Acórdão nº 01859/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Dezembro de 2002
Magistrado Responsável | ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em subsecção, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
1.1.
A..., assistente hospitalar graduada de radiologia, a exercer funções no Centro Regional de Oncologia de Coimbra, e com os demais sinais dos autos, requereu no Tribunal Central Administrativo, juntamente com a petição do recurso, a suspensão de eficácia do despacho de 31.05.2002, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, pelo Ministro da Saúde, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de 120 dias.
1.2.
Por acórdão de 17.10.2002, o requerimento foi indeferido.
1.3.
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, em cujas alegações concluiu: 1 - A sentença recorrida não se pronunciou sobre uma questão que foi alegada no requerimento de suspensão e que se prende com as consequências que poderão advir do retardamento da decisão no recurso contencioso interposto - cfr. art. 10.° a 16.° da do requerimento inicial.
2 - A este propósito alegou-se que, se a suspensão da pena disciplinar não for jurisdicionalmente concedida, se verifica um prejuízo irreparável para a requerente, consubstanciado no facto de já ter sido afastada do exercício efectivo das suas funções durante o período de tempo em causa - cfr. G. Chiovenda, apud Massimo Andreis "Tutela Sommaria e Tutela Cautelare nel Processo Amministrativo" GiuffrèAd. Milano, 1996, p. 151.
3 - Em suma, a questão nem sequer se colocou ao tribunal, quando, de outro modo, não é lícito ao julgador escolher quais os prejuízos irreparáveis invocados pela requerente que devem ser ponderados na decisão (cfr. 660.°, n.° 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1.° da LPTA).
4 - Cumprindo a este Colendo Tribunal decidir esta questão, alegaremos que a apreciação da gravidade do dano exige da parte do tribunal um juízo de ponderação entre o sacrifício provavelmente resultante da execução do acto para os interesses do requerente e o que decorreria da suspensão para a administração e para o interesse público.
5 - Aplicando esta doutrina ao caso concreto temos que a requerente sofrerá o prejuízo irreparável e irreversível pelo facto de já ter cumprido a pena disciplinar quando a do recurso contencioso for julgado, pelo que a reintegração da situação actual está fora de qualquer hipótese.
6 - Sem esquecer que, mesmo que a pena venha a ser anulada, nunca virá a apagar todas as consequências profissionais (como a falta de contacto com os seus pacientes, falta de experiência que adquire todos os dias no exercício das suas funções, a própria troca de experiências com os colegas de profissão) e morais (como o sofrimento pelo afastamento do serviço, a preocupação com o estado de saúde dos pacientes que têm consultas marcadas e que não poderão ser realizadas).
7 - Por outro lado temos o interesse público da Administração, do conselho hospitalar, em que a pena seja cumprida por um suposto erro médico cometido.
8 - A este propósito devemos alegar que a pena disciplinar foi aplicada há cerca de 2 anos e que, devido à interposição de recurso hierárquico, não foi executada, mantendo-se a requerente a trabalhar no mesmo serviço hospitalar e com as mesmas funções.
9 - Funções essas que tem desempenhado com normalidade e diligência e sem quaisquer problemas com a sua hierarquia ou com os seus colegas.
10 - Pelo que está completamente fora de questão a argumentação de que a suspensão da execução da pena disciplinar possa vir a trazer qualquer consequência para o bom nome do serviço hospitalar.
11 - Quanto ao interesse público prosseguido com a execução da pena disciplinar podemos, com segurança, referir que o mesmo inexiste, ou pelo contrário, que o mesmo determina a manutenção da requerente nas suas funções.
12 - Para concluir importa alegar que se o fumus boni iuris já fosse considerado como critério de procedência da suspensão de eficácia não existiriam quaisquer dúvidas de que a mesma seria concedida, pois o Exm.° Sr. Ministro da Saúde reduziu a pena disciplinar de 210 dias para 120 dias de suspensão.
13 - Ademais, teremos de arguir a inconstitucionalidade do art. 76.° da LPTA por afronta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, vertido nos art. 20.°, n.° 1 e 268.°, n.° 4 da CRP.
14 - Isto porque a inexistência de ponderação dos interesses em jogo prevista no art. 76.° da LPTA (interesse particular da requerente e interesse público na imediata execução da pena disciplinar) impede a consideração do princípio da tutela jurisdicional efectiva e, em consequência, determina a sua inconstitucionalidade - cfr. arts. 20.°, n.° 1 e 268.°, n.° 4 da CRP.
15 - Que assim é comprova-se pela simples leitura da sentença recorrida, pois esta limita-se a considerar que inexistem prejuízos de difícil reparação para a requerente - aliás, recorrendo à teoria da causalidade adequada que, conforme teremos oportunidade de alegar, não está plasmada no art. 76.° da LPTA - sem que considere, sequer, quais os prejuízos decorrentes para o interesse público com a suspensão da execução da pena disciplinar.
16 - Sob outro enfoque, temos que os requisitos do art. 76.° da LPTA padecem de inconstitucionalidade por violação ao princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18.°, n.° 2 da CRP.
17 - Para servir de guião à argumentação que tecemos infra, recorreremos à exposição de um ilustre Autor, cujo ponto 4 do seu estudo se intitula "Proporcionalidade na decisão da concessão" - cfr. VIEIRA DE ANDRADE IN "Cadernos de Justiça Administrativa" n.° 34, 2002, pág. 48.
18 - Em certo ponto da sua exposição refere "Isto significa que a reforma introduz o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão estrita de equilíbrio, na decisão sobre a concessão ou recusa da providência cautelar".
19 - Ou seja, seguindo o raciocínio deste autor, o princípio da proporcionalidade não está consagrado no actual regime das providências cautelares, como é o caso da suspensão de eficácia.
20 - Posição essa que se traduz no facto de o legislador ter restringido - de forma manifestamente desnecessária e desproporcional - a consideração dos interesses dos particulares em detrimento do interesse público.
21 - Isto porque, ao não se considerarem em conjunto estes dois núcleos de interesses, permite-se situações como a dos presentes autos, em que se nega a medida cautelar sem sequer se ponderar qual o prejuízo que a suspensão do acto causa ao interesse público (o que no caso vertente é mais grave, pois o interesse público determina a concessão da suspensão requerida).
22 - Acresce que teremos de suscitar a inconstitucionalidade do segmento da decisão que interpreta o art. 76.° da LPTA, por violação do princípio da presunção da inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença.
23 - Antes de mais, porque, aplicando os requisitos do art. 76.° da LPTA, com a dimensão interpretativa que assumiu, ao caso concreto, violou o princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença, vertido no art. 32.°, n.° 2 da CRP.
24 - A este respeito é inquestionável que os princípios do processo penal se aplicam ao processo disciplinar, até porque, inter alia, a sanção aplicada no terminus do processo se consubstancia numa pena - no sentido da aplicação ao procedimento disciplinar das regras ou princípios de defesa constitucional estabelecidos para o processo penal, cfr. Gomes Canotilho,/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3a ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 947.
25 - Pelo que o princípio da inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença se aplica ao processo de impugnação da medida sancionatória.
26 - No caso vertente está em causa a suspensão de eficácia de uma pena disciplinar, pelo que só a concessão da providência requerida - que na nossa modesta opinião até deveria funcionar, em princípio, automaticamente - pode respeitar o princípio constitucionalmente consagrado no art. 32.°, n.° 2 da nossa Lei Fundamental - cfr., entre outros, Jaime Rodriguez - Arana Munoz,", La Suspensión dei Acto Administrativo" Editorial Montecorvo, S.A., Madrid, 1986, p. 227).
27 - Pois, se o acto não for suspenso, a recorrente sofrerá, imediata e irreversivelmente, todas (ou as mais importantes) consequências do acto recorrido, posto que iniciará e, concerteza, terminará o cumprimento da pena, sem que haja julgamento do fundo da questão, o qual demorará 1, 2 ou 3 anos a ser atingido.
28 - Razão pela qual, de forma e clara e perceptível (conforme exige o Tribunal Constitucional), suscitamos a inconstitucionalidade do segmento interpretativo da decisão recorrida, ao aplicar os requisitos do art. 76.° da LPTA, de forma a negar a concessão da suspensão de eficácia requerida, por afronta ao princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado, vertido no art. 32.° n.° 2 da CRP.
29 - Sem prejuízo de tudo o que se alegou, teremos ainda de mencionar que a sentença recorrida incorre num manifesto erro de julgamento.
30 - A decisão recorrida incorre, numa primeira dimensão, em erro ao não dar como verificado o requisito de prejuízo de difícil reparação com o fundamento, entre outros, de que a Recorrente, durante o tempo em que se encontrar a cumprir a sentença, terá maior disponibilidade para ir a colóquios, realizar estudos científicos, participar em conferências.
31 - Contudo, a sentença recorrida parte de um pressuposto errado, pois a participação em colóquios, encontros, reuniões e congressos relativos à sua área de especialidade, Imagiologia em Oncologia, se processa sempre por intermédio do hospital onde está a exercer funções.
32 - É inequívoco que o afastamento por 3 meses do exercício de funções e desses centros de actualização profissional prejudica os seus conhecimentos, prejudica os seus doentes, bem como alicerça a sua desactualização científica e prática.
33 - Pelo que a sentença recorrida, ao considerar que não se verificam prejuízos de difícil reparação, padece de manifesto erro de julgamento 34 - Por outro lado considera a sentença que o prejuízo para o curriculum da recorrente - que...
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