Acórdão nº 047547 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução06 de Maio de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A...

, Comandante dos Bombeiros Voluntários de ..., melhor identificado nos autos, interpôs, no TAC de Coimbra, recurso contencioso da deliberação da Direcção do Serviço Nacional de Bombeiros de 24/8/99, que lhe indeferiu o recurso hierárquico para ela interposto do acto do Inspector Regional de Bombeiros do Centro, que lhe havia aplicado a pena disciplinar de demissão.

Imputou ao acto recorrido os vícios de: 1 - falta de notificação ao arguido da pena disciplinar de demissão; 2 - nulidade do procedimento disciplinar; 3 - inexistência de infracção disciplinar; 4 - falta de audiência do arguido; e ainda, 5- violação dos princípios da legalidade, prossecução do interesse público, da imparcialidade e da justiça - art.ºs 266.º da CRP e 3.º a 6.º do CPA.

Respondeu a recorrida, defendendo a legalidade do acto impugnado.

A fls 45 dos autos foi proferido despacho a ordenar a notificação das partes para alegarem, tendo o recorrente vindo arguir a nulidade da omissão da elaboração de base instrutória (fls 48-49), que foi indeferida por despacho de fls 50.

Deste despacho foi interposto recurso (fls 53), que foi admitido a fls 54, com efeito devolutivo e subida diferida (a subir com o primeiro que, depois dele, deva subir imediatamente).

O recorrente apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: 1.ª)- A não elaboração da base instrutória e a não notificação das partes para apresentarem os respectivos meios probatórios importa a omissão de uma formalidade e de um acto previsto na lei, a qual influi no exame da causa, por cercear a garantia fundamental do recorrente de demonstrar a não veracidade dos factos em que assenta o acto recorrido e por, ao arrepio de toda a tramitação processual, se estar a discutir o aspecto jurídico da causa sem estar concluído o julgamento da matéria de facto ou, pelo menos, sem essa mesma conclusão ser do conhecimento das partes.

  1. )- O direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art.º 268.º/4 da Constituição, determina a ilicitude de qualquer limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais encarregados de dirimir as questões que lhe digam respeito.

  2. )- A garantia da tutela judicial efectiva permite que o recorrente possa fazer uso de qualquer meio probatório para demonstrar a sua inocência, pelo que o artigo 12.º/1 da LPTA é materialmente inconstitucional.

    4.º)- O Tribunal está vinculado a não aplicar normas inconstitucionais (v. art.º 204.º da Constituição, pelo que, em virtude de no recurso ter sido alegada matéria de facto, alguma da qual foi impugnada especificadamente, teria de ter sido seleccionada a matéria de facto relevante para a decisão do recurso e notificadas as partes para apresentarem os respectivos meios probatórios (v. art.ºs 511.º e 512.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º da LPTA).

  3. )- O despacho recorrido, ao decidir que se não verifica a arguida nulidade com fundamento na norma do artigo 12.º, n.º 1 da LPTA, aplicou uma norma inconstitucional.

  4. )- E tal norma é materialmente inconstitucional, porque viola o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 268.º, n.º 4 da CRP.

  5. )- Deve, assim, revogar-se o despacho recorrido, por aplicação de uma norma que viola a Constituição, devendo, por tal, a arguida nulidade ser atendida e ser declarado nulo todo o processado após a verificada nulidade e, em sua consequência, elaborar-se despacho saneador em que se seleccione a base instrutória e notificadas as partes para apresentarem meios de prova.

    O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões: 1.ª)- Excepto nos processos referidos na alínea a) do artigo 24.º da LPTA, em que nos surge o despacho saneador e a elaboração da base instrutória, que em nada diferem das peças previstas nos artigos 510.º e sgs do CPC, não há nos restantes recursos contenciosos estas peças processuais.

    Não constitui omissão de uma formalidade a não elaboração da base instrutória no presente caso.

  6. )- No tocante aos meios de prova, a prova documental, salvo nos processos referidos na alínea b) do artigo 24.º da LPTA, é a única possível, excepto naqueles casos em que o tribunal considere necessária a prova pericial, como se lê no artigo 12.º da LPTA, que, logo à partida, coloca este meio de prova numa posição de subalternidade.

  7. )- Esta limitação dos meios de prova em nada prejudica o direito de defesa do recorrente, nem a efectividade da tutela jurisdicional, porquanto o exercício daquele direito é desde sempre considerado como um direito inerente a todos os processos sancionatórios (entre os quais se inclui o processo disciplinar), que não se limita somente a conferir a possibilidade de contrariar os factos imputados, mas abrange também a possibilidade de apresentar outros que dirimam ou atenuam a responsabilidade no âmbito do procedimento disciplinar, ao passo que a efectividade da tutela jurisdicional diz respeito ao controlo do modo como esse direito de defesa foi ou não garantido, através dos órgãos judiciais.

    Assim, a produção de prova enquadra-se, no procedimento disciplinar, no contexto daquilo que deve ser considerado um direito fundamental ao procedimento e é por essa razão que a única prova admissível no regime dos recursos é a documental. Logo o n.º 1 do art.º 12.º da LPTA não é inconstitucional.

  8. )- Reafirmamos que o direito de defesa do recorrente não foi preterido, uma vez que durante o decurso de todo o processo disciplinar lhe foi facultada a possibilidade de apresentar os meios probatórios que entendesse por convenientes.

    Mais se faz notar que o recorrente reconheceu esse facto, porquanto nunca aduziu no RCA que a autoridade recorrida se recusou a aceitar qualquer prova por si apresentada.

  9. )- Salienta-se que voltar a produzir, em sede de recurso contencioso, prova testemunhal seria violar o artigo 12.º da LPTA, tornar esta processo mais moroso e repetitivo, para além de derrogar etapas processuais que têm fases próprias em que se enquadram procedimentos distintos (por um lado, o processo administrativo, por outro o recurso contencioso de anulação).

  10. )- Deste modo, o despacho do Sr. Juiz "a quo" deve ser mantido, por justo e conformar os factos ao direito.

  11. )- Face ao exposto, não deverá ser revogado o despacho recorrido e, consequentemente, indeferir-se o pedido formulado pelo requerente.

    O recurso seguiu a sua tramitação normal, tendo sido proferida a sentença de fls 102-107, que negou provimento ao recurso.

    Com ela se não conformando, interpôs o recorrente o presente recurso jurisdicional, no qual formulou as seguintes conclusões: 1.ª)- A sentença recorrida é nula, porquanto não se pronunciou sobre questão que deveria ter apreciado: análise e valoração dos depoimentos das testemunhas e dos documentos constantes do PA, os quais foram especificados pelo recorrente (art.º 28.° a 42.° da petição) como fundamento do vício imputado ao acto impugnado de inexistência da infracção disciplinar.

    A decisão recorrida não procedeu ao julgamento da matéria de facto, isto é, não fez uma efectiva reapreciação do material probatório recolhido no PA: análise e valoração dos factos concretos da acusação imputados ao recorrente, sua eventual violação dos deveres funcionais, sua repercussão na corporação e na sociedade, os fundamentos da medida concreta da pena aplicada ao recorrente.

    A decisão recorrida é, assim, nula por não ter conhecido de questão sobre a qual deveria ter conhecido: apreciação e valoração jurisdicional dos elementos de prova produzidos no PA e que o recorrente especificou e que impõem decisão diversa quanto à existência da infracção disciplinar imputada ao recorrente.

  12. )- A sentença recorrida, ao não dar provimento ao presente recurso, violou as normas dos art°s 69.º-1 e 59.º do ED, aprovado pelo DL n.° 24/84, de 16 de Janeiro, porquanto a pena disciplinar aplicada ao recorrente não foi notificada pessoalmente ao arguido; e de acordo com as regras do processo disciplinar e com as normas do Código do Processo Penal, aplicáveis por remissão ao processo disciplinar, a notificação da decisão punitiva é sempre feita pessoalmente ao arguido; por violação das normas dos art.ºs 69.°-1 e 59.° do Estatuto Disciplinar, Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, a falta de notificação pessoal do recorrente da pena punitiva que lhe foi aplicada gera a sua nulidade.

  13. )- A sentença recorrida, ao não dar provimento ao presente recurso, violou a norma do art.° 59.º- 4 do ED, bem como o art.° 269.º-3 da Constituição, porquanto, os factos levados ao artigos sexto, sétimo, oitavo, décimo quarto, décimo quinto, décimo sexto e décimo sétimo da acusação no processo disciplinar são omissos quanto às circunstâncias de tempo e modo em que ocorreram; naqueles artigos acusou-se o arguido da omissão da realização de diligências e acções bem como da prática de actos, sem os situar temporalmente; também a acusação é omissa, nos referidos artigos, quanto à natureza, origem e obrigatoriedade das acções e procedimentos cuja omissão neles se imputa ao recorrente; a acusação enferma de nulidade insuprível, quanto à matéria de facto levada aos artigos 6.°, 7.°, 8.°, 14.°, 15.°, 16.° e 17.°, por falta da descrição das circunstâncias de tempo e de modo referentes a tais factos; esta omissão não permitiu ao arguido o exercício do seu direito fundamental de defesa.

  14. )- A sentença recorrida, ao não dar provimento ao presente recurso, violou ainda os art.ºs 100.º e l01.º do CPA (DL 442/91) porquanto, considerou que o acto impugnado não sofre do vício de forma, por falta de audiência do arguido antes de ter sido formulada a acusação no processo disciplinar; quer a acusação quer o acto impugnado enferma de vício de forma por não terem observado o principio da audiência do interessado consagrado no art.º 267.°/5 da Constituição e nos art.ºs...

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