Acórdão nº 01854/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2003

Magistrado ResponsávelFERNANDA XAVIER
Data da Resolução17 de Junho de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, os juizes da 2ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO A... e mulher, B...

e mulher, C... e mulher, D... e mulher, .... e mulher, ..., ... e mulher, com os sinais dos autos, interpõem recurso da sentença do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, que negou provimento ao recurso contencioso, que os recorrentes interpuseram da deliberação da Câmara Municipal de Ovar, de 15.06.2000, que licenciou a obra requerida por "E...", recorrida particular.

Termina as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: A) Por constarem no processo todos os elementos probatórios que serviram de base à decisão recorrida - cfr. Nº1 a) do artº712º, do CPC, designadamente os que respeitam à procedência dos invocados vícios de nulidade absoluta ou/e anulabilidade por violação dos artº58º e 73º do RGEU, deverão V. Exas. declarar nula ou anular a douta sentença recorrida, substituindo-a por douto Acórdão que dê provimento ao recurso contencioso interposto pelos recorrentes no tribunal recorrido. Ou se assim não for atendível, B) Declararem, por douto acórdão, nula a douta sentença recorrida, nos termos das als. B), C) e D) do nº1 do artº668º do CPC, baixando os autos à primeira instância para suprir esses mesmos vícios, se necessário, repetindo-se a própria audiência de julgamento.

Contra-alegou a autoridade recorrida, concluindo assim: 1) A douta sentença recorrida pronunciou-se expressamente sobre o vício de nulidade invocado, remetendo a sua apreciação para as normas urbanísticas consagradas nos artº58º e 73º do RGEU, na medida em que o que estava em causa não era o direito ao ambiente, consagrado no artº66º da CRP, mas especificamente o urbanismo ou o ordenamento do território, no que concerne aos afastamentos entre edificações, como forma de aferir a sua salubridade. Mesmo que assim não se entendesse, sempre ficou provado que apenas alguns vãos de janela das edificações é que supostamente ficariam prejudicados, que a maior parte desses vãos não se encontra nas fachadas hipoteticamente prejudicadas, as quais estão, inclusivamente, fechadas com marquises.

2) Seguidamente, procedeu-se a uma fundamentação de facto e de direito, apurando-se que, efectivamente, e de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a execução da obra licenciada, cuja construção se processa a uma distância de três metros de habitação dos recorrentes, não obsta ao arejamento; prejudica a iluminação natural, mas não a impede; ficando também assente que nenhum dos compartimentos das fracções em causa ficam privados de exposição directa ao sol- mesmo as fracções do r/ch e do 1º andar, as mais prejudicadas, continuam a fruir da exposição solar.

3) Corroborando o exposto, temos que a fundamentação da matéria de facto dada como provada baseia-se na prova testemunhal produzida e nos pareceres técnicos (alguns capazes de suscitar dúvidas) e jurídicos (os quais se pronunciam pela legalidade do acto recorrido) carreados para o processo para o processo (um parecer, de 17.05.99, da Câmara Municipal de Ovar; um extenso e fundado parecer jurídico de 18.01.00; dois pareceres da CCRC e da DRRA de 30.11.99 e de 13.03.00 e um parecer por nós proferido), concluindo-se que o prédio a construir não provocará a falta de arejamento (pois o afastamento de três metros é suficiente para o permitir, mesmo ao nível do r/ch) ou de insolação (mesmo a habitação do r/ch terá exposição directa ao sol pelo menos durante uma hora), continuando as habitações dos recorrentes a usufruir de condições de habitabilidade. Realce-se que o acto recorrido não encontra fundamentação contraditória nos « pareceres contraditórios» do Dr. ... e da CCRC, pois esta última entidade orienta a sua opinião no sentido da legalidade do acto em apreço, referindo que concorda com o parecer do ilustre jurista no sentido de a questão não ser líquida e que o STA já havia decidido no sentido favorável ao licenciamento.

4) Por conseguinte, a instância decidenda analisou a matéria probatória, apreciando os dados que considerou mais relevantes para a decisão do caso emergendo (não estando obrigada a seguir o parecer técnico de ensombramento, pois, como referimos anteriormente, não era este o único elemento a ter em conta), sendo que concluiu que as habitações dos recorrentes não deixariam de ter arejamento, iluminação natural e salubridade.

5) De acordo com o Ac. STA de 20.10.99 proferido no proc. Nº45026, em que foi relator o Juiz Conselheiro Abel Atanásio, «o disposto no art.º 58º do RGEU visa assegurar as condições de arejamento, iluminação natural e exposição solar apenas da construção ou reconstrução a licenciar e não dos prédios vizinhos pré-existentes». Provando-se que nenhum destes objectivos é posto em causa, na medida em que o arejamento e a iluminação natural não são impedidos e que mesmo as fracções do r/ch, as mais prejudicadas, continuam a usufruir de, pelo menos, uma hora de exposição directa solar (recorde-se que o ordenamento jurídico - legal português não dispõe de um normativo que consagre o número de horas médias ou ideais de exposição solar, sendo certo que a «ratio legislatoris» pretende que seja assegurada a exposição aos raios solares e que o direito comparado é apenas um «gens relationis» e não uma directiva), não há qualquer violação ao artº58º do RGEU.

6) Esta fundamentação não é, sequer, necessária, uma vez que o artº58º do RGEU regula a edificação em conjunto, «a construção ou reconstrução de qualquer edifício (...)», pelo que jamais poderá ser aqui aplicado. Na verdade, do que se trata no presente processo é de janelas dos compartimentos das fracções dos recorrentes correspondentes a uma das várias fachadas do edifício e não da edificação no seu todo.

7) O mesmo se diga relativamente ao preceituado no artº73º do RGEU. Na verdade, a interpretação que tem sido perfilhada orienta-se no sentido de que esta apenas se aplica aos casos em que os edifícios a construir tenham janelas que deitem para um muro ou fachada fronteiros, pretendendo evitar a devassa de um prédio por outro, vale que o artº 1360º do CC também acolhe- Cfr. Ac. STA de 05.02.2002, proferido no proc. Nº 47.524, da 2ª...

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