Acórdão nº 0648/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Fevereiro de 2003
Magistrado Responsável | J SIMÕES DE OLIVEIRA |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2003 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, 3ª Subsecção: - I - A... e marido recorrem da sentença do T.A.C. de Coimbra que julgou improcedente a acção de responsabilidade civil extra-contratual que intentaram contra o Hospital Distrital de Tomar (N.ª Sr.ª da Graça) e outros, pedindo a sua condenação no pagamento da indemnização de Esc. 18.554.920$00, mais juros de mora, por causa da morte de um seu filho ocorrida em consequência da deficiência cerebral profunda com que nasceu e que lhe teria sido causada durante o parto, por negligência dos serviços do Réu.
Com este recurso subiu igualmente o agravo, interposto a fls. 253, do despacho do juiz que absolveu da instância o Estado, os médicos Drs. ..., ... e ..., as enfermeiras ... e ... e a sociedade ..., S.A..
Nas alegações referentes ao recurso principal, os recorrentes terminam enunciando as seguintes conclusões: "1ª - A douta sentença recorrida é contraditória na análise que faz da factualidade probatória, nos seus fundamentos e na sua decisão, sendo por isso nula nos termos da alínea c) do artº 668 do C.P.C.
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- Considerando-a ou não nula pelo referido na conclusão anterior, o certo é que a douta sentença é contraditória no seu global, quer na interpretação que faz da matéria de facto provada, quer na aplicação do Direito aos factos, não esclarecendo e fundamentando a decisão de acordo com tais factos, confundindo-os, e está em contradição com a fundamentação que foi dada na resposta aos quesitos.
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- A sentença recorrida dá essencialmente relevância aos factos ocorridos entre a 1.55h - hora em que foi detectada a braquicardia fetal- e as 2.25h - hora em que nasceu o bebé- Contudo, se bem que concordamos que foi neste período de tempo, que ocorreram os factos mais graves, não podemos concordar que antes de tal período algo de significativo não tenha ocorrido, e que contribuiu também, e relevantemente, para o desenlace trágico do objecto dos presentes autos. Assim, 4ª - Considerando a matéria fáctica provada, tendo a A. dado entrada no serviço de obstetrícia, com sinais de parto, ás 21.25h, não foi observada por qualquer médica obstetra, pois a única que existia naquele serviço, estava de prevenção e não havia nenhum de serviço, em presença física. Foi observada por uma parteira, ..., a qual lhe aplicou soro e lhe ligou o CTG/RCT (registo cardiotocográfico). Tal enfermeira, ciente da idade gestacional da A., 36 semanas, apesar dos sinais de parto, não procedeu a qualquer comunicação à obstetra de serviço, Dr.ª ... . Resulta daqui dois factos importantes: Que o serviço de maternidade do Hospital de Tomar não tinha meios humanos suficientes, e que, a enfermeira ... não agiu com o zelo e diligência que lhe eram exigidos.
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- A Dr.ª ..., obstetra, tendo-se deslocado casualmente àquele serviço, mandou retirar o CTG á A., cerca das 23h, o qual foi ligado de imediato a outra parturiente, constatando que a A. não estava em trabalho de parto, que se tratava de um falso trabalho de parto, após o que se ausentou do Hospital com a indicação "amanhã cá estaremos". Ora, sabendo que a A. tinha uma idade gestacional de 36 semanas, que se trata de um bebé prematuro que exige cuidados especiais, e que a A. se queixava com muitas dores, motivo porque a observou, a Dr.ª ... não deveria ter mandado desligar o CTG á A., tanto mais que ficou provado que, o CTG deve ser sempre aplicado, por transmitir um registo contínuo sobre o ritmo cardíaco do bebé, e as contracções da mãe.
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- Quando ás 0.30h a A. foi observada por uma das enfermeiras, na sequência das suas queixas de dores, e rebentaram a bolsa de águas, as enfermeiras, ... e ..., se tivessem agido com zelo e diligência, teriam comunicado á Dr.ª ..., principalmente quando á 1.30h a A. deu entrada na sala de partos, uma vez que o diagnóstico de "falso trabalho de parto" que a obstetra havia considerado ás 23h. se alterou por completo, entrando a A. em trabalho de parto, mais cedo do que o previsto, Bem sabendo as enfermeiras que a médica levaria cerca de meia hora a chegar ao Hospital, após a respectiva chamada. Também nesta altura, as enfermeiras deveriam ter ligado o CTG á A., método muito mais eficaz do que o utilizado, o Pinar, o qual dá uma leitura descontínua e por isso deficiente e omissa quanto ao bem estar fetal.
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- Discordamos da tese da douta sentença ao referir que apesar de ter ficado provado que a A. deveria ter sido submetida ao CTG durante o trabalho de parto, pois que tal CTG era susceptível de conduzir a decisões clínicas importantes, e poderia ter evitado o sofrimento do feto, é irrelevante pois desconhecem-se quais as decisões clinicas, quando tais razões são óbvias perante os factos provados : Logo que detectada a braquicardia, deveria ter sido chamada a obstetra para abreviar o nascimento do ... ! (Se a A. estivesse com o CTG, esta situação poderia ter sido detectada mais cedo) Tal facto foi dado como provado na sequência de um parecer do DR. ..., professor e médico no Hospital de Santa Maria, o qual analisando a situação concreta destes autos, concluiu pela importância da monitorização da A. durante o trabalho de parto, e foi corroborado pela testemunha Dr. ..., médico pediatra com especialidade em neonatologia. Apesar destes factos provados, a sentença não lhes deu a relevância devida, comparando de uma forma geral as situações ideais e a situação concreta do país em que vivemos, o que não está correcto.
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- Considerando agora o período de tempo a que a douta sentença, começa a dar relevância, ou seja entre a 1.55 e as 2.25, temos que, apesar de considerar que estando a dilatação completa á 1.55h e tendo a enfermeira ... nessa altura, detectado com o pinar a existência de braquicardia, estando a A. com contracções de 2 em 2 ou de 3 em 3 minutos, a referida enfermeira deveria ter chamado não só a médica pediatra, como fez, mas também a obstetra, a qual apenas foi chamada ás 2.10h, não o tendo feito actuou com ilicitude, e com negligência, contudo, considera a douta sentença, que não existe nexo causal, uma vez que, a deficiência cerebral profunda do ... não está relacionada com tal conduta. Ora, tal conclusão é infundamentada e contraditória. Assim, 9ª - De acordo com a factualidade provada, a partir do momento em que foi detectada a braquicardia fetal, à 1.55., deveria estar presente não só a pediatra, que a única que a enfermeira chamou, mas também a obstetra, por ser normal terem ambas que actuar, podendo haver necessidade de abreviar o parto.
Ora, no caso dos autos, ficou provado igualmente provado que atenta a braquicardia detectada, o parto da A. devia ser abreviado! Tendo a obstetra sido chamada apenas ás 2.10h, por haver má progressão no parto e devido á braquicardia, só chegou ao Hospital depois de o ... ter nascido, Pelo que temos de concluir que não tendo o parto sido abreviado como devia, devido á braquicardia, o ... esteve a sofrer desde a 1.55 até ás 2.25h, hora do seu nascimento, daí o ter nascido com morte aparente, tendo sido reanimado, mas a asfixia neonatal grave, provocou-lhe uma paralisia cerebral profunda, tornando-o num ser vegetativo, e posteriormente, a morte, pelo que a conduta da enfermeira, negligente e ilícita, provocou o dano, havendo nexo causal.
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- Não podemos concluir, salvo o devido respeito, como a douta sentença, pela inexistência de nexo causal, porque a ausência de CTG, também não pode relevar uma vez que não detecta as lesões cerebrais, e ainda que asfixia neonatal é diferente de peri natal. Há que separar os factos e a respectiva interpretação e concluir de acordo com todo o circunstancialismo envolvente e não com factos isolados e interpretados de forma contraditória, o que leva a uma incorrecta aplicação do Direito aos factos. Assim, 11ª - Uma coisa, é que a A. deveria ter sido monitorizada durante o trabalho de parto e não foi, pois o RCT dá-nos um registo contínuo do ritmo cardíaco do bebé, indicando o bem/mal estar fetal, e nomeadamente a braquicardia. Não tendo sido monitorizada, a braquicardia já poderia existir antes da 1.55, até a asfixia, daí a importância deste registo, mas, como o método utilizado, Pinar, não dá um registo contínuo, sabemos apenas que á 1.55. estando a dilatação completa, foi detectada a braquicardia, na sequência da qual o parto devia ser abreviado, conforme o referido nas conclusões anteriores, e só não foi, continuando o bebé em sofrimento porque a obstetra não estava presente.
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- Outra coisa diferente, é fazer corresponder o estado de saúde do ... unicamente à ausência do RCT, uma vez que não foi apenas a ausência de RCT que só por si determinou o estado de saúde do ..., mas sim em conjugação com outros factores muito importantes, referidos nas conclusões anteriores. Acresce, que a função do RCT não é a de detectar as lesões cerebrais, conforme refere a sentença, mas o referido na conclusão anterior, o que pode evitar tais lesões provocadas pelo sofrimento fetal, pelo que, o aferir a inexistência de nexo causal por o RCT não detectar tais lesões, é incorrecto e contraditório com a factualidade probatória. Quanto ao facto da asfixia ser neo ou peri natal, não tem nada a ver, pois ficou provado que o ... sofreu uma asfixia neonatal grave, sendo que, tal asfixia neonatal ocorre durante o trabalho de parto, e a asfixia peri natal, é a que se verifica apenas no período expulsivo, o certo é que, 13ª - Na fundamentação da resposta á matéria de facto, o Tribunal " a quo" considerou que, de acordo com os exames efectuados ao ..., dias após o seu nascimento, (TAC EEC, análises e outros), é de concluir que não existiam lesões cerebrais prévias durante a gravidez, pois se existissem, tais exames detectavam-nas, o que não se verificou. Por outro lado, foi feito um cariótipo ao ..., que revelou que cromossomaticamente era uma criança normal, A DEFICIÊNCIA CEREBRAL PROFUNDA do ..., TEVE ORIGEM NA ASFIXIA NEONATAL, ou seja durante o período do parto, não antes, pelo que existe nexo de...
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