Acórdão nº 028775 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelJORGE DE SOUSA
Data da Resolução16 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., LDA, SOCIEDADE ..., ..., ..., S.A., COMPANHIA DE ... S.A., e ...-.... LIMITADA interpuseram neste Supremo Tribunal Administrativo «recurso contencioso de anulação dos actos do Governo contidos no Decreto-Lei n.º 300/90, de 24/9 (respectivos arts. 6 a 15) e na Resolução do Conselho de Ministros de 27-9-90, publicada no Suplemento ao D.R. I Série de 28/9, que determinaram a reprivatização, por alienação através de oferta em bolsa, das acções representativas do capital social da ..., S.A.

».

Foram suscitadas várias questões prévias, designadamente: - a irrecorribilidade do acto contido na referida Resolução do Conselho de Ministros, por, em suma, ser um mero acto de execução, que nada inovou na ordem jurídica (fls. 530 verso e 1449); - ilegitimidade dos trabalhadores da ... e do Estado (fls. 1375 e verso); - impossibilidade de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Administrativo, da questão da inconstitucionalidade da Lei 11/90, de 9 de Agosto, por ser apenas ao Tribunal Constitucional que cabe apreciar a inconstitucionalidade das Leis e impossibilidade legal do pedido (fls. 1388, 1516-1517 e 1561); - as recorrentes não terem legitimidade. por não serem interessadas na anulação dos actos, por ela não lhes trazer um benefício (fls. 1381, 1517 e 1559) e terem praticado acto incompatível com a vontade de recorrer, afirmando que a efectivação da alienação determinou a inutilidade de qualquer meio processual para fazer valer o seu direito em relação aos terceiros de boa-fé adquirentes de acções (fls. 1390); - o recurso dever ser extinto por impossibilidade superveniente da lide, por o regime de privatização que consta dos actos impugnados ter caducado com a alienação (fls. 1390); - as privatizações serem actos políticos sob forma legislativa, por natureza irrecorríveis (fls. 1391, 1435 , 1445, 1520 e 1549); - quanto à Resolução n.º 39/90, os recorrentes não identificarem o acto cuja anulação solicitam e a deliberação de alienação não ser um acto administrativo, mas a concretização de um acto político sob forma regulamentar; - o recurso deve ser rejeitado por incompetência deste S.T.A. e serem irrecorríveis os actos do Governo, praticados no exercício da sua função legislativa (fls. 1443 e 1445); - os arts. 6.º a 15.º do Decreto-Lei n.º 300/90, de 24 de Setembro, terem natureza normativa (fls. 1558); - dever ser extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por já ter sido realizada a operação de alienação da totalidade das suas acções e não ser praticável o exercício do direito de reversão (fls. 1432); - falta de causa de pedir ou contradição entre ela e o pedido (fls. 1449 e 1561-1562).

Por acórdão desta Secção, de 9-5-2001, foi - apreciada a questão prévia de saber se os actos impugnados foram praticados no exercício da função política, tendo-lhe sido dada resposta negativa, considerando-se improcedente a arguição de falta de jurisdição dos tribunais administrativos (ponto 4 do acórdão); - rejeitado o recurso contencioso quanto às disposições dos arts. 6.º a 15.º, com excepção do n.º 1 do art. 6.º, do Decreto-Lei n.º 300/90, de 24 de Setembro, por terem carácter de normas legislativas (pontos 5 e 6 do acórdão); - decidido que a Resolução n.º 39/90, de 28 de Setembro, tem natureza de acto administrativo, cabendo aos tribunais administrativos a competência para o conhecimento do respectivo recurso (ponto 7 do acórdão); - reconhecida a legitimidade das Recorrentes (ponto 8 do acórdão); - decidido não existir inutilidade (e, consequentemente, também impossibilidade) superveniente da lide por caducidade dos actos impugnados com a alienação das acções (ponto 9 do acórdão); - decidido existir inutilidade superveniente da lide por não existirem efeitos que possam ser eliminados e a eventual anulação não poder conduzir a atribuição de uma indemnização em processo de execução de julgado (ponto 10 do acórdão).

Deste acórdão de 9-5-2001, foi interposto recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, relativamente apenas à questão da inutilidade superveniente da lide.

Por acórdão do Pleno, de 3-7-2002, foi revogado aquele acórdão da Secção, na parte relativa à aí decidida extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Relativamente ao decidido sobre as outras questões prévias, o referido acórdão da Secção não foi impugnado, pelo que transitou em julgado, estando aquelas questões definitivamente decididas no processo (art. 672.º do C.P.C.).

Por isso, não há que apreciar novamente tais questões neste processo.

2 - Relativamente à questão da ilegitimidade dos trabalhadores da ... e do Estado (como entidade distinta da Administração Pública que praticou o acto que é objecto do recurso), já foi decidida pelo despacho de fls. 90 verso, em que se decidiu deverem ser citados como contra-interessados aqueles trabalhadores, mas não o Estado.

Este despacho não foi impugnado, pelo que tal questão deve considerar-se definitivamente decidida.

3 - No que concerne à questão da impossibilidade de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Administrativo, da questão da inconstitucionalidade da Lei 11/90, de 9 de Agosto, por ser apenas ao Tribunal Constitucional que cabe apreciar a inconstitucionalidade das Leis, aquela impossibilidade apenas existe relativamente à inconstitucionalidade abstracta (da competência do Tribunal Constitucional, nos termos do art. 281.º da C.R.P.) e não à apreciação da inconstitucionalidade para efeitos de aplicação da norma em casos concretos, que pode e deve ser efectuada por todos os tribunais (art. 204.º da C.R.P.).

No caso em apreço, a questão que eventualmente se terá de apreciar é a da constitucionalidade daquela Lei para efeitos da sua aplicação no caso concreto, pelo que o Supremo Tribunal Administrativo é competente para tal apreciação.

4 - Por outro lado, sendo invocada a inconstitucionalidade da lei, é possível questionar a legalidade de acto que está em sintonia com ela, pois a eventual inconstitucionalidade afectará a validade do suporte normativo do acto.

Por isso, não é ilegal formular um pedido de anulação de acto que está em sintonia com lei ordinária considerada inconstitucional e o S.T.A. é materialmente competente para apreciar essa alegada ilegalidade.

5 - Não se poderá também defender que a petição de recurso carece de causa de pedir, por não existir o direito de reversão invocado pelas Recorrentes, pois elas defendem a inconstitucionalidade das normas da Lei n.º 11/90 e do Decreto-Lei n.º 300/90 que o não reconhecem, defendendo que ele é tutelado directamente pelos arts. 2.º, 13.º, 17.º, 18.º, 62.º e 266.º da C.R.P., 17.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 1.º do 1.º Protocolo Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou assenta em aplicação analógica dos arts. 34.º da Lei n.º 109/88 e/ou 7.º do Decreto-Lei n.º 845/76, expurgado este último da inconstitucionalidade por não reconhecimento do direito de reversão relativamente a particulares (fls. 767 e verso).

Por outro lado, a reconhecer-se a inconstitucionalidade referida e a existência de direito de reversão na titularidade das Recorrentes, a alienação determinada por acto administrativo sem reconhecimento daquele direito estará afectada por vício de violação de lei, entendida como bloco normativo aplicável, constituído pelas normas constitucionalmente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT