Acórdão nº 0735/03 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelABEL ATANÁSIO
Data da Resolução21 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO A... SA, e ... Lda., em consórcio, recorrem da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente o recurso contencioso interposto da deliberação do Conselho de Administração do ICOR- Instituto para a Construção Rodoviária, actual IEP- INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL, que indeferiu o recurso hierárquico e tutelar interposto nos termos do art° 99° do DL 59/99, de 2 de Março, da decisão da Comissão de Abertura de Concurso relativa ao "Concurso Público para Adjudicação da Empreitada Variante à EN 365-4- Ligação da EN 243 (Videla) a Alcanena", e que o excluiu da grelha de concorrentes admitidos à segunda fase daquele concurso público.

Para tanto alegaram, concluindo como segue: "CONCLUSÕES I.

A CAC fez a verificação dos documentos de habilitação referenciados no item 15.1, al. e ), do programa de concurso, ou seja, fez a verificação dos certificados de habilitações literárias e profissionais dos quadros da empresa e dos responsáveis pela orientação da obra, de acordo com o estipulado na cláusula 13.12 do Caderno de Encargos, designadamente dos: Director Técnico da empreitada; Representante permanente do empreiteiro na obra; Responsável pela frente de estrada; Responsável pela Área do Ambiente; Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos Responsável pelo Sistema de Higiene, Segurança e Saúde, e considerou que o Consórcio deu cumprimento ao exigido no Programa de Concurso.

II.

E por isso fez constar no seu relatório, sob o n° 3 -Verificação dos Documentos no Acto Público: "Após a verificação dos documentos de habilitação, das propostas e documentação a elas anexa, apresentados pelos concorrentes, a Comissão de Abertura do Concurso, deliberou admitir todos os concorrentes, bem como as suas propostas". Deste modo, III.

Em fase procedimental anterior a CAC verificou que o Consórcio, ora recorrente, tinha instruído o seu processo de candidatura à adjudicação da presente obra, com toda a documentação exigida no anúncio e programa de Concurso e deliberou, consequentemente, que por ter as condições técnicas e específicas exigidas pela natureza da obra, estava habilitado para nele participar, IV.

Sendo essa decisão constitutiva de direitos do Consórcio recorrente.

V.

Por outro lado, como se evidencia pelo disposto no ponto 13.12 do Caderno de Encargos, o dono de obra exigia a afectação à obra de três Engenheiros Civis. Ora, VI.

As recorrentes, como se verifica pelos documentos de habilitação juntos aos autos, para dar cumprimento ao disposto no item 15.1, al. e) do programa de concurso, afectaram à obra quatro Engenheiros Civis. Assim sendo, VII.

Como as regras do concurso apenas exigiam três Engenheiros CIVIS, e as recorrentes apresentavam quatro, a CAC devia ter admitido condicionalmente o Consórcio recorrente na primeira fase de verificação dos documentos (possibilidade amplamente conferida pelo n° 3 do artigo 92° do Decreto-lei n° 59/99, de 2 de Março) e fixar-lhe prazo para suprir a irregularidade de ter apresentado um engenheiro com formação académica na área de Geotecnia - Escavações e Fundações, para Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos.

VIII.

O direito a essa correcção, por se estar apenas perante uma formalidade não essencial - um mero incumprimento formal do Caderno de Encargos -, não afectava os interesses do dono da obra e dos outros concorrentes e também não influenciava o conteúdo da proposta, directa ou reflexamente, uma vez que se estava, como se disse, perante uma irregularidade que constituía uma formalidade não essencial e de pequena gravidade.

IX E também não estaria, com tal conduta, a CAC a privilegiar o recorrente em detrimento de outros, já que em "substância" o concorrente apresentava mais Engenheiros civis do que os que o dono de obra exigia no programa de Concurso.

X.

A CAC podia ter tido essa intervenção expurgadora do apontado vício formal, mas, ao não tê-la, sanou-o, devendo considerar-se definitivamente que o Consórcio recorrente estava habilitado, face à análise de todos os documentos que apresentara, nos termos do que se dispunha no item 15.1, al.

e) do programa de concurso. Por outro lado, XI.

A Comissão não fez a adequação dos técnicos a afectar à obra, sendo certo que se tivesse analisado os conteúdos curriculares, bem poderia vir a concluir que a experiência profissional e curricular do técnico indicado para Responsável da Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos, era adequada, XII.

O termo adequação implica a análise do conteúdo dos documentos apresentados, o que não foi feito. Pois, XIII A deliberação de exclusão do Concurso por parte da CAC, fundamentou-se tão-só na divergência entre a habilitação académica do técnico exigido no Programa de Concurso e a do técnico proposto e, assim, A SUA DELIBERAÇÃO NÃO SE FUNDAMENTOU NA INCAPACIDADE TÉCNICA DO CONSÓRCIO, XIV.

Tanto mais que a CAC até reconheceu, como resulta do relatório, que: "Do ponto de vista técnico, este concorrente conta no seu currículo com obras similares às do presente concurso e dispõe de uma relação de equipamentos adequada à obra e dispõe de um conjunto de técnicos pertencentes aos quadros das empresas, onde figuram técnicos qualificados para as diversas especialidades da empreitada, conforme já referido." (sic. 5.3.2. do relatório da CAC).

XV.

Temos, assim, que a CAC na fase de habilitação e fazendo a análise formal dos documentos apresentados, admitiu o Consórcio.

XVI.

Numa segunda fase, ou seja, na fase de qualificação e com recurso à mesma análise formal e dos mesmos documentos - habilitações académicas -, excluiu-o! XVII.

A correspondência entre o disposto no n° 15.1, al. e) do programa de concurso e a citada cláusula 13.12 do Caderno de Encargos, tem que ser equacionada com todo o disposto nessa mesma cláusula 13.12. E, XVIII.

Essa cláusula 13.12, ao falar em adjudicatário e não em concorrente, pressupõe que a indicação do responsável para a Gestão do Sistema de Auto-Controlo de qualidade dos Trabalhos deva ser feita em tempo posterior, já depois da adjudicação.

XIX.

Aquela cláusula, e designadamente na parte em apreço, está, assim, teleologicamente ligada à execução da obra ou do contrato, e não ao processo concursal e, muito menos, com o âmbito restritivo que a CAP lhe fixou e a recorrida subscreveu, ou seja, com a natureza de ser critério de qualificação dos concorrentes para efeitos do disposto no citado artigo 98°.

XX.

Acresce ainda que a prática reiterada da recorrida tem sido a de considerar que não é essencial para o exercício das funções de Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos um engenheiro com a habilitação académica de Engenharia civil.

XXI.

Como resulta dos factos provados, são inúmeras as empreitadas para as quais a recorrida entendia que o perfil do técnico Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo da Qualidade dos Trabalhos é o de um técnico qualificado para a função.

XXII.

Por outro lado, já depois da abertura de concurso desta obra continuou a recorrida a ter aquele mesmo entendimento, XXIII.

E não é caso de concluir que cada obra é um caso. Na verdade, XXIV.

A recorrida apresenta para todas as obras referidas o mesmo Caderno de Encargos tipo - Volume II:00 - Controlo de Qualidade; Capítulo 14.00 - Controlo de Qualidade -, onde são definidas as prescrições para os materiais a utilizar nas empreitadas, tipos de ensaios a realizar, equipamento laboratorial a colocar em obra e relação dos meios necessários para a obra.

XXV.

Esse Capítulo 14.00 preconiza metodologias e ensaios para o controlo e garantia da qualidade das empreitadas (não diferindo de obra para obra), sendo que o responsável pela sua execução e implementação tem sempre o mesmo tipo de trabalho a realizar. Assim sendo, XXVI.

Se a recorrida não altera o Caderno de Encargos para as obras em causa, não tem que alterar o perfil do técnico.

XXVII.

Revela-se, assim, desconforme com a legalidade instituída e com o direito à transparência nas decisões que se esperam, que em empreitadas com o mesmo Caderno de Encargos, no tocante ao Capítulo 14.00- Controlo de Qualidade, para umas a recorrida exija um técnico com o perfil de Engenheiro civil para as funções de Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos e para outras, e para as mesmas funções, um técnico qualificado para a função! XVIII.

Assim, é claramente sem razão válida que a recorrida nestes autos insista no carácter da essencialidade de tal habilitação académica para as funções de Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos, quando fora deles, vem desmentindo objectiva e sucessivamente tal carácter de essencialidade, através da prática de actos que a contrariam.

XXIX.

Há um comportamento procedimental inequívoco praticado ao longo do tempo pelo dono de obra, quer antes da decisão ora em crise, quer depois, em tudo contrário ao que é exigido no concurso em que as reclamantes foram excluídas. Ora, XXX.

Esse comportamento procedimental anterior criou no Consórcio recorrente a convicção séria, ou seja, a confiança, de que a recorrida consideraria conforme ou em conformidade com o estipulado no Programa de Concurso e demais documentação concursal, a indicação de um engenheiro licenciado em geotecnia para o efeito de ficar Responsável pela Gestão do Sistema de Auto-Controlo de Qualidade dos Trabalhos XXXI.

O dono de obra, ao ter criado uma expectativa séria e convicta de que não viria a extrair efeitos desfavoráveis para as recorrentes, que sempre agiram de boa-fé, colocou-se, ao manter a decisão de exclusão, em clara violação do princípio de boa-fé e da protecção da confiança.

XXXII.

A deliberação recorrida viola, assim, e frontalmente, os princípios da boa-fé, da segurança das situações jurídicas, da...

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