12/5/78, reportando-se os valores das rendas aos respectivos anos de privação, outra coisa é a actualização dessas rendas para valores reais e correntes da data do pagamento ou valores de 94/95.

3 - O valor real e corrente previsto no art. 7º, n.º 1, do DL 199/88, de 31/5, deverá no mínimo ser reportado a valores de 94/95, data da publicação do DL 38/95, de 14/2, e Portaria 197-A/95, de 17/3, que fixaram os critérios de pagamento das indemnizações no âmbito da reforma agrária, os componentes indemnizatórios para valores de 94/95, data considerada como a mais próxima do pagamento da indemnização.

4 - A indemnização pelo valor das rendas não recebidas terá de ser calculada em analogia com o que se passa com o explorador directo em função dos rendimentos médios actualizados de 1995 e, depois, multiplicado o valor encontrado para a renda pelo número de anos de ocupação dos prédios - art. 2º, n.º 1, da Portaria 197-A/95.

5 - Existe uma autêntica lacuna na legislação especial das indemnizações da reforma agrária, conforme refere o acórdão do Pleno do STA de 17/5/01, rec. 44.114, e o acórdão do Pleno do STA de 3/7/02, rec. 45.608, onde se refere, nomeadamente, a omissão de um critério de actualização das rendas, preconizando ambos os acórdãos, para colmatar essa lacuna, recorrer, se necessário, ao legislador.

6 - Seria profundamente injusto fixar uma indemnização sem atender à actualização do rendimento dos prédios que os recorrentes perderam, quando são decorridos mais de 27 anos desde a privação desses rendimentos.

7 - Não existe proximidade temporal entre a privação do recebimento do valor da renda e o pagamento da indemnização, sendo decorridos mais de 27 anos da data da privação desse rendimento.

8 - As indemnizações da reforma agrária «serão fixadas com base no valor real e corrente desses bens e direitos (...) de modo a assegurar uma justa compensação pela privação dos mesmos bens e direitos» - art. 7º, n.º 1, do DL 199/88, de 31/5.

9 - A indemnização, para ser justa, tem de garantir ao expropriado o valor real do bem no momento do pagamento.

10 - Todos os bens objecto de indemnização da reforma agrária foram actualizados pela lei especial para preços correntes ou valores de 94/95, com excepção do valor das rendas.

11 - Se todos os componentes indemnizatórios pela privação do uso e fruição são actualizados para valores correntes da data do pagamento ou para valores de 94/95, por que razão as rendas não são igualmente actualizadas ? 12 - A renda previsível ou presumível durante o período da ocupação corresponde sempre aos valores das rendas máximas fixadas na legislação que regula o arrendamento rural.

13 - Nos termos do art. 8º do DL 385/88, de 25/10, as rendas são sempre actualizadas anualmente, não podendo ultrapassar contudo as tabelas do arrendamento rural.

14 - Os valores das rendas previsíveis e presumíveis que correspondem ao valor da indemnização deverão ser actualizados para valores de 94/95.

15 - Por que razão e com que fundamento legal o proprietário absentista não é indemnizado por valores de 95, como acontece com o cultivador directo ? 16 - O pagamento da indemnização do valor das rendas, depois de fixado pelo valor previsível e presumível durante a ocupação, apenas beneficia de um acréscimo de 2,5% ao ano até à data do pagamento - artigos 19º e 24º da Lei 80/77 - o que não assegura de forma alguma o valor real e corrente do bem à data de 1995.

17 - O somatório das rendas, calculado pelo valor previsível em cada um dos anos de fruição do prédio, não contém em si mesmo qualquer actualização para valores de 94/95 ou data do pagamento da indemnização.

18 - Os juros a que se reporta o art. 24º da Lei 80/77, de 26/10, são remuneratórios, não se destinando a atender a qualquer actualização da moeda.

19 - Os juros previstos no art. 24º da Lei 80/77 são igualmente aplicáveis aos demais componentes indemnizatórios actualizados para valores de 94/95.

20 - Os recorrentes, no que se refere à não actualização das rendas, foram tratados de forma particularmente desfavorável, e sem qualquer fundamento legal, relativamente a outros cidadãos que receberam os bens indemnizáveis actualizados.

21 - O despacho recorrido, por errada interpretação dos artigos 19º e 24º da Lei 80/77, afronta o princípio da igualdade do art. 13º, n.º 1, da Constituição.

22 - Os artigos 19º e 24º da Lei 80/77, com o sentido e alcance que lhe foi dado pelo despacho recorrido, nomeadamente quando entendeu que os valores da renda são actualizados por via de capitalização e juros previstos nas citadas disposições legais, violou o art. 62º, n.º 2, da CRP, uma vez que a expropriação e privação de bens e direitos só pode ser efectuada mediante o pagamento da justa indemnização.

23 - O despacho recorrido, na medida em que entendeu não actualizar o valor das rendas para os valores contemporâneos do pagamento da indemnização ou para valores de 94/95, violou o disposto no art. 1º, ns.º 1 e 2, e art. 7º, n.º 1, do DL 199/88, de 31/5, art. 13º, ns.º 1 e 2, da Lei 80/77, de 26/10, art. 4º, n.º 4, do DL 38/95, de 14/2, art. 2º, n.º 1, e art. 3º, als. a), b) e c) da Portaria 197-A/95, de 17/3.

Só o Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1 - Tendo a recorrente interposto o presente recurso desacompanhada dos restantes...

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