Acórdão nº 039251 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução20 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A... e mulher, B..., identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado da Habitação, de 7/12/94, que lhes indeferiu o pedido de reversão de um prédio - rústico, com a área aproximada de 27.500 m2, sito no ..., ..., em Sintra, desanexado do prédio descrito sob o n.º 1375 da Conservatória do Registo Predial de Sintra - que fora objecto de expropriação a favor do Fundo de Fomento da Habitação, por força do despacho de 18/8/76, do Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção, publicado na II Série do DR de 31/12/76.

A Subsecção, através do acórdão de fls. 195 e ss. dos autos, negou provimento ao recurso contencioso. Para assim decidir, o aresto teceu, quanto ao mérito do recurso, as considerações que seguidamente resumimos: Que o acto não enfermava de nulidade por usurpação de poder.

Que os recorrentes não dispunham do direito de reversão, já que formularam o respectivo requerimento antes de haver decorrido o prazo de dois anos estabelecido no art.º 5º, n.º 1, do Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 438/91, de 9/11; e que era irrelevante que esse prazo já estivesse completado aquando da prolação do acto recorrido.

Que o acto não era anulável por vício de forma decorrente do não cumprimento do preceituado no art. 100º do CPA.

Que não havia que apreciar a invocada violação, pelo acto, dos princípios fundamentais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, pois os recorrentes não haviam concretizado «minimamente» essa denúncia.

E que o acto não ofendeu o conteúdo essencial do direito fundamental de propriedade, de que os recorrentes se diziam titulares.

Pelo acórdão de fls. 311 e ss., o Pleno da Secção revogou aquele aresto, fazendo-o exclusivamente com base em duas ordens de considerações: por um lado, entendeu que o referido prazo de dois anos não se aplicava ao caso em apreço, já que este concernia a um desvio do fim expropriativo, e não a uma mera abstenção da aplicação do bem ao fim; por outro lado, o Pleno afirmou que a ocorrência daquele desvio do fim era matéria controvertida, pelo que a Subsecção deveria averiguar da sua real existência.

No acórdão de fls. 335 e ss., a Subsecção reapreciou o recurso contencioso. Depois de proceder à ampliação da matéria de facto que, do acórdão de fls. 195 e ss., já constava, a Subsecção considerou que o fim dado ao terreno expropriado se harmonizara como escopo da expropriação - que seria a de satisfazer a necessidade de habitação social. Consequentemente, e reiterando as demais considerações que, constando do acórdão revogado, não haviam sido objecto da censura do Pleno, a Subsecção negou provimento ao recurso contencioso.

Os recorrentes recorrem desse aresto, formulando as conclusões seguintes: 1 - Nos autos existem elementos de facto que, por si sós, fundamentam o direito de reversão invocado pelos recorrentes e relativamente aos quais o tribunal «a quo» não fez qualquer referência (cfr. n.º 7, págs. 13 a 15 das alegações de 10/5/01), pois, ao contrário do que se decidiu no douto acórdão recorrido, o imóvel expropriado não se encontra (nunca esteve ou deixou de estar) adstrito aos fins que determinaram a respectiva expropriação.

2 - A declaração de utilidade pública refere expressamente que a expropriação «sub judice», promovida pelo FFH, se destinava à execução de um plano de habitação promovido pela Comissão para Alojamento de Refugiados, destinado ao realojamento de refugiados do Ultramar.

3 - No entanto, o terreno expropriado foi vendido à cooperativa C... e as fracções aí construídas foram vendidas a particulares (não refugiados) no mercado imobiliário, pelo que o terreno expropriado deixou de estar adstrito ao fim referido na conclusão anterior, pois do art. 3° dos estatutos da C... retira-se claramente que os seus fins são diversos das atribuições do extinto FFH e nada têm a ver com realojamento de refugiados: a C... e os seus associados prosseguem legitimamente fins de natureza privada, egoísta, e não fins de natureza social.

4 - Ao considerar , para negar aos recorrentes o seu direito de reversão, que se essa «habitação social era destinada a um ou outro extracto da população constituía factor secundário, uma vez que a necessidade primária a satisfazer era a de habitação social», o acórdão recorrido não procedeu a uma correcta apreciação dos factos, pois resulta claro da declaração de utilidade pública do imóvel em causa e dos documentos/procedimento que a suportam, que tal expropriação se destinava efectivamente à execução de um plano de habitação promovido pela Comissão para Alojamento de Refugiados destinado ao realojamento de refugiados do Ultramar , e não a qualquer outro extracto da população ou fins sociais. Assim, o acórdão recorrido interpretou e aplicou o art. 5° do Código das Expropriações no sentido de que o específico fim constante numa declaração de utilidade pública não releva na aferição do direito de reversão dos expropriados - o que releva, nessa tese, é o tipo de interesses genericamente prosseguidos, independentemente daquele concreto fim - o que implica desvirtuar por completo o instituto das expropriações por utilidade pública e o próprio direito de reversão, numa clara violação do direito fundamental de propriedade privada e da igualdade (arts. 13° e 62° da Constituição), pois a Administração Pública prossegue sempre o interesse público.

5 - As cooperativas de habitação destinam-se a desenvolver projectos habitacionais para os seus cooperantes e podem nada ter que ver com habitação social. De acordo com a informação do IGAPHE, a fls. 159 dos autos, a «parcela n.º 1 foi vendida à C... , destinando-se a mesma à directa e imediata realização e cumprimento dos seus fins estatutários, isto é, de construção de habitação para os seus cooperadores»: este fim nada tem a ver com «habitação social», pois é exactamente o que acontece com qualquer cooperativa que promova um empreendimento imobiliário de luxo, como acontece (facto notório), v.g., no Parque das Nações, onde a generalidade dos empreendimentos de luxo aí construídos foram promovidos por cooperativas (cfr. doc. 28-A, junto às alegações).

6 - O empreendimento desenvolvido pela C... não possui as características da habitação a custos controlados ou social, não sendo aplicável, no caso «sub judice», o regime que então vigorava para este tipo de habitação, nomeadamente o DL n.º 39/89, de 1 de Fevereiro, que regulava o regime de financiamento à iniciativa privada no âmbito de contratos de desenvolvimento para habitação (CDH) e que estabelecia um ónus de inalienabilidade pelo prazo de 10 anos (o regime das habitações construídas ao abrigo do CDH estava sujeito a registo e, neste caso, não foi estabelecido aquele ónus de inalienabilidade nem registado aquele regime - cfr. ponto 14 das alegações).

7 - O terreno foi expropriado para alojar refugiados do Ultramar - fim transitório - pelo que a sua definitiva venda a cooperantes de uma cooperativa que estatutariamente nada tem que ver com refugiados determina o definitivo afastamento dos fins prosseguidos pela expropriação «sub judice», pois o alojamento de refugiados pretendido com a expropriação não é a mesma coisa que vender fogos a cooperantes não refugiados, que estes podem revender no mercado imobiliário com relevantes vantagens económico-financeiras.

8 - Os recorrentes negociaram, acordaram e reduziram a escrito a expropriação amigável do terreno com expressa indicação a elementos relativos à Comissão para Alojamento de Refugiados, sem que alguma vez se tenha colocado a hipótese de os fogos a construir no terreno expropriado poderem ser vendidos a particulares com a faculdade de estes os poderem revender com relevantes vantagens económico-financeiras no mercado imobiliário.

9 - A declaração de utilidade pública desta expropriação é de 1976; a escritura de aquisição a favor do FFH é de 13/2/78, a escritura pública de aquisição pela C... para finalizar as construções nos terrenos expropriados só foi celebrada em 16/5/88 e o alvará de loteamento dos terrenos expropriados só foi emitido em 1992, sendo certo que, em 1992, já não existiam problemas relacionados com o realojamento de refugiados do Ultramar.

10 - A venda dos terrenos expropriados à C... e a subsequente venda dos fogos aí construídos a terceiros no mercado imobiliário implicou que o fim determinante desta expropriação tenha deixado de se verificar , pelo que deve ser reconhecido aos recorrentes o direito de reversão total ou parcial sobre o terreno expropriado (ou um sucedâneo indemnizatório ): ao interpretar e aplicar de forma diversa o art. 5° do CE, o acórdão recorrido violou frontalmente vários direitos e princípios fundamentais, designadamente o direito de propriedade privada consagrado no art. 62º, n.º 1, da CRP (direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estendendo-se-lhe o regime material destas, nomeadamente o que resulta do art. 18°, «ex vi» do disposto no art. 17º da CRP) e os princípios fundamentais do Estado de Direito, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (arts. 2°, 13°, 20º, 62º e 266° da Constituição).

Se não se entender nos termos que ficaram expostos nas conclusões anteriores: 11 - O acórdão recorrido não respeitou o acórdão do Pleno desta Secção, de 19/1/2000, e os princípios do inquisitório e da prossecução da verdade material (arts. 265º, 265°-A, 535° e 700º, n.º 1, al. a), do CPC, e art. 20º da Constituição), pois não ampliou a matéria de facto nos termos determinados neste acórdão de modo a permitir uma decisão devidamente fundamentada quanto ao direito de reversão invocado pelos recorrentes. Na verdade: a - Os dois únicos factos que o acórdão recorrido acrescentou à factualidade já provada são manifestamente insuficientes para a decisão acerca do invocado direito de reversão, pois só se referem (i) à declaração de utilidade pública e (ii)...

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