Acórdão nº 0672/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução21 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A... interpôs neste STA o presente recurso contencioso pedindo a anulação do despacho, de 8/3/02, do Sr. Ministro da Cultura que lhe indeferiu o pedido de autorização para a exportação de uma pintura flamenga a óleo sobre madeira do século XVI que havia adquirido em leilão público, sustentando que o mesmo sofria de vícios de forma e de violação de lei.

Para tanto alegou que o seu pedido tinha sido tacitamente deferido circunstância que o acto impugnado ignorou e que, sendo assim, e sendo que o acto impugnado se não fundou na ilegalidade do deferimento tácito o mesmo constituiu-se numa revogação ilegal.

Acresce que esse indeferimento não foi acompanhado da invocação de quaisquer circunstâncias que pudessem impossibilitar o deferimento da sua pretensão, nem remeteu para qualquer parecer ou informação onde as mesmas constassem, isto é, não se encontra fundamentado ou, a existir, a sua fundamentação é obscura e incongruente.

Tal indeferimento ofendeu, assim, o conteúdo essencial do direito de propriedade e os princípios da justiça e da proporcionalidade, na medida em que, sem justificação, impediu o pleno exercício desse direito causando prejuízos desproporcionados, violando, além disso, os princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da boa fé, da protecção da confiança, da segurança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos do Recorrente.

O Recorrente nunca foi notificado da proposta de indeferimento da sua pretensão.

Respondendo a Autoridade Recorrida excepcionou a sua ilegitimidade, alegando que o autor do despacho impugnado era o Sr. Secretário de Estado da Cultura, o que o Recorrente bem sabia já que tal lhe foi comunicado aquando da sua notificação.

Impugnando, alegou que desconhecia a venda da obra em causa, uma vez que as leiloeiras não têm por costume informar o Ministério da Cultura ou o Instituto Português de Museus de que irão pôr em praça peças de valor cultural relevante, pelo que, mesmo que o quisesse, não o poderia ter licitado.

O despacho recorrido sustentou-se na legislação que rege esta matéria e que, sendo assim, o Recorrente não sofrera nenhum agravo.

O alegado deferimento tácito não ocorreu não só porque atempadamente a sua pretensão foi recusada de forma expressa, mas também porque, a existir, o silêncio significaria, nos termos legais aplicáveis, o seu indeferimento.

Não se tendo formado qualquer deferimento tácito não é possível defender que tenha havido prolação de acto revogatório de acto constitutivo de direitos.

As notificações que dirigidas ao Recorrente foram endereçadas para o domicílio por ele escolhido.

As razões do contestado indeferimento colhem-se com meridiana clareza no instrutor.

Não foram, assim, cometidas as ilegalidades que se invocam na petição de recurso.

Em alegações finais o Recorrente formulou as seguintes conclusões : 1. O despacho sub judice violou clara e frontalmente o disposto nos art.s 13.º e 22.º da CP, 3.º e 6.º A do CPA e 8º/2 e 35.º da Lei 13/85, de 16/7, bem como os princípios constitucionais da justiça e da justa indemnização, pois que não se verificam in casu, nem foram invocadas quaisquer circunstâncias que impossibilitassem a exportação da pintura em causa, tendo-se extinguido faculdades ou restringido o direito de propriedade do Recorrente (art. 1305. do CC) sem qualquer indemnização (art. 204.º da cfr. art. 4.º/3 do ETAF).

  1. O acto recorrido enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito ou, pelo menos, esta é obscura, insuficiente e incongruente (art. 268.º/3 da CRP e os art.s 124.º e 123.º do CPA), pois dele não constam quaisquer razões de facto e de direito que o fundamentam e, além disso, as razões invocadas pela entidade recorrida são absolutamente irrelevantes, não admitindo a nossa lei qualquer fundamentação a posteriori.

  2. O despacho sub judice violou frontalmente o conteúdo essencial do direito de propriedade do ora Recorrente constitucionalmente consagrado no art. 62.º da CRP, tendo determinado a privação imotivada e arbitrária de faculdades que o integram sem qualquer indemnização (art. 17.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e cfr. art.s 8.º, 13.º e 18.º 62.º da CRP).

  3. O indeferimento da pretensão apresentada pelo ora Recorrente violou ainda os princípios da justiça, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da igualdade, da confiança e da boa fé (art.s 1.º, 2.º, 9.º/b, 13.º, 18.º, 1.º, 62.º, 268.º/4 da CRP e art.s 3.º, 4.º, 5.º, 6.º e 6.º A do CPA).

    Não foram apresentadas contra alegações.

    O Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    Mostrando-se colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO I.

    MATÉRIA DE FACTO.

    Com interesse para a decisão da causa julgam-se provados os seguintes factos : 1.

    Em 25/5/99 a empresa Leiria e Nascimento realizou um leilão de obras de arte no qual foi posto à venda uma pintura flamenga a óleo sobre madeira do século XVI, sem que tenha sido anunciada qualquer restrição ou condicionalismo à sua comercialização.

  4. O Ministério da Cultura, o IPM ou qualquer outra entidade pública não procederam a qualquer licitação no referido leilão, nem fizeram qualquer comunicação sobre eventuais direitos, ónus, limitações ou restrições relativamente à pintura em causa.

  5. O Recorrente licitou a referida obra de arte.

  6. E, em 24/1/00, requereu ao Sr. Ministro da Cultura autorização para a sua exportação para os EUA.

  7. Sobre tal pedido foi elaborada pelo Instituto Português de Museus a seguinte Informação: "Em 24/1/00 deu entrada neste Instituto um pedido de autorização definitiva para os EUA (Bernard Chauchet Care of Art Logistic Corp - New York) de uma pintura quinhentista representando a Santa Parentela pedido esse apresentado por B... como representante do requerente Sr. A..., de nacionalidade francesa.

    Na sequência do pedido apresentado foi por este Instituto solicitado ao Museu Nacional de Arte Antiga um parecer técnico sobre o interesse da peça para as colecções nacionais. Do parecer emitido pelo Dr. C...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT