Acórdão nº 0911/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução18 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do TAC de Lisboa que, por intempestividade na sua interposição, rejeitou o recurso contencioso que ela deduzira «das deliberações da Câmara Municipal de Lisboa e da Assembleia Municipal de Lisboa, respectivamente de 26/1/81 e de 25/1/81, mediante as quais foram vendidos terrenos públicos afectos à Rua ..., à Rua ... e à Rua ...», e dos despachos do Presidente da mesma câmara, de 24/3/82, 15/12/82, 29/1/83, 13/9/88, 12/1/89 e 13/6/90, «que autorizaram o licenciamento de obras particulares sem que tivesse sido salvaguardado o ónus existente sobre as parcelas de terreno em causa de passagem pública para peões e veículos».

O recurso contencioso fora dirigido contra aqueles órgãos autárquicos e contra ..., S A.

A recorrente terminou a sua alegação de recurso, formulando as conclusões seguintes: 1 - A decisão recorrida revela-se deficiente, obscura e contraditória e padece de erro de julgamento.

2 - Com efeito, consta do processo que o prédio da recorrente tem entrada e saída de pessoas e bens pela Rua .... Pelo que deve discriminar-se como tal, alterando-se a redacção do facto constante do parágrafo 5.º dos Factos.

3 - As recorridas sabiam, e consta do processo, que a Rua ... dá acesso a pessoas e bens à Rua D. ... e vice-versa.

4 - Sendo vias do domínio público, são, por natureza, insusceptíveis de apropriação individual.

5 - Na escritura pública de 28/9/81, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ficou consignado que os outorgantes «reconhecem que sobre cada uma das parcelas identificadas na petição de recurso existe uma passagem pública para peões e veículos». Essa passagem pública corresponde manifestamente à Rua ...

6 - Por escritura pública de 14/1/88, cujo teor se dá também por integralmente reproduzido, os adquirentes na escritura anterior, referida na conclusão 5.ª, declararam vender um lote de terreno para construção, devidamente identificado na petição de recurso e sito na Rua ... Constando da respectiva descrição a passagem pública para peões e veículos. Essa passagem pública para peões e veículos é feita pela Rua ..., como foi reconhecido expressamente em ambas as escrituras.

7 - Pelo que, como tal, deve constar dos Factos com referência aos parágrafos 3.º e 4.º dos Factos.

8 - E eliminar-se a expressão «e a Rua ...», constante do parágrafo 11.º dos Factos.

9 - O parágrafo 12º dos Factos é constituído por duas partes: a primeira é conclusiva e a segunda está em contradição com os factos anteriormente descritos e reconhecidos, pelo que deve ser eliminada. Aliás, situando-se aquele lote privado entre a Rua ... e a Rua ..., não pode dividir-se qualquer destas ruas, como ressalta desde logo do cotejo da sua confrontação.

10 - Em contradição com os factos anteriormente discriminados na Decisão recorrida está também o facto descrito no parágrafo 13.º dos Factos, na medida em que aí se diz que o terreno obstruía, por si, independentemente da aquisição das parcelas vendidas, a Rua ..., o que não é verdade nem é possível.

11 - Quanto ao facto constante do parágrafo 15.º, revela obscuridade e contradição porque, segundo decorre do processo da entidade recorrida, a construção seria permitida em arco, sobre a Rua ..., mantendo-se sobre a mesma rua a respectiva passagem pública de peões e veículos, à semelhança do que acontece em outras ruas da cidade e que a recorrente admitiu como derradeira hipótese aceitável. Pelo que deve ser eliminado.

12 - Como decorre, nomeadamente das escrituras antes referidas, o lote de terreno privado não podia garantir a passagem pública de peões e veículos pela simples razão de que a única passagem pública existente para peões e veículos é a Rua do ..., estando aquele terreno confinado à Rua ... e à Rua do ..., não sendo a recorrente responsável pelo equívoco ou confusão criados ao douto julgador. E, sendo esse terreno distinto das parcelas desafectadas e vendidas, deve ser alterado o parágrafo 16.º dos Factos, pondo-o em sintonia com as mencionadas escrituras.

13 - Quanto ao parágrafo 17.º dos Factos, apenas deverá constar que no prédio em construção pela recorrida particular foi feita uma abertura em arco do lado da Rua ..., que dá acesso directo de pessoas e veículos (entrada e saída) aos quatro pisos inferiores (subterrâneos) do prédio, como aliás consta do processo e é patente.

14 - O arruamento referido no parágrafo 18.º dos Factos não passa de uma pequena passagem em rampa, que foi construída em terra batida, da Rua ... para a Rua ..., na altura da colocação do estaleiro para a construção do prédio. Pelo que deve como tal ser considerado.

15 - A decisão recorrida não tomou em consideração que, com a implantação do prédio pela recorrida particular sobre a Rua ..., fica eliminada a passagem pública de peões e veículos constante das referidas escrituras, como evidenciam os autos. Pelo que também deve constar da discriminação dos Factos.

16 - As recorridas declararam reconhecer que sobre as parcelas vendidas existe uma passagem pública de peões e veículos que é feita pela Rua do ..., que dá acesso à Rua ... e vice-versa.

17 - Sabiam, pois, as recorridas que a Rua do ... é uma via pública de passagem para peões e veículos.

18 - Que a recorrente, seus familiares e mais utentes sempre utilizaram, designadamente de e para a sua morada.

19 - A entidade recorrida, autorizando o licenciamento de construção das referidas edificações sem que tivesse sido respeitado aquele ónus que em actos anteriores reconheceu expressamente e aceitou existir, actuou em flagrante contradição com essa sua conduta anterior e em desconformidade com a restrição imposta em favor do interesse público, que se reflecte e toma expressão do RGEU.

20 - Os actos da entidade recorrida, autorizando o licenciamento das referidas edificações sem que tivesse sido salvaguardada a restrição imposta, não se enquadram nas suas atribuições.

21 - É manifestamente contraditória e desconforme com os actos anteriormente praticados pela mesma entidade recorrida.

22 - E invade direitos fundamentais da recorrente, como o direito a uma boa qualidade de vida, de circulação, a um ambiente equilibrado e sadio, à segurança, etc.

23 - Ofendendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito a que alude o art. 334º do Código Civil.

24 - Pelo que tais actos são nulos, nomeadamente nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 88º do DL n.º 100/84, de 29/3, e por natureza, e ofendem manifestamente elementares princípios da boa fé e de bons costumes por que se deve pautar uma pessoa de bem.

25 - Ainda que de mera anulação se tratasse, o prazo para o efeito só podia começar a correr quando o direito pudesse ser exercido por parte da recorrente.

26 - Tal prazo não pode começar a correr antes de o direito se subjectivar, de contrário o direito pode vir a precludir antes mesmo de poder ser exercido, o que não é legal, nem razoável. Pelo que o prazo só deverá contar-se a partir da data do conhecimento.

27 - A recorrente dirigiu-se ao tribunal quando suspeitou que a implantação do prédio pela recorrida sobre a Rua do ... eliminava a passagem pública de peões e veículos.

28 - Em todo o caso, a decisão recorrida é omissa quanto à data em que as decisões impugnadas entraram em vigor e a data em que a recorrente teve conhecimento, pelo que, neste caso, será nula nos termos do art. 668º, n.º 1, als. b) e c), do CPC, que se invoca para os efeitos legais.

29 - A decisão impugnada desrespeitou as normas dos artigos 16º, 17º, 18º/1, 20º/4 e 5, 25º/1, 66º/1 e 237º/2, da Constituição da República Portuguesa e do disposto no art. 6º/1 da convenção Europeia dos Direitos do Homem ratificada pela Lei 65/78, de 13/10, e no art. 29º/2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

As entidades recorridas contra-alegaram, defendendo que os actos contenciosamente impugnados não são nulos e que, tendo sido publicados entre 1982 e 1990, foi extemporaneamente interposto o recurso contencioso, que só entrou em juízo em 7/6/95. Consideraram, assim, que a decisão «sub censura» deve ser mantida.

Contra-alegou também a recorrida particular atrás indicada, que ofereceu as conclusões seguintes:

  1. A matéria de facto julgada provada não merece qualquer censura porquanto a mesma resulta dos documentos juntos aos autos, devendo manter-se inalterada.

  2. Resulta dos documentos que, antes da desafectação das parcelas vendidas, não existia nas mesmas qualquer via pública construída e que, nas parcelas 4, 5 e 6 da planta n.º 17.948 constante de fls. 42 do processo instrutor, e na sequência das edificações, garante-se a passagem pública a peões e veículos, conforme consta da escritura de compra e venda de doação, bem como da respectiva certidão da Conservatória do Registo Predial, foi feita uma passagem para peões e veículos da Rua ... para a Rua ..., n.º 1 a 13, existindo ainda, além deste acesso, um arruamento alcatroado que liga as Ruas ... e ...

  3. Os actos sob recurso não padecem de nulidade ou de qualquer outro vício que determine, nomeadamente, a anulabilidade dos mesmos, e isto porque não ocorreu violação do «conteúdo essencial» de um direito fundamental nem ocorreu sequer violação meramente periférica, lateral ou indirecta de um direito fundamental.

  4. A entidade...

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