Acórdão nº 047574 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2002

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1. Relatório A..., recorrida particular nos autos de recurso contencioso em que é recorrente B..., inconformada com a sentença do TAC do Porto que anulou o despacho de 10/8/99 do Vogal do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, pelo qual foi homologada a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público, para instalação de uma farmácia em ... (Matosinhos), interpõe o presente recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: a) o atestado de residência da ora recorrente é um documento autêntico; b) de resto, se o julgador tinha dúvidas sobre a sua autenticidade, deveria ter ouvido a autoridade oficial pública a quem o documento foi atribuído; o Senhor Juiz recorrido confundiu a autenticidade do documento com a sua força probatória; c) o atestado em causa, como documento autêntico que é, embora destituído de força probatória plena material, admite prova em contrário; d) essa prova em contrário não foi feita, tendo-se o M.o Juiz bastado com a mera contraprova; e) ao decidir como decidiu, o M. Juiz a quo violou, por erro de interpretação e de aplicação, as disposições dos artigos 346º, 350º e 370º, n.º 1 e 2 do Cód. Civil.

B..., recorrente do recurso contencioso e recorrida neste recurso jurisdicional, contra alegou, formulando as seguintes conclusões: a) o atestado de residência, por falta de assinatura da entidade que o emite, não é um documento autêntico, sendo a sua força probatória da livre apreciação do julgador; b) ao contrário do constante em tal atestado, a recorrente residiu até ao seu casamento em 30-1-1993,não no concelho de Matosinhos, mas na freguesia de Paços de Brandão, concelho de Santa Maria da Feira, como consta do assento do seu casamento católico por si assinado depois de lido e conferido; c) esse assento foi transcrito na Conservatória do Registo Civil de Santa Maria da Feira que, por ser a da residência da recorrente, organizara o processo preliminar e emitira o certificado previsto no art. 178º do C. Registo Civil; d) por isso bem decidiu a douta sentença ao anular o acto recorrido por erro nos pressupostos de facto.

O M.P. junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

  1. Fundamentação 2.1. Matéria de facto A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: a) O Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) abriu concurso público para a instalação de uma farmácia no lugar e freguesia de Custóias, Município de Matosinhos por aviso publicado ,no Diário da República; II série nº 216, de 18/09/97.

    b) O júri desse concurso atribuiu 10 pontos à recorrente B..., sendo 5 pontos por cada ano completo, de exercício profissional em farmácia e os restantes 5 pontos por cada ano completo de residência no concelho de Matosinhos; c) O júri atribuiu à recorrida particular A... dez pontos; sendo 5 pontos por cada ano completo de exercício profissional em farmácia e os restantes 5 pontos por cada ano completo de residência, no concelho de Matosinhos; d) Mais seis candidatos obtiveram a pontuação de dez pontos, em virtude da aplicação dos critérios do tempo de exercício profissional e da residência; e) Dada a igualdade de pontuação, o júri socorreu-se do critério de preferência de menor idade; f) Por aplicação desse critério e por deliberação de 12/07/99 do júri, a recorrida particular A... ficou graduada em 1º lugar na lista final de classificação e a recorrente B... em 2º lugar g) por despacho de 10/ 08 199 , o Vogal do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, Dr. ... homologou a lista de classificação final, referente àquele concurso, a qual foi publicada no DR II série de 06/09/99; h) Junto ao processo de candidatura da recorrente acha-se atestado da Junta de Freguesia de senhora da Hora, onde se declara que "... em face de informações prestadas em documento que fica arquivado na secretaria da Junta ..." a recorrente "... residiu na Rua ..., desta Vila desde Julho de 1992, tendo passado a residir em habitação própria desde Janeiro de 1993..." na Rua ...,..., 3º esq. .../...; i) O bilhete de identidade da recorrida particular (emitido em 01/09/93) refere a sua residência como sendo "Senhora da Hora - Matosinhos"; j) O cartão de contribuinte da mesma refere a residência fiscal daquela como pertencendo à área de Matosinhos, tendo sido, emitido em 02/07/93; k) O seu cartão de eleitor foi emitido a 31/05/93 pela; "unidade geográfica de recenseamento" da Senhora da Hora; l) Entre Janeiro de 1992 e Agosto de 1994 exerceu as funções de ajudante de farmácia na farmácia "..." em Paços de Brandão; m) No seu assento de casamento celebrado em 30/01/93, consta, como sua residência, a freguesia de Paços de Brandão (S.M. da Feira); n) No assento paroquial do casamento consta ter sido apresentado o certificado referido no art. 178º, do Código de Registo Civil, emitido pela, Cons. do Registo Civil de S. M. da Feira; o) A cooperativa de habitação económica "..." declarou que à recorrente foi atribuída, em assembleia rea1izada a 14/04/92, uma habitação sita na Av. ..., ..., 3º, esq. na freguesia da Senhora da Hora em Matosinhos, cuja. entrega estava prevista para Setembro de 1992, apenas vindo a sê-lo em 19/01/93, com a realização da escritura notarial; p) A Escola Secundária ... em Matosinhos, declarou que a recorrente foi professora provisória do 4º Grupo A, naquela escola, entre 26/10/92 e 31/08/93, tendo-lhe sido atribuído horário nocturno; q) ... declarou que a recorrente residiu na habitação do declarante, sita na Rua ..., ..., 4º andar, ..., na freguesia da Senhora da Hora de Julho de 1992 a Setembro 1993; 2.2. Matéria de direito A sentença recorrida considerou que o acto recorrido continha o vício de erro de facto nos pressupostos, por se ter baseado num facto que não era verdadeiro. O despacho, objecto do recurso contencioso, deu como assente que a ora recorrente, na data da abertura do concurso para instalação de uma farmácia, residia há mais de cinco anos no concelho de Matosinhos. Apesar da recorrente ter instruído o seu requerimento de candidatura ao referido concurso com um atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia da Senhora da Hora, e do júri se ter baseado nesse documento, a sentença entendeu que "(...) o atestado em questão não pode ser havido como documento autêntico, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 371º do C. civil; por isso, a respectiva força probatória é apreciada livremente pelo tribunal (art. 366º do C. Civil) (...)". E, após ter considerado e ponderado as provas juntas aos autos, a concluiu que "(...) essa ponderação aponta no sentido de se recortarem dúvidas razoáveis sobre a data a partir da qual a recorrida particular A... passou a residir na área do Município de Matosinhos e, sobretudo, se à data da abertura do concurso em questão tinha já cinco anos de residência nesse Município. (...) É certo constarem dos autos documentos que referem residir a recorrida particular no Município de Matosinhos desde Julho de 1992 (fls. 63, 64 e 98). Mas não são suficientes para afastar as dúvidas de que acima se fez referência. Verifica-se assim ter havido erro nos pressupostos de facto em que assentou a decisão recorrida, ao haver considerado que a candidata A... tinha cinco anos de residência à data da abertura do concurso em causa quando tal facto não correspondia à realidade (...)".

    A recorrente insurge-se contra a sentença destacando dois aspectos: a) o atestado emitido pela Junta de Freguesia, junto ao procedimento administrativo é um documento autêntico, "embora destituído de força probatória plena material", e cuja força probatória, apesar de não ser plena, - que nunca poderia ser afastada - apenas poderia ser "destruída" pela prova do contrário; b) nos presentes autos, apenas foi feita a mera contraprova do facto documentado, o que não era bastante para destruir a força probatória do documento de suporte.

    Vejamos cada um destes aspectos.

    a) natureza jurídica do documento - atestado emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia - e sua força probatória Os documentos são autênticos ou públicos - para efeitos probatórios - quando exarados com as...

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