Acórdão nº 01875/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Maio de 2003
Magistrado Responsável | JORGE DE SOUSA |
Data da Resolução | 07 de Maio de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra acção de responsabilidade civil extracontratual contra o MUNICÍPIO DE MIRA.
No despacho saneador, o Meritíssimo Juiz entendeu estar o processo em condições para se conhecer do mérito da acção e, apreciando-o, julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
Inconformada, a Recorrente interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões: 1) A sentença sub judice procede a uma deficiente enumeração dos factos com interesse para a decisão da causa; 2) Na perspectiva da sentença, olvidou-se: a. que o Vereador Dr. ... era o Vereador com competência na matéria relativa ao licenciamento e funcionamento das discotecas, sendo inclusivamente este quem assinou o horário de funcionamento da B... em 1998; b. que na sequência da informação daquele Vereador (em como não era preciso alvará de funcionamento e que bastava o horário de funcionamento) foi requerido e passado novo horário de funcionamento para o ano (em que após a celebração do contrato promessa foi iniciada a actividade) de 1998.
3) Nestes termos, a matéria de facto deve ser alterada - porque foi alegada, porque foi provada documentalmente e porque não foi contestada - sendo os factos dados como assentes, nos precisos termos do estatuído no art. 712 n.º 1 al. a) do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º da LPTA.
4) Não obstante se ter escrito que a causa de pedir era complexa e integrada pela actuação do Vereador e pela má organização dos serviços, a verdade é que não foi objecto de ponderação ou julgamento toda a causa de pedir relativa a esta má organização do serviço, amplamente alegada de facto e de direito na pi. de recurso.
5) Nesta conformidade, a sentença é irrefragavelmente nula, nos precisos termos do estatuído no art. 668 n.º 1 ali. d) do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º da LPTA.
6) Quanto ao fundo diremos, seguindo a lógica de exposição contida na sentença, que é evidente que quando alguém vê dois horários de funcionamento de um estabelecimento comercial e, quando, antes de o adquirir, requer e lhe é passado um outro, pensa legitimamente (e em normalidade) que o estabelecimento está licenciado; 7) Por outro lado, o administrado médio e normalmente diligente confia legitimamente que a informação que o responsável máximo de um serviço (o vereador do pelouro) presta relativamente à existência de licenciamento de um certo estabelecimento comercial (concretamente de licença de utilização) que este bem conhece é verdadeira! 8) Em suma, ao contrário do que se julga na sentença, quer a informação, quer os horários não são, manifestamente, irrelevantes, descobrindo-se aqui uma primeira vertente do erro de julgamento que se assaca à sentença recorrida.
9) Quanto ao juízo de censura que na sentença se faz à sociedade por não ter levado a efeito pedido de certidão relativamente ao licenciamento, importe concluir que o aludido pedido de informação ao Vereador, já foi um avanço no sentido de uma diligência superior à normal exigível, porque qualquer estabelecimento que tem horário de funcionamento (no caso existiam 2 e foi passado após a informação o horário de funcionamento relativo ao de 1998 em que o contrato foi realizado) passado por qualquer Câmara Municipal tem que estar previamente licenciado! 10) É perfeitamente claro que o homem normal, que o administrado médio e normalmente diligente (aquele que conta que a lei é cumprida) não pode presumir que a Câmara Municipal praticou um acto ilegal ao emitir o horário de funcionamento a um estabelecimento que não está licenciado, devendo antes presumir e confiar que a Câmara Municipal cumpriu a lei e que emitiu esse horário por o estabelecimento estar licenciado.
11) É ainda perfeitamente claro que o homem normal, que o administrado médio e normalmente diligente não presume que um Vereador de uma Câmara, o responsável máximo do serviço, relativamente a uma matéria que tutela e a uma propriedade que conhece bem (porque é em propriedade do seu sogro) vá dar uma informação errada, quando sabe que dessa informação depende a aquisição do estabelecimento e que nesse estabelecimento vão ser feitos investimentos, devendo antes presumir que a informação dada nestas condições é verdadeira.
12) Se a mais do que se concluiu se se considerar que o contrato realizado foi um contrato promessa, não pode assim entender-se, como em erro entendeu o Meritíssimo Juiz, que a circunstância de a sociedade, nas condições de facto sobreditas, não ter requerido certidão previamente à realização do contrato promessa se possa qualificar como constituindo conduta negligente.
13) Por outro lado, a circunstância de não ter sido pedida a certidão sobre o licenciamento antes da promessa, não teria como consequência que a informação aí prestada fosse verdadeira por forma a que se pudesse concluir que os danos invocados não se verificariam, posto que a Câmara Municipal informou contraditoriamente sobre este aspecto (dizendo uma vezes que existia licenciamento e outras que tal licenciamento não existia).
14) Finalmente, jamais, a circunstância de não ter sido pedida a certidão sobre o licenciamento antes da promessa, teria a virtualidade de excluir de todo em todo a indemnização, pois que (o que só por necessidade de exposição se considera) teria então ocorrido um concurso de factos culposos (a suposta conduta negligente da sociedade e a conduta ilícita do Vereador e da Câmara) que a poderiam limitar, mas a conduta omissiva da sociedade, nas condições mencionadas, nunca seria tão censurável que pudesse apagar as sobreditas condutas censurável e ilícita do Vereador e da Câmara Municipal que, como vimos, são aptas a causarem os danos efectivamente sofridos pela requerente.
15) Ao concluir o contrário do que se vem de defender, a sentença recorrida viola o estatuído no art. 563.º e 570.º do CPC, aplicáveis que são, como é jurisprudência corrente, à responsabilidade civil por factos ilícitos da administração.
16) Quanto ao encerramento do estabelecimento ter sido um acto voluntário da sociedade, deveremos concluir, em primeiro lugar, que esse facto não interrompe o nexo de causalidade, pois que para que tal sucedesse seria necessário que o encerramento não fosse consequência da informação errada e dos horários ilegais, o que, como já se disse, é - por outras palavras, o encerramento, não obstante ser um acto voluntário, foi determinado pela confiança gerada na informação do Vereador e na existência do três horários - Cfr. Pereira Coelho, O problema da causa virtual na responsabilidade civil, col. teses, Almedina, 1998, pp. 222,e 105.
17) Por outro lado, nenhum juízo de censura ético-jurídica pode ser levado a efeito relativamente ao encerramento, na liminar medida em que este fechar de portas constitui até um dever jurídico a que, naturalmente, a sociedade requerente está vinculada no caso do seu estabelecimento não estar licenciado - manter o estabelecimento aberto quando se tem a certeza de que o mesmo não está legalizado constitui uma ilegalidade, sendo que, salvo situações limite não equacionadas, aquele que se conforma com a legalidade jamais praticará acto ilícito ou juridicamente censurável.
18) O encerramento foi um comportamento ditado por uma liminar exigência de coerência e boa-fé, para além de pretender evitar qualquer responsabilização de natureza criminal caso sucedesse alguma tragédia - tragédia que só não sucedeu efectivamente, posto que parte do revestimento da telhado desabou, porque a discoteca se encontrava encerrada.
19) Quanto à circunstância de a Recorrente poder ter pedido a legalização, importa concluir, em primeiro, que ainda que a sociedade se tivesse comportado desta forma, é evidente que teria que encerrar até que o licenciamento estivesse concedido, sendo que sobreviriam sempre prejuízos - os alegados lucros cessantes decorrentes do funcionamento dois dias por semana e os decorrentes do encerramento até à suposta e hipotética legalização.
20) Em segundo lugar, a possibilidade de requerer ou não a legalização do estabelecimento, vejamos bem, é perfeitamente irrelevante para a causa inicial...
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