Acórdão nº 0778/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Setembro de 2003
Data | 24 Setembro 2003 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A... recorre do acórdão que, no Tribunal Central Administrativo, concedendo provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou improcedentes os embargos de terceiro.
Alegou formulando o seguinte quadro conclusivo: 1. Deve reconhecer-se que a recorrente adquiriu pela prática reiterada de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade (art.ºs 1263 alínea a) do C.C. a posse legitimadora dos presentes embargos).
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Os actos praticados pela recorrente inverteram o título de posse (art.º 1263.º alínea d) do C.C.).
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Tendo o contrato promessa sido acompanhado da traditio e tendo a recorrente exercido os poderes de facto sobre a coisa deve ser-lhe reconhecida a presunção da posse. (art.º 1252.º n.º 2 do C.C.).
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O direito de retenção que a lei reconhece à recorrente no caso sub judice (art.º 755.º alínea f) C. C. confere-lhe legitimidade para deduzir embargos de terceiro (art.º 759º e 670.º do C.C.).
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Finalmente, e contrariamente ao admitido no douto acórdão recorrido, a própria lei - DL n.º 379/86 de 11 de Novembro - dá prevalência aos interesses da recorrente como detentora do direito de retenção sobre os da Caixa Geral de Depósitos como credora hipotecária.
A CGD alegou formulando as seguintes conclusões: 1. Para o promitente-comprador adquirir a posse do imóvel objecto do contrato promessa é necessário que ocorra a inversão do título de posse.
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A inversão do título de posse só se dá quando o possuidor, além de deter a posse de facto sobre a coisa pratique actos e exerça poderes como se proprietário se tratasse.
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Os factos dados como provados nos autos estão longe de configurar uma posse em que se verifica animus possidendi, não havendo dúvidas sobre tal situação.
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Assim sendo, não pode ser invocada a presunção do art. 1252 nº2 do CC, não tendo pois o aresto ofendido esta norma.
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O direito de retenção é um direito real de garantia que não de gozo e, como tal, não é incompatível com a penhora.
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Razão pela qual o crédito hipotecário prevalece sobre o credor que goza do direito de retenção sendo que este não pode obstar à penhora sob pena de violação do art. 835º do C.P.C, o que conduziria à paralisação do comércio bancário e à incerteza do direito.
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O aresto recorrido ao revogar a sentença de 1ª Instância do Tribunal Tributário, fez correcta aplicação do Direito e agiu em conformidade com as normas aplicáveis.
O EMMP entende que o recurso não merece provimento pois que, em regra, o promitente-comprador que beneficia da tradição do imóvel é mero detentor ou possuidor precário exercendo a posse em nome do proprietário e promitente-vendedor. Excepcionalmente o contrato-promessa pode transmitir a posse para o promitente-comprador se este se comportar como proprietário não merecendo esta situação enquadramento na matéria factual dos presentes autos.
Acrescenta que o direito de retenção sendo um direito real de garantia e não de gozo não confere tutela possessória por via dos embargos de terceiro.
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O acórdão recorrido fixou o seguinte quadro factual: 1)- Na execução fiscal nº 160138.5/92 instaurada contra B... por dívida à CGD, proveniente de um empréstimo que ascendia a 9.403.582$00, garantido pela hipoteca da fracção autónoma designada pela letra ...
correspondente ao ... - FT do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no Casal ..., ..., ... ... ..., freguesia da ..., ..., concelho da Amadora, descrita na Conservatória de Registo Predial sob o nº 9680, do livro B - 37, a fls. 36 v.º, foi penhora esta fracção em 7 de Março de 1994 (cfr. fls. 14 a 29); 2)- Por contrato promessa celebrado em 23 de Janeiro de 1984, o então marido da embargante prometeu comprar ao executado B... e este prometeu vender-lhe a mencionada fracção pelo preço de 2.600.000$00, recebendo 400.000$00 de sinal (doc. de fls. 222).
3)- Desde essa altura a embargante e o marido passaram a habitar a dita fracção, aí instalando o seu centro de vida familiar (doc. de fls. 72 a 128 e depoimento de fls. 132 e 133).
4)- A embargante divorciou-se entretanto, tendo na respectiva acção de divórcio por mútuo consentimento sido acordado que a ela ficaria reservado o direito de habitação exclusiva do andar prometido comprar (fls. 38 a 40); 5)- Continuou a embargante a manter o seu centro de vida familiar com a filha na fracção em causa, pagando, designadamente, as despesas de condomínio, telefone, água e electricidade (depoimento de fls. 132 e 133 e docs. de fls. 72 a 128) ; 6)- A embargante intentou a competente acção para que fosse proferida decisão judicial que produzisse efeitos de declaração negocial do faltoso promitente vendedor em ordem à execução do contrato promessa que foi registada em 3 de Fevereiro de 1993 e correu termos na 3.ª Secção do 4º Juízo Cível de Lisboa sob o nº 9011 e que foi julgada improcedente por sentença de 23 de Janeiro de 1995, transitada em julgado (fls. 8 e 62 a 65).
3.1. O acórdão recorrido identificou como objecto do recurso o de saber se a embargante, enquanto titular activa de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma que lhe foi entregue para habitação, detém a posse sobre ela por forma a poder deduzir embargos de terceiro contra a penhora levada a cabo em execução fiscal instaurada contra o titular passivo (promitente vendedor) desse contrato-promessa.
E para isso importaria determinar que espécie de posse tem a embargante, isto é, se possui em nome próprio com "animus possidendi", ou se é mera possuidora precária...
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