Acórdão nº 0326/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução12 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo1.RelatórioA..., identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferida no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto que negou provimento ao recurso contencioso que interpusera do despacho do PLENO DO CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS ADVOGADOS, formulando as seguintes conclusões: a) em recursos contenciosos de anulação, o que os Tribunais Administrativos devem conhecer, por exigência até do princípio da vinculação do juiz ao pedido, é dos fundamentos com base nos quais o respectivo recorrente alega serem ilegais as conclusões e (ou) os fundamentos do acto recorrido - na sentença "a quo", em relação a uma das ilegalidades invocadas pelo ora recorrente, o Tribunal de 1ª instância só se pronunciou sobre um (o menos valioso) dos fundamentos em que sustentara a sua arguição nos artigos 49º a 52º da petição de recurso sem qualquer análise ou conclusão dos fundamentos (mais valiosos) que se tinham arguido nos art.s 54º a 73º do mesmo articulado; b) padece, por isso, a sentença recorrida de nulidade processual (art. 668º,n.º 1 alínea d) do C. P. Civil); c) padece essa sentença, também, do vício de violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação da alínea mm) do art. 1º da Lei 15/94, de 11 de Maio, na parte em que considerou inadmissível que o CSOA possa - à revelia da sentença judicial prévia sobre a censurabilidade penal da respectiva conduta - considerar os factos de um processo disciplinar, como sendo "factos que integram um ilícito disciplinar"; d) efectivamente, o princípio da unidade do sistema jurídico, não impede - bem pelo contrário, pressupõe - que, estando um mesmo facto previsto e tutelado diversamente em normas de ramos de Direito distintos, ele seja valorizado em função das regras, reacções e interesses próprios dominantes em cada um deles; e) não é, aliás, por um facto - a injuria por exemplo - ter previsão e sanção penal que ela é considerada e valorizada noutros ramos do Direito (como o Administrativo ou o laboral), mas sim porque ela tem, também nestes, uma repercussão ou incidência própria; f) assim, quando o legislador administrativo ou laboral manda a Administração, para efeitos disciplinares, servir-se de conceitos ou categorias do direito penal, não lhe está a conferir poderes para proferir um juízo (jurídico) de natureza penal ou criminal - está simplesmente a dizer-lhe que, se os factos disciplinares relevantes forem daqueles que também estão previstos nas leis penais, então, que lhes dê um tratamento administrativo (ou laboral) determinado; g) são muitas, aliás, em Direito Administrativo, as manifestações legislativas dessa valorização (disciplinar) específica de factos que também são relevantes no domínio do Direito Penal, sendo inequívoco, em todas elas, que é aos órgãos administrativos que compete fazer essa valorização disciplinar à revelia do que, porventura, se passar em processo judicial, no qual os mesmos factos seja ponderados do ponto de vista do Direito Penal; h) há mesmo normas de Direito Administrativo, como acontece com a da alínea mm) do art. 1º da Lei 15/94, em que o respectivo ilícito disciplinar assume uma feição singular, suscitando uma reacção jurídica especial, por o respectivo facto também ser penalmente previsto - tendo-se dado como exemplos disso o n.º 3 do art. 4º do Estatuto Disciplinar da função pública ou o n.º 2 do art. 44º do próprio Regulamento Disciplinar da Ordem dos Advogados; i) e ninguém sustentará certamente, face a hipóteses dessas, que os órgãos com competência disciplinar não podem, eles próprios - sem necessidade de qualquer punição prévia - considerar, para efeitos de prescrição do procedimento disciplinar, se o facto qualificado como infracção disciplinar "também é considerado infracção penal"; j) é neste mesmo enquadramento que está escrita e deve ser interpretada a disposição da alínea mm) do art. 1º da Lei 15/94; k) conclui-se, de tudo o que antecede, que o princípio da unidade da Ordem Jurídica não se opõe, ao contrário do que se sustentou na sentença recorrida, a que o CSOA investigue e qualifique determinados factos como integrantes de um ilícito penal, de uma previsão da lei penal, para determinar da aplicabilidade de uma norma administrativa em que se recorre, para efeitos estritamente disciplinares, a conceitos e categorias próprias do direito penal; l) o princípio da presunção de inocência (penal) também não é violado - ao contrário do que se sustentou na sentença recorrida - pela existência de uma decisão administrativa tirada para efeitos estritamente disciplinares, que considera que os respectivos factos (também) têm previsão na lei penal; m)na verdade, a decisão disciplinar administrativa sobre questões ligadas à previsão penal de certos factos (ou aos prazos de sua prescrição criminal) - como por exemplo, as suscitadas pelos referidos preceitos do n.º 3 do art. 4º do Estatuto Disciplinar da função pública e do n.º 2 do art. 44º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Advogados - não tem, como se demonstrou, qualquer projecção ou efeitos jurídicos sobre a situação do respectivo arguido face ao Direito Penal, não envolve o labéu da própria infâmia penal; n) arguiu-se, portanto, a sentença recorrida de ter feito, também nesta parte, errónea interpretação e aplicação da alínea mm) do art. 1º da Lei n.º 15/94; o) quanto ao juízo da sentença recorrida sobre extensibilidade das amnistias - como prerrogativa do Estado Legislador - "às pessoas submetidas a um regime disciplinar de direito público", o recorrente sustentou subsidiariamente que o regime disciplinar no seio das associações públicas, com as características das Ordens profissionais, embora esteja revestido de garantias jurídico - públicas, assenta não na vontade do Estado, na vontade jurídico - pública, mas na própria vontade associativa; p) por isso é que, logo no n.º 2 do art. 1º do estatuto legal da Ordem dos Advogados - aprovado pelo Dec. Lei n.º 84/84 (16 de Março) - se dispõe, como contrapartida da sua sujeição jurídico - pública, que ela é "independente do Estado livre e autónoma nas suas regras"; q) um desses espaços onde se manifesta a independência, liberdade e autonomia das regras por que se pauta a vida associativa da Ordem dos Advogados é, precisamente, o disciplinar, cabendo aos seus órgãos, em exclusivo, a "jurisdição disciplinar" do exercício da advocacia (art. 90º do respectivo Estatuto); r) nesses domínios legalmente institucionalizados de primado ou exclusividade jurídica da vontade associativa, o reconhecimento da independência, liberdade e autonomia de que gozam públicas colocam-nas no mesmo plano das associações jurídico - privadas, como titulares de uma vontade jurídica sobre cuja oportunidade e utilidade só elas próprias podem decidir, enquanto a lei que as instituiu não for modificada ou suprimida; s) existem, pois, fundadas dúvidas quanto à possibilidade de extensão dos efeitos de uma amnistia às pessoas submetidas a um regime disciplinar de direito público, quando esse regime disciplinar não assenta (apenas) nas exigências do interesse público - como acontece com os serviços do Estado - mas, sobretudo, nos interesses próprios do substracto associativo sobre o qual foi erigido o ente público em causa; t) padecendo, portanto, a sentença recorrida, também nesta perspectiva, de erro de direito por ofensa do princípio fundamental da independência, liberdade e autonomia da Ordem dos Advogados, consagrado no art. 1º,n.º 2, do respectivo Estatuto e por violação de autonomia deontológica e disciplinar que aí lhe é garantida.

Nas suas alegações a entidade...

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