Acórdão nº 040051 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelADELINO LOPES
Data da Resolução08 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I - A..., registada em Inglaterra sob o nº 2325633, com sede em ..., ..., London, ..., England, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho, de 22 de Dezembro de 1995, do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações que indeferiu o pedido que havia formulado, em 30 de Outubro do mesmo ano, para explorar as rotas aéreas entre o Continente Português e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Por acórdão da 1ª Secção deste Supremo Tribunal foi negado provimento ao recurso.

A A..., não se conformando com o que ali se decidiu, interpôs o presente recurso para o Pleno da Secção formulando as seguintes conclusões da sua alegação, nas quais defendeu, além do mais, que o Tribunal deve "ponderar os termos do reenvio prejudicial para o TJCE, ao abrigo do artº 177º do TCE, por estarem em causa a interpretação e a aplicação de várias normas originárias e derivadas de direito comunitário, designadamente o artº 6º do tratado, o artº 189º, os artºs 3º, 2 e 4º do Regulamento 2408/92 e a Decisão da Comissão de 6 de Julho de 1994": O acto recorrido consistiu na rejeição da proposta da Recorrente que, ao abrigo do nº 11 do "Convite" publicado no JOCE nº C-223/16 de 29 de Agosto, respeitante a um procedimento administrativo de escolha de um único operador aéreo da Comunidade Europeia interessado em explorar, entre 1 de Janeiro de 1996 e 31 de Dezembro de 1998 um conjunto de rotas aéreas entre o Continente e as Regiões Autónomas, com respeito pelas obrigações de serviço público constantes da Comunicação nº 95/C 200/03, nos termos do artigo 4º do Regulamento (CEE) nº 2408/92, se propôs explorar essas rotas sem contrapartida financeira; 2. O fundamento jurídico da rejeição da proposta consistiu na aplicação à Recorrente, sociedade de direito inglês, sedeada no Reino Unido, das restrições constantes do nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 2408/92, considerando a entidade recorrida que a Recorrente não satisfez o requisito fundamental de ser uma transportadora autorizada a explorar esses serviços; 3. A Recorrente impugnou o acto cem o fundamento de que a aplicação ao caso "sub judice" das restrições contidas no nº 2 do artigo 3º do Regulamento 2408/92 configurava violação desse artigo 3º, do artigo 4º do mesmo Regulamento, da Decisão da Comissão nº 94/698/CE, de 6 de Julho de 1994 e do artigo 189º do Tratado da Comunidade Europeia.

  1. A Recorrente alegou ainda que o acto impugnado violava igualmente o princípio da igualdade de tratamento ínsito no art 5º do Código de Procedimento Administrativo e o princípio da não discriminação em função da nacionalidade ínsito no artigo 6º do Tratado da Comunidade Europeia. 5. A Recorrente alegou mais que o acto recorrido violava os deveres de imparcialidade, boa-fé e da prossecução da Justiça. que à Administração Pública se impõem observar. 6. A Recorrente também alegou que o acto impugnado, na medida em que discriminou deliberadamente a Recorrente para beneficiar conscientemente e de forma confessada a transportadora aérea nacional. em violação da legislação comunitária que ao Estado português se impunha observar, com o fim de beneficiar o interesse particular da TAP e em violação do interesse público expresso na legislação comunitária. está eivado de desvio de poder.

  2. A Recorrente alegou finalmente que o acto impugnado, ao apreciar a proposta da Recorrente, com pressupostos e exigências que não estavam contidos no "Convite" para apresentação de propostas, omitiu analisar as duas únicas questões que era lícito ao Estado, nesta matéria analisar em sede de admissão da proposta da Recorrente - saber se estavam preenchidas as duas condições necessárias e suficientes para poder apresentar a proposta, e esta ser aceite, no âmbito do nº 11 do "Convite" : 7.1. Observar as obrigações de serviço público constantes da Comunicação nº 95/C 200/03; 7.2. Possuir uma licença de transportadora aérea válida emitida por um Estado Membro e um certificado de operador aéreo.

  3. O Acórdão recorrido negou provimento ao recurso, considerando que era aplicável ao caso "sub judice" o artigo 3º, nº 2 do Regulamento 2408/92, porque: 8.1.A economia do diploma não evidencia qualquer relação de exclusão entre os artigos 4º e 3º, nº 2 do Regulamento; e 8.2.Porque a entender-se de modo diverso, o artigo 3º, nº 2 perderia muito do seu sentido, ficando os Estados prematuramente expostos a um a concorrência praticamente sem limites, nas suas rotas domésticas, ao contrário do pretendido.

    8.3. E ainda porque não decorria do contexto da Decisão da Comissão que devesse ser de outra maneira, uma vez que "(a Decisão) se reporta, sem mais, ao artigo 4º do Regulamento, deixando para a economia do diploma o sua contextualização".

  4. O Acórdão recorrido erra na análise jurídica que faz das disposições em causa, pelas razões que a Recorrente expõe em IV - A - 1 a 15 e 19 a 31; de onde que, 10. A invocação das restrições contidas no nº 2 do artigo 3º do Regulamento 2408/92, para fundamentar a rejeição da proposta da Recorrente, constitui uma violação desse mesmo artigo 3º, do artigo 4º do mesmo Regulamento e da Decisão da Comissão de 6 de Julho de 1994.

  5. A aplicação directa do direito comunitário e a primazia de que goza em face das ordens jurídicas nacionais, comina esta violação com vício de violação de lei que determina a anulação do acto praticado. O Acórdão recorrido, ao não atender estas evidentes razões de direito, violou a lei em vigor.

  6. O Acórdão recorrido omite pronunciar-se em termos compreensíveis para a Recorrente sobre a questão da discriminação em função da nacionalidade e consequente violação dos artigos 5º do CPA e 6º do TCE (ver supra IV-B-9).

  7. O Acórdão recorrido ignora ostensivamente os termos do artigo 6º do TCE, que se aplicam directamente na ordem jurídica interna e do qual qualquer cidadão se pode prevalecer e o princípio muito claro de proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, contido nesse artigo.

  8. A discriminação ocorreu, sem margem para dúvidas, e é a própria entidade recorrida que a confessa, facto que é registado pelo Acórdão recorrido, negando porém consequência jurídica a essa discriminação, por entender estar fundamentada no Tratado CE.

  9. Tal fundamento, quer se trate do artº 74º e seguintes do Tratado, ou do nº 2 do artigo 3º do Regulamento, não existe, e é jurisprudência assente do TJCE que constitui violação do artigo 6º do Tratado o tratamento discriminatório de proponentes em função da sua nacionalidade, sempre que um Estado-membro abre um procedimento de adjudicação de âmbito comunitário.

  10. O Acórdão recorrido violou pois o artigo 6º do TCE, ignorou o artigo 5º do CPA e por esse facto deve ser anulado.

  11. O Acórdão recorrido conclui pela não verificação de qualquer vício de desvio de poder no caso "sub judice" por considerar que o artº 3º, nº 2 do Regulamento 2408/92, comporta um poder discricionário, e que representa uma protecção legítima às companhias nacionais em nome dos interesses gerais da economia e do mercado; e ainda que, o fim que o Estado Português visou, de protecção legítima às companhias nacionais, está conforme com o fim subjacente à norma invocada, de onde extrai que não houve, portanto, desvio de poder nem violação da prossecução do interesse público.

  12. As alegações da Recorrente constantes de IV-C-7 a 15 expõem claramente o defeito do raciocínio do - Acórdão, concluindo que a entidade recorrida, com a sua actuação visou apenas - ao abrigo de um poder discricionário de que nesta matéria não dispunha - proteger a transportadora aérea nacional TAP, em completa violação do fim de interesse público contido e explicitado na Decisão da Comissão, que se citou, nas suas partes relevantes, entre outros, no ponto I-3, do presente recurso.

  13. A Recorrente conclui, portanto, que esse interesse público foi deliberadamente violado com o objectivo claro e confessado de excluir a Recorrente da prestação do serviço em beneficio da sua concorrente TAP. Foi a isto que a Recorrente chamou desvio de poder, como efectivamente é, sendo motivo suficiente, de per si, para determinar a anulação do Acórdão que decidiu em sentido contrário.

  14. O Acórdão recorrido pronuncia-se nos termos mais sumários sobre as alegadas violações dos princípios da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, concluindo que não ocorreram mas sem fundamentar essa conclusão, ao ponto de configurar uma omissão de pronúncia.

  15. Nos ponto IV-D-1 a 19, a Recorrente examina sucessivamente as sumárias considerações do Acórdão recorrido, concluindo sucessivamente pela procedência dos vícios invocados, pelo que, a omissão de pronúncia ou, as conclusões do Acórdão, se têm de ter por completamente erradas, termos em que deve o Acórdão, também a este título ser anulado.

  16. Finalmente, a Recorrente constata que o Acórdão agora recorrido omite completamente pronunciar-se sobre a improcedência da fundamentação de direito e de facto do acto recorrido, improcedência essa que a Recorrente expôs longamente na sua petição de recurso e nas respectivas conclusões, bem como nas alegações finais do recurso. A omissão de pronúncia sobre esta matéria é, só por si, razão suficiente para censurar o Acórdão recorrido.

  17. Acessoriamente, terá o Tribunal ad quem de ponderar os termos do reenvio prejudicial para o TJCE, ao abrigo do artigo 177º do TCE, por estarem em causa a interpretação e a aplicação de várias normas originárias e derivadas de direito comunitário, designadamente, o artigo 6º do Tratado, o artº 189º, os artigos 3º, 2 e 4º do Regulamento 2408/92 e a Decisão da Comissão de 6 de Julho de 1994.

    O Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, contra-alegando, nesta matéria, não se opôs a que a questão fosse submetida ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, e quando ao objecto do recurso defendeu que a acórdão recorrido, atentos os seus fundamentos, não merece censura pelo que deve ser mantido.

    A recorrida particular, TAP...

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