Acórdão nº 046872 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução30 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A... interpôs neste Supremo Tribunal Administrativo recurso do despacho conjunto do Senhor MINISTRO DA AGRICULTURA DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS, de 10 de Maio de 2000 e do Senhor SECRETÁRIO DE ESTADO DO TESOURO E DAS FINANÇAS, de 11 de Junho de 2000, que fixou a indemnização definitiva devida pela ocupação c nacionalização de bens de que o Recorrente era rendeiro.

Por acórdão da 2.ª Subsecção, de 27-11-200 foi negado provimento ao recurso.

Inconformado, o Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional para este Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, vindo a apresentar alegações com as seguintes conclusões:

  1. O recorrente foi privado, ilegalmente, do uso e fruição das Herdades da ..., ... e ..., sobre os quais foi demarcada a "reserva de rendeiro" a que tinha direito, entre a data da respectiva ocupação e a data da devolução à sua exploração.

  2. Já que, do disposto na legislação que estabelece as Bases Gerais da Reforma Agrária, nomeadamente do nº. 1 do artigo 23º, do artigo 25º e do artigo 37º da Lei 77/77 e do artigo 11º, do artigo 13º e do artigo 20º da Lei 109/88, decorre que os proprietários, titulares de outros direitos reais ou rendeiros que, à data da ocupação, da expropriação ou nacionalização, exploravam os prédios rústicos, incluídos na zona de intervenção da reforma agrária (como é o caso do recorrente rendeiro), veriam respeitados os seus direitos e conservada a sua posição jurídica, quanto a uma área dos mesmos que, porque respeitava os limites definidos na lei, lhes era atribuída para exploração, a título de direito de reserva.

  3. Tem sido este o entendimento expresso pela Jurisprudência desse Tribunal, como acontece com os doutos Acórdãos de 22 de Maio de 1986, recurso nº. 15 259, e de 1 de Março de 1995, processo nº. 33 308, e pela Procuradoria Geral da República no seu Parecer nº. 185/80, de 18 de Dezembro de 1980.

  4. Desta forma, nos termos do nº. 1 do artigo 48º da lei 77/7 e do artigo 22º da Lei 109/88, com a ocupação/expropriação, apenas seriam extintos, por caducidade, os direitos dos titulares de direitos sobre os prédios incluídos na zona de intervenção da reforma agrária (inclusive, dos rendeiros), relativamente à área dos prédios rústicos por eles detidos, que excedesse os limites das áreas e pontuações previstas na lei para as suas "reservas", cabendo-lhes, em consequência, o direito a serem indemnizados, pelos beneficiários dessas extinções, indemnização essa que visava compensá-los pela cessação dos seus direitos de exploração dessas áreas.

  5. Mas, mantinham-se intactos, relativamente à área da "reserva", os direitos de proprietários e de titulares de direitos reais menores e arrendatários, sendo que "O Estado só haveria de intervir, desapossando os proprietários ou outros titulares de direitos sobre as terras, por expropriação (..), nas áreas sobrantes aos limites a reservar àqueles. Confinando-se a terra nestes limites, não era permitida a intervenção estatal"( citado Acórdão de 1 de Março de 1995) f) Como decorre do estabelecido no nº. 1 do artigo 23º da Lei 77/77 e do artigo 11º da Lei 109/88, a demarcação da reserva precede obrigatoriamente a declaração de utilidade pública da expropriação das áreas excedentárias, pelo que, definida a reserva, o acto ablativo só se poderia operar quanto ao remanescente, entendimento que tem sido perfilhado pela Jurisprudência desse Tribunal, como aconteceu nos citados Acórdãos de 22 de Maio de 1986 e 1 de Março de 1995.

  6. Ora, o recorrente exerceu o seu direito a manter a posição jurídica de rendeiro que detinha à data das ocupações ocorridas no âmbito da reforma agrária, relativamente às Herdades da ..., do ... e do ..., e sobre as mesmas foi demarcada a sua "reserva de rendeiro", sendo que, relativamente a essa área, tinha direito a manter a sua qualidade de arrendatário, não podendo esses prédios ser objecto de ocupação/expropriação, pelo que, quanto a estas áreas, não pode considerar-se que os respectivos contratos de arrendamento caducaram por efeito da ocupação/expropriação.

  7. Dado que o Despacho Conjunto que arbitrou a indemnização definitiva ao recorrente só é impugnado, por este, na parte em que define a indemnização que lhe foi atribuída pela privação temporária do uso e fruição dos prédios rústicos inseridos na sua "reserva", não tem cabimento a tese do Tribunal recorrido, ao defender que os direitos de arrendamento sobre os prédios relativamente aos quais a indemnização arbitrada por aquele Despacho Conjunto é impugnada, haviam caducado por efeito da ocupação/expropriação.

  8. Desta forma, o douto Acórdão recorrido não podia ter considerado que os contratos de arrendamento, quanto às Herdades da ..., do ... e do ... - área da sua reserva de rendeiro -, em que o recorrente ocupava a posição jurídica de rendeiro, haviam caducado por força da expropriação ou mera ocupação, tendo sido posteriormente "restabelecidos" quanto às Herdades da ..., do ... e do ..., constituindo esse "restabelecimento" mais uma forma de indemnização do recorrente, destinada à reparação do dano, pelo que ao fazer semelhante aplicação do regime que estabelecia as Bases Gerais da Reforma Agrária, violou as disposições atrás citadas.

  9. De facto, não só os direitos do recorrente em relação a esses três prédios rústicos nunca caducaram, visto que os mesmos se encontravam inseridos na demarcação feita de acordo com os limites legais que a lei previa, para a "reserva" do recorrente, como também porque o "restabelecimento" desta posição jurídica, não pode ser considerada uma forma de indemnização, mas antes o reconhecimento, agora, do direito à manutenção da exploração relativamente a uma área de terreno que garanta o sustento do expropriado, a "reserva", que lhe devia ter sido salvaguardado previamente à ocupação/expropriação.

  10. Do regime jurídico das indemnizações devidas pelas expropriações, nacionalizações e ocupações de prédios no âmbito da reforma agrária, constante do Decreto-Lei nº. 199/88, de 31 de Maio, com as alterações que foram introduzidas pelos Decretos-Lei nºs. 199/91, de 29 de Maio e 38/95, de 14 de Fevereiro (DL 199/88), bem como da Portaria nº. 197-A/95, de 17 de Março, nomeadamente do nº. 1 do artigo 3º do DL 199/88, resulta a previsão de três tipos de indemnizações.

    1) Uma que visa compensar a perda do direito de propriedade, perfeita ou imperfeita, prevista na alínea a) do nº. 1 do artigo 3º e calculada nos termos do nº. 1 do artigo 4º do DL 199/88; outra que pretende compensar a caducidade dos direitos do arrendatário sobre os bens ocupados, nacionalizados ou expropriados e que nunca tenham sido restabelecidos, prevista na alínea b) do nº. 1 do artigo 3º e calculada nos termos do nº. 2 do artigo 4º do DL 199/88; e uma última que visa indemnizar a privação temporária do uso e fruição dos prédios, que se aplica no caso de os prédios serem devolvidos em momento ulterior à sua nacionalização ou expropriação, prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 3º e que se calcula nos termos dos artigos 5º e 14º do DL 199/88 e do artigo 2º da Portaria 197-A/95.

  11. Ora, como já se referiu, o recorrente veio impugnar a parte do Despacho Conjunto que respeita à indemnização referente aos prédios que estavam inseridos na área da "reserva" a que tinha direito ( Herdades da ..., ... e ...), e relativamente aos quais os seus direitos de arrendatário sempre deveriam ter sido integralmente respeitados, por força da aplicação das regras das Bases Gerais da Reforma Agrária, sustentando que no cômputo da indemnização não havia sido considerado todo o tempo que havia ocorrido entre a ocupação dos prédios, que vieram a ser incluídos na sua reserva, e a efectiva devolução dos mesmos para a sua exploração, ou seja todo o tempo de efectiva privação do respectivo uso e fruição.

  12. Estando por isso em causa nos autos o valor que veio a ser arbitrado ao recorrente relativamente à perda de direitos concernentes àqueles prédios que, estando inseridos na sua "reserva de rendeiro", voltaram à sua exploração, pelo que o que esse valor deve compensar não é a caducidade dos direitos de arrendamento, os quais nunca caducaram, mas antes a privação do uso e fruição dessas terras durante o período em que as mesmas não estiveram na sua posse.

  13. Assim, andou mal o douto Acórdão recorrido quando veio entender que a questão suscitada nos autos se refere à indemnização devida pela caducidade dos contratos de arrendamento prevista na alínea b) do nº. 1 do artigo 3º do DL 199/88, visto que, em face do exposto, a indemnização discutida nos autos é claramente a que respeita à compensação do recorrente pela privação do uso e fruição dos prédios que voltaram à sua exploração e que se encontra prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 3º do DL 199/88, também atribuível ao rendeiro, como decorre com toda a nitidez do disposto no nº. 4 do artigo 5º e nº. 4 do artigo 14º do DL 199/88.

  14. E essa indemnização, devida pela privação do uso e fruição, prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 3º, tem o seu regime legal assente nos artigos 5º e 14º do DL 199/88 e no artigo 2º da Portaria 197-A/95, dos quais não resulta, de forma implícita ou explícita, que o cálculo a efectuar para a definição dessa indemnização deve ter em conta a data do termo de vigência de um eventual contrato de arrendamento rural (como acontece no nº. 2 do artigo 4º do DL 199/88, para a indemnização devida para a caducidade dos direitos de arrendamento que incidam sobre prédios não inseridos na área da reserva), resultando inclusive do nº. 2 do artigo 14º do DL 199/88 e do nº. 1 do artigo 2º da Portaria 197-A/95, que o período de privação a considerar para efeitos do cálculo desta indemnização (que nos termos do nº. 1 dessa disposição se refere aos prejuízos causados pela privação do uso e fruição de bens que vêm a ser posteriormente devolvidos), se conta desde o momento da ocupação dos bens até ao regresso à posse...

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