Acórdão nº 046303 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Março de 2003

Magistrado ResponsávelANGELINA DOMINGUES
Data da Resolução26 de Março de 2003
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na 1ª Secção, 3ª Subsecção do Supremo Tribunal Administrativo 1.1 - A... (id. a fls. 2) interpôs, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, recurso contencioso com vista a impugnar a deliberação do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) que, em 7 de Janeiro de 1998, lhe ordenou o encerramento imediato da Farmácia ..., sita no lugar de S. Sebastião, rua Dr. ..., rés-do-chão, Vila de Prado.

1.2 - Por decisão do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, proferida a fls. 128 a 134 inc. dos autos, foi julgado improcedente o recurso contencioso.

1.3 - Inconformada com a decisão referida em 1.2, interpôs a recorrente o presente recurso jurisdicional, cujas alegações, de fls. 138 a 147, concluiu do seguinte modo: "1. A disposição constante do artigo. 124° do Decreto-Lei nº 48 547 de 27 de Agosto de 1968, encerramento preventivo de um estabelecimento, é apenas possível nos casos previstos nos artigos 107º e 108º do mesmo diploma legal.

O artigo 107º daquele diploma dispõe: 1. "A infracção ao regime da propriedade da farmácia, estabelecido na Lei nº 2 125, é punível com prisão até três meses e multa de 1 000$ a 10 000$."...

Dispõe o artigo 108º do mesmo diploma: 1. "Aquele que, sem ser farmacêutico, explora farmácia ou exerça actividade reservada às farmácias sem o competente alvará, ou cujo alvará tenha caducado, é punido com prisão de três meses a dois anos e multa." Porque o circunstancionalismo descrito nos autos não tipifica nenhuma das situações ali previstas o acto administrativo aqui posto em crise está ferido de vício de violação de lei.

Ao entender em sentido contrário a douta sentença recorrida faz má interpretação das disposições legais acima citadas; 2. A deliberação do INFARMED, de 7 de Janeiro de 1998 está ferida do vício de usurpação do poder.

Na fundamentação de tal deliberação diz-se claramente que se deve proceder ao "encerramento imediato da farmácia ..., em execução da sentença do tribunal do Círculo de Braga".

Porque a matéria controvertida objecto da acção a que se reporta a sentença se encontrava pendente de recurso e portanto, porque os tribunais não tinham decidido em definitivo, sendo certo que só eles o podem fazer, o C.A. do INFARMED ao deliberar como deliberou, substituiu-se aos tribunais judiciais e cometeu, por via disso, um acto ferido de usurpação de poder.

  1. A deliberação recorrida sempre estaria, nos termos expostos acima, ferida de vício de violação de lei pois, quer o objecto quer os pressupostos do acto administrativo aqui posto em causa, contrariam norma jurídicas com as quais se deveria conformar.

    É direito fundamental e constitucionalmente garantido que a recorrente tem acesso às vias de recurso aos Tribunais Superiores e à tutela jurisdicional efectiva, donde não pode ser vítima da execução de uma sentença não transitada em julgado.

    Face à violação de vários preceitos legais, nomeadamente os vertidos nos artigos 156º, 671º, 679º, 692º e 802º do Código do Processo Civil e, ainda, no artigo 133º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo, está o acto praticado ferido de vício de violação da lei.

  2. Porque a acção que correu termos no Tribunal do Círculo de Braga, e que serve de fundamentação à deliberação por cuja anulação aqui se pugna, terminou com a desistência da instância pelos AA., perdeu qualquer sentido tal deliberação por inutilidade superveniente; 5. Para o caso de se vir a entender, como faz a douta sentença recorrida que a deliberação do INFARMED diz aquilo que não queria dizer, isto é, di-lo de uma forma incorrecta, ao chamar execução de sentença a uma actuação que mais não será do que um dar cumprimento a preceitos que se sustentam na simples comunicação dos factos, "notitia criminis", susceptíveis de configurar um ilícito criminal, sempre se dirá que o acto está ferido do vício de incompetência em razão do tempo.

    Assim se entende porque, com uma tal deliberação o INFARMED estaria a substituir-se aos tribunais, já que, na altura não havia qualquer decisão em sede de processo penal e, mais importante estaria a cominar uma sanção sem poderes para o fazer, por manifesta impossibilidade de análise de uma factualidade em cuja decisão, para além do mais, sempre teria de ser levada em consideração o disposto na lei da Amnistia, Lei 15/94.

  3. A sufragar-se a deliberação do INFARMED nos termos em que vem reconhecida na douta sentença, um tal entendimento, ou de uma forma mais rigorosa, o preceito que sustentaria tal entendimento, o artigo 124° do Decreto-Lei nº 48 547 de 27 de Agosto de 1968 está ferido de inconstitucionalidade por violação de princípios fundamentais como os do contraditório ou do direito de audiência do "arguido", entre outros; 7. Mesmo que se viesse a entender que o C.A. do INFARMED poderia fazer desencadear os efeitos decorrentes do disposto nos citados artigo 107º, 108º e 124º daquele diploma legal e que este último não está ferido de inconstitucionalidade, então a deliberação estaria ferida do vício de desvio do poder, isto é, teriam sido aplicados com um fim diverso daqueles para que a lei os conferiu ou, se pretendermos, por motivos que não condizem com o fim visado pela lei que conferiu tais poderes, na linguagem de Marcelo Caetano.

    Assim é porque os preceitos em causa visam dar cumprimento e existem no âmbito do disposto na Base I da Lei 2 125 de 20 de Março de 1965, onde se lê: "1. É considerado de interesse público, como actividade sanitária, a função de preparar, conservar, e distribuir medicamentos ao público." Porque a saúde pública, atenta a qualificação académica e profissional da recorrente e a legalidade do estabelecimento, não estava em causa, nunca poderia deliberar-se pelo encerramento com base naqueles preceitos.

  4. A douta sentença recorrida, bem como a deliberação recorrida foram proferidas com base nas disposições constantes da Lei 2 125 de 20/3/65, lei esta que entendemos está ferida de inconstitucionalidade, que expressamente aqui se invoca, e como tal deve ser declarada, na parte em que reserva a propriedade da farmácia a farmacêuticos, por se entender que tal reserva consubstancia a criação de um direito que viola o princípio da igualdade, consagrado na nossa lei fundamental, sendo certo que nenhum interesse público exige ou justifica tal privilégio.

  5. Por último, refira-se, que da douta sentença recorrida, e para o caso de não colherem quaisquer dos argumentos trás aduzidos, devem tirar-se todas as consequências ali doutamente vai dito: "Sendo assim, perante uma infracção ao regime da propriedade da farmácia, estabelecido na Lei nº 2 125 (na qual se estipulam regras rígidas para a transmissão de farmácias quer inter vivos quer mortis causa) e após o levantamento do auto de notícia, deveria o C.A. do INFARMED mandar apreender o alvará e encerrar a farmácia, sem prejuízo do que vier a ser decidido pelo tribunal, naturalmente no processo crime a que essa factualidade venha a dar causa.

    Ora, em data posterior à interposição do presente recurso, e mais concretamente em despacho de 16 de Abril de 1999, notificado à recorrente em 22 de Abril de 1999 o processo crime a que a factualidade em análise deu causa foi mandado arquivar, nos termos constantes de tal decisão, de que junta cópia e aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos.

    Esta junção, de que se protesta juntar certidão se assim vier a ser entendido por necessário, é aqui requerida ao abrigo do disposto nos artigos 706° e 524° do Código do Processo Civil.

    Face a este douto despacho do Ministério Público, e ao consequente arquivamento dos autos claro se torna que a deliberação recorrida a manter-se consubstancia um caso evidente de inutilidade superveniente." 1.4 - Contra-alegou a entidade Recorrida da forma constante de fls. 162 e segs., vindo a concluir do seguinte modo: 1. Ao contrário do sustentado pela recorrente, a douta sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação dos dispositivos legais aplicáveis.

    Com efeito, 2. Não padece a deliberação do Conselho de Administração do INFARMED que subjaz ao presente recurso de vício de violação de lei por falta de norma habilitante. A deliberação foi tomada ao abrigo dos artigos 124°, n.º 1 e 107° do Decreto-Lei nº 48 547, de 27 de Agosto de 1968, preceitos que permitem ao C.A. do INFARMED encerrar preventivamente farmácias, desde que se verifique uma violação ao regime de propriedade das farmácias, regime este que é composto por todas as normas que regulam a aquisição, exercício e transmissão da propriedade dos estabelecimentos farmacêuticos.

  6. A violação realizada ao regime de propriedade das farmácias resultou da situação de propriedade farmacêutica fraudulenta que se verificou na Farmácia ..., em Vila do Prado, desde 1970. As normas constante dos nºs 1 e 2 da Base II e da Base IV da Lei nº 2 125, de 20 de Março de 1965, e do artigo 71°, do Decreto-Lei nº 48 547, de 27 de Agosto de 1968, conjugados com a norma constante do artigo 76°, nº 2, deste último diploma, que veda situações de propriedade farmacêutica nominal, constituem o segmento do regime de propriedade das farmácias que foi posto em causa na presente situação.

  7. Nestes termos, à luz destas habilitações, não podia o CA do INFARMED deixar de aplicar a sanção preventiva de encerramento da farmácia, como lhe incumbia a atribuição de tutelar o interesse público do controlo das condições de distribuição de medicamentos. A deliberação tomada, que não invalida o accionamento de responsabilidades de outro tipo, nomeadamente penais, não foi mais do que o exercício da competência de iniciativa oficiosa que para este tipo de casos está prevista no citado diploma de 1968.

  8. Não padece a deliberação do CA do INFARMED de usurpação de poder , como alega a recorrente, dado não consubstanciar uma execução de sentença ainda não...

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