Acórdão nº 0688/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução29 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O Estado Português, representado Pelo Magistrado do Ministério Público, vem recorrer da decisão do TAC de Coimbra, de 31.10.02, que julgou procedente a acção emergente de responsabilidade civil que lhe foi movida por A... S.A.

Na alegação que apresentou formulou as seguintes conclusões:

  1. Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, não podem considerar-se verificados os pressupostos da responsabilidade por acto lícito.

  2. O art.º 9 do Decreto-Lei n.° 48051, considera que o prejuízo sofrido na esfera jurídica do particular, para adquirir relevância ressarcitória, tem de configurar-se como especial e anormal.

  3. Não estando em causa a legalidade do acto, o que importa determinar, é se a A. sofreu, atentas as circunstâncias descritas e provadas nos autos, um prejuízo especial e anormal.

  4. Para que um prejuízo se possa ter por especial é necessário que se prove que um cidadão ou grupo de cidadãos tenha sido, através de um encargo público, colocado em situação desigual em relação à generalidade das pessoas.

  5. Para que um prejuízo possa considerar-se anormal, é necessário que ultrapasse o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade, mesmo no âmbito de um Estado intervencionista como é o Estado moderno.

  6. Traduzindo verdadeiros conceitos indeterminados, a "especialidade" e a "anormalidade" de um prejuízo, representam antes de tudo, realidades cuja exacta determinação depende da situação factual e concreta que lhes está subjacente.

  7. Ora, ficou provado que as pernas de porco foram apreendidas por suspeita de estarem contaminadas com dioxinas, e que não foi possível determinar a origem dos produtos, ou devolvê-los à Bélgica.

  8. Tendo o produto sido apreendido por determinação da Comissão Europeia, e havendo a suspeita de contaminação, a salvaguarda da saúde pública determinava que o Estado mantivesse tal produto sob seu controlo.

  9. Por isso, o produto tinha necessariamente de se manter apreendido nas instalações da A., por falta de alternativas.

  10. Mas isto é o risco normal que qualquer comerciante ou industrial corre na sua actividade, nomeadamente quando adquire produtos no estrangeiro.

  11. Qualquer comerciante ou industrial, pode ver os seus produtos apreendidos, desde que se suspeite que estão contaminados, e mesmo que a contaminação não seja da sua responsabilidade.

  12. Ora o Estado não tem o dever de cobrir o risco de um negócio mal sucedido, nomeadamente porque não houve um prejuízo imposto à A., do qual tenha resultado um beneficio para a comunidade em geral.

  13. Por isso, não se encontra preenchido o requisito do encargo ou prejuízo especial, ou anormal, já que a A. não sofreu um prejuízo que qualquer outro comerciante ou industrial, nas mesmas condições, não possa vir a sofrer.

  14. Assim, a douta sentença violou o disposto no art.º 9° do DL 48051.

  15. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente absolvição do R. Estado do pedido.

A recorrida concluiu assim a sua: 1. Salvo o devido respeito, o recurso jurisdicional interposto pelo ilustre representante do Ministério Público não tem o menor fundamento, não só por este Venerando Supremo Tribunal já ter negado provimento a um outro recurso jurisdicional por ele interposto numa acção exactamente idêntica e em que em causa estava a mesma conduta dos órgãos do Estado (v. Ac. de 16/5/2002, proferido no Proc. n° 509/02), mas, igualmente, por a tese nele sufragada - o prejuízo sofrido é normal na vida em sociedade - espelhar a natural tentação dos povos latinos não se considerarem responsáveis nem gostarem de ser responsabilizados (v., neste sentido, FAUSTO DE QUADROS, Responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, págs. 8 e 9).

Com efeito, 2. O art.º 22° da Constituição consagra o direito à indemnização pelos prejuízos decorrentes da actividade estadual, abrangendo quer a responsabilidade por actos ilícitos quer a responsabilidade por actos lícitos (v., G. CANOTILHO e V. MOREIRA, CRP Anotada, 3° ed., pág. 169, VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, pág. 337, e JORGE MIRANDA, O regime dos direitos, liberdades e garantias, in Estudos sobre a Constituição, Vol. III, pág 65), pelo que "...para que haja responsabilidade dos entes públicos basta que da acção ou omissão dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes resulte prejuízo para outrém, sem necessidade de violação de direitos" (v. JOSÉ LUIS MOREIRA DA SILVA, Da responsabilidade civil da administração Pública por actos ilícitos, in Responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, coordenação de Fausto de Quadros, pág. 156 e 157).

  1. O art.º 9 do DL 48051, de 21/11/67, consagra igualmente a responsabilidade civil do Estado e demais agentes públicos por actos lícitos, a qual se fundamenta no princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos (v., por todos, MARIA LÚCIA AMARAL, Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar, Coimbra Editora, 1998, pág. 455), uma vez que "se um direito tem de ser sacrificado ao interesse público, toma-se necessário que esse sacrifício não seja iniquamente suportado por uma pessoa só, mas que seja repartido pela comunidade" (cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10° ed., 2° vol., pág. 1239). Ora, 4. No caso sub judice estavam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos, conforme, aliás, já foi reconhecido por este douto Tribunal e pelo Venerando Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 16 de Maio de 2002 (Proc. nº 509/02) ao condenarem o Réu por os seus serviços terem apreendido, por mera tutela cautelar, as pernas de porco adquiridas na Bélgica por outra empresa que se encontrava em situação exactamente idêntica à da ora A..

Consequentemente, 5. Tendo sido dados por provados todos os factos constantes dos art.º 1 a 31 da base instrutória, não podia o aresto em recurso deixar de considerar totalmente procedente a acção...

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