Acórdão nº 0866/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução18 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: ( Relatório ) "A..., S.A.

", com sede na Estrada ..., em Lisboa, interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa recurso contencioso do "acto de adjudicação da Câmara Municipal de Lisboa - Direcção Municipal Infra-Estruturas e Saneamento / Departamento de Higiene Urbana e Resíduos Sólidos, de 07.10.2002", pelo qual foi adjudicado à concorrente "..., S.A.

", no âmbito do concurso público internacional aberto pela C.M.Lisboa, o "fornecimento de 7.000 contentores de 240 litros em polietileno verde", invocando estar o acto recorrido ferido de vícios de violação de lei e de forma.

Por despacho judicial de fls. 32 e 32vº, o Sr. Juiz a quo considerou o seguinte: "Apesar de no cabeçalho da petição se referir a Câmara Municipal de Lisboa (tendo-se acrescentado em letra manuscrita tratar-se da Direcção Municipal Infra-Estruturas e Saneamento / Departamento de Higiene Urbana e Resíduos Sólidos), verifica-se que a recorrente, sob o nº 17 da petição, refere expressamente que "a adjudicação é assinada pelo Vereador ..., detentor do pelouro da Higiene Urbana (pelo menos assim se deduz da notificação) ...".

Nesta conformidade, sem necessidade de despacho de aperfeiçoamento, é este vereador da C.M.Lisboa que deve ser citado para intervir como autoridade recorrida nos presentes autos".

  1. Deste despacho foi interposto pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Vereador do Pelouro da Higiene Urbana e Resíduos Sólidos da CML recurso jurisdicional (admitido por despacho de fls. 266), em cuja alegação os recorrentes formulam as seguintes CONCLUSÕES: A) Por decisão vertida no despacho datado de fls. 32/32v., dos autos à margem identificados, o Mmo. Juiz a quo decidiu, oficiosamente e, sem necessidade de despacho de aperfeiçoamento, ordenar a citação do Vereador ... da Câmara Municipal de Lisboa para contestar os autos à margem identificados, em discordância com o pedido de citação da ora agravada efectuado na petição de recurso destes autos.

    1. O despacho de fls. 32/32v. dos autos não foi notificado aos ora agravantes, os quais apenas no dia 30/12/2002 tiveram conhecimento da sua existência através do despacho datado de 20/12/2002.

    2. A petição de recurso dos autos à margem identificados que foi enviada aos ora agravantes, não se encontrava corrigida, contendo, apenas e tão só, menções ao acto de adjudicação da Câmara Municipal de Lisboa, ao pedido de anulação do acto de adjudicação da Câmara Municipal de Lisboa, bem como de citação desta autoridade recorrida e não do Vereador ... .

    3. A petição de recurso da ora agravada nunca afirma que o autor do acto de adjudicação é o Vereador ..., muito embora o mesmo se encontre perfeitamente identificado no ofício de notificação e relatório, apresentados pela ora agravada em anexo à petição do recurso contencioso de anulação como documento n° 1.

    4. A decisão recorrida violou expressamente o art. 40° da LPTA, o qual apenas admite a correcção da petição do recurso contencioso de anulação, a convite do tribunal e se a errada identificação do autor do acto recorrido não constituir um erro manifestamente indesculpável.

    5. In casu, o erro de identificação do autor do acto recorrido é manifestamente indesculpável, aliás, tão manifesto, patente e óbvio, que bastou ao Mmo. Juiz a quo uma simples leitura do artº 17º da petição de recurso e do ofício n° 0808/DHURS-GGF/02, apresentado pela ora agravada em anexo à petição de recurso, como documento n° 1, para detectar imediatamente que o autor do acto recorrido era o Vereador ... e não a Câmara Municipal de Lisboa.

    6. Sendo manifestamente indesculpável o erro de identificação do autor do acto recorrido, não podia ser sequer corrigida a petição de recurso dos autos à margem identificados, pelo que, muito menos, podia o Mmo. Juiz a quo substituir-se à parte e, oficiosamente, suprir a ilegitimidade passiva da Câmara Municipal de Lisboa que se verifica nos presentes autos.

    7. Ainda que fosse entendido que o erro de identificação do autor do acto recorrido era desculpável, o que, sem conceder, só por mera hipótese se coloca, para cumprimento do disposto no artº 40° do LPTA, teria o Tribunal que convidar a ora agravada a corrigir a sua petição de recurso nos autos à margem identificados.

    8. Ao invés, o Tribunal a quo, sem qualquer despacho de aperfeiçoamento, e convite à ora agravada, supriu oficiosamente o erro de identificação do autor do acto recorrido, com manifesta violação do artº 40º da LPTA.

    9. Na decisão de fls. 32/32v. o tribunal a quo conheceu de questão de direito - ilegitimidade passiva da ora 1ª agravante - que não lhe era permitido conhecer sem as partes se pronunciarem, em violação expressa do n° 1 do artº 508º e artº 3° do C.P.C., com manifesto abuso de poderes processuais.

    10. O despacho de fls. 32/32v. é de notificação obrigatória aos ora agravantes, nos termos dos arts. 228º e 229º do C.P.C., tendo essa omissão do tribunal a quo causado prejuízo aos ora agravantes, dado que por despacho datado de 20/12/2002, não foi admitida a contestação apresentada pela ora 1ª agravante, determinando-se que a mesma não produz qualquer efeito nos presentes autos.

    11. A decisão recorrida para além de conter acto praticado com manifesto abuso de poder, ainda se encontra ferida de falta de fundamentação, pelo facto de o Mmo. Juiz a quo não ter mencionado quais as disposições legais que lhe permitiam suprir oficiosamente a errada Identificação do autor do acto recorrido, sem necessidade de despacho de aperfeiçoamento.

    12. A referida decisão de fls. 32/32v. também conheceu de questão de direito que não podia conhecer, sendo certo que este vício bem como a falta de fundamentação, tem como consequência, a nulidade da decisão ora recorrida.

    13. A decisão recorrida impede um desfecho do processo que seria favorável para as ora agravantes, estando, deste modo e contra legem, a tentar impedir-se que as agravantes utilizem todos os meios de defesa que por Lei lhe são permitidos, nomeadamente arguindo a ilegitimidade passiva da ora 1ª agravante.

    14. A decisão de fls. 32/32v. viola os princípios da legalidade, do inquisitório e do contraditório, bem como o direito de defesa e de tutela jurisdicional efectiva das ora agravantes, e ainda o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.

    15. O incumprimento do princípio da igualdade também se verifica pelo facto de, no mesmo Tribunal e Secção, se encontrarem a correr termos outros recursos contenciosos de anulação em tudo idênticos ao existente nos presentes autos.

    16. O tratamento desigual dos vários processos, bem como a decisão recorrida beneficiam notoriamente a ora agravada em detrimento das ora agravantes, encontrando-se, por isso, a decisão ferida de inconstitucionalidade, por violação dos arts. 13°, 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa.

    A recorrente contenciosa, aqui agravada, contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: 1º A Agravante Câmara Municipal de Lisboa não é sujeito processual nos autos, pelo que não tem legitimidade para interpor o presente recurso.

    1. Outra posição que não a adoptada pelo despacho recorrido nem pode ser defendida pela Câmara Municipal de Lisboa, que noutro processo semelhante a este, e referenciado nas suas alegações (Recurso nº 349/02 da 1ª Secção do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa) invocou a sua ilegitimidade passiva por não ser a Autora do acto de adjudicação.

    2. O Vereador foi citado para contestar a petição do Recurso apresentada pela A..., pelo que não foi lesado nem tão pouco coarctada a sua defesa, e por isso não tem qualquer interesse em agir no presente recurso.

    3. O presente recurso deverá ser desde logo rejeitado por falta de legitimidade e interesse em agir dos Agravantes.

    4. O Juiz a quo ordenou a citação do Vereador, e fê-lo correctamente, uma vez que apercebeu-se da imprecisão meramente formal em que incorreu a Agravada, e ainda porque os factos necessários para chegar a essa conclusão se encontravam claramente vertidos no corpo da petição inicial, não existindo por isso uma substituição do papel do Recorrente.

    5. Acrescente-se que o fez ao abrigo do princípio do inquisitório, que no direito contencioso administrativo tem por conteúdo um papel activo do Juiz na direcção do processo, e que determina a prática de actos processuais destinados a possibilitar ao tribunal a melhor concretização da justiça material.

    6. O direito administrativo contemporâneo pugna pela "sobreposição do imperativo de justiça aos conceitualismos formalistas que desnecessariamente inibem a reposição da legalidade nas situações concretas".

    7. Ainda que esta tese não vingasse, poderia a Agravada A... ser convidada a sanar o eventual erro, pois se o art. 40º da LPTA admite a sanação de erro que não seja manifestamente indesculpável, o que já vimos não ser...

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