Acórdão nº 043200 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução09 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A..., veio interpor neste Supremo Tribunal o presente recurso contencioso pedindo a anulação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 144-A/97, de 14/8/97, publicada no DR., I Série B, n.º 199, de 29/8, que homologou o resultado do concurso público relativo à privatização da B..., determinando como concorrente vencedor a C....

Para tanto, e em resumo, alega que a impugnada Resolução padece de duas espécies de vícios, por um lado, de "vícios que o contaminam directamente, por terem sido cometidos no decurso do processo de escolha do adjudicatário" - como sejam os vícios de violação do princípio da concorrência e desvio de poder, violação dos princípios da boa fé, da protecção da confiança, da igualdade e da imparcialidade, erro de direito na interposição e aplicação das regras do Caderno de Encargos, violação de lei decorrente da adopção dos factores de avaliação das propostas carecidos do mínimo de objectividade e seriedade, violação dos objectivos das reprivatizações, tal como consagrados na respectiva lei quadro - e, por outro, de vícios que "afectando o acto de abertura do concurso enquanto acto preparatório propriamente dito (não directamente lesivo) só agora podem ser sindicados", os quais se corroboram em violação de lei por inconstitucional agressão ao direito ao recurso contencioso e vício de forma por preterição essencial de audiência dos interessados.

Notificadas para responder tanto a Autoridade Recorrida como a Recorrida Particular vieram defender a legalidade do acto impugnado e o não provimento do recurso, referindo, além disso, esta última que o presente recurso devia ser suspenso até que fosse decidido o recurso n.º 42.306, com causa de pedir parcialmente idêntica.

O pedido de suspensão da instância, sufragado pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, foi contestado pela Recorrente e rejeitado pelo Acórdão interlocutório de fls. 321/327.

Nas alegações finais, a Recorrente conclui da seguinte forma: 1. A abertura do concurso e a escolha final do adjudicatário violam o princípio da concorrência ou competição, pois à partida não se pretendia vender a B... a quem apresentasse melhor proposta e ganhasse por mérito intrínseco e comparativo uma competição, mas ao candidato que mediante um entendimento e uma associação com a D... levasse pela fusão com esta à constituição de uma única empresa nacional no sector dos adubos, garantindo a sobrevivência da D... - nisso constituindo a almejada restruturação do sector; 2. Sendo apenas duas as empresas a operar no sector adubeiro - a E... e a D... - e tendo esta última importante participação no concorrente C... (factos não impugnados e demonstrados no processo instrutor), a enunciação e utilização daquele critério pelo acto de adjudicação é fautora de tremenda desigualdade e envolve quebra manifesta de imparcialidade, pois obriga um dos concorrentes a apresentar, não um programa para a gestão da empresa a privatizar - a E... -, mas para a reestruturação da D..., o que pressupõe com o acordo com esta ou o controlo do respectivo capital, arvorando-a em verdadeiro juiz do concurso ou no mínimo debilitando a posição do concorrente exterior à D...; 3. O propósito (concretizado no acto de adjudicação) de mediante a privatização se conseguir a substituição de duas empresas por uma única, que sozinha ficará a constituir o sector adubeiro, é além disso contrário aos objectivos da Lei Quadro das Privatizações (Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, art.º 3.º, alínea e)) porquanto, em lugar de abrir o capital da empresa privatizada à ampla participação dos portugueses, com particular atenção aos seus trabalhadores e na óptica da melhoria da competitividade das empresas, privilegia a unificação e a concentração do capital, penaliza a experiência de gestão do concorrente derrotado por não ser extrínseca ao Grupo B...; e entra em disfunção com os preceitos da Constituição e das leis que enaltecem e defendem a livre concorrência, como o art.º 81.º, da CRP, o DL n.º 422/83, de 3/12, os art.ºs 85.º a 94.º do Tratado de Roma e, entre outros, os Regulamentos de Execução dos art.ºs 85.º e 86.º do Tratado n.ºs 7, 17, 99/63/CEE e 19/6/CEE; 4. Em simultâneo, pretendeu-se com o concurso alienar a B... ao grupo F..., com importante participação no concorrente vencedor, pondo em funcionamento uma preferência oculta - porque ausente da lei e da regulamentação do concurso - em favor dos antigos accionistas atingidos pela nacionalização da ... sequente ao 25 de Abril; 5. Com tudo isto, cometeu-se, além de violação de lei nos aspectos e momentos vinculados, desvio de poder, violação dos princípios constitucionais da igualdade e imparcialidade, da boa - fé e da protecção da confiança; 6. O acto recorrido enferma também doutras violações de lei, por a escolha final se ter baseado em critérios e factores que não constavam do caderno de encargos, na desnecessária decomposição em sub-critérios de outros critérios já de si suficientemente densos e não demasiado abstractos, adulterando os factores constantes da matriz regulamentar do concurso, tudo depois de conhecidas as propostas e em simultâneo com a respectiva comparação e avaliação - e sempre no sentido de reduzir o grau de vinculação e conquistar nessas operações maior margem de discricionariedade avaliativa; 7. Baseou-se também na aplicação de factores carecidos de qualquer seriedade e objectividade, ao valer-se para diferenciar as propostas do suposto mérito de projectos estratégicos que os concorrentes deviam apresentar, os quais eram simples exercícios de imaginação que não os iam nunca comprometer juridicamente, pois careciam de quaisquer reflexos no conteúdo do negócio a celebrar com o adjudicatário, e eram além do mais impossíveis de verificar ou comprovar; 8. Apesar disso, influiu na escolha final a penalização da recorrente por um segmento dos projectos estratégicos que delineou ser na respectiva execução alegadamente difícil de comprovar e portador de incertezas, o que é contraditório com o critério seguido e põe deliberadamente a funcionar exclusivamente a benefício do candidato vencedor; 9. O lançamento do concurso e o acto final representam uma agressão ao núcleo essencial do direito de recurso contencioso enriquecido com a consagração da tutela jurisdicional efectiva, pois torna à partida inexequível (contra essa garantia) o eventual julgado anulatório pelo STA da Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/96, que resolveu anular o anterior concurso que elementos ligados à sociedade ora recorrente estavam bem lançados para ganhar; 10. De facto, sabendo de antemão da pendência neste Tribunal do Recurso n.º 40.313, o Governo ofereceu ao público a B.... com a totalidade das acções da E... em carteira, desse modo destruindo a destruição retroactiva dos efeitos do acto que anulou o concurso de privatização desta última empresa, diluída no conjunto da holding, e assim inviabilizando a satisfação material da pretensão dos interessados concorrentes; 11. A criação do facto consumado por esta via é objectivamente configurável como uma colocação de limites administrativos ao exercício da função jurisdicional, servindo os actos administrativos de abertura do concurso e o que lhe pôs termo como decisões autoritárias da Administração auto - atributivas de poderes para enviesadamente resolverem em seu favor - fosse qual fosse o resultado dos recursos contenciosos - o conflito que a opunha aos particulares.

12. Quer o acto de abertura do concurso, quer o acto de adjudicação, nunca podiam ter sido praticados sem se facultar a audiência prévia à empresa recorrente e bem assim aos membros do anterior do agrupamento de quadros que são recorrentes nos processos n.ºs 40.313 e 42.306, pendentes neste STA, sob pena de se ter cometido, como cometeu, vício de forma.

A Autoridade Recorrida contra alegou para concluir:

  1. O acto recorrido foi praticado no escrupuloso respeito pelo princípio da concorrência e em plena conformidade com os interesses públicos subjacentes à operação de reprivatização, tal como patenteados nos documentos do concurso; b) Não existiu a mais leve violação, por parte da Autoridade recorrida, dos princípios da boa-fé, da protecção da confiança, da igualdade e da imparcialidade; c) Foram rigorosamente observados pelo acto impugnado os critérios de avaliação das propostas patenteados no concurso, os quais eram do pleno e antecipado conhecimento dos concorrentes; d) Os factores de apreciação das propostas eram, sem excepção, sérios e suficientemente precisos, e justificavam-se plenamente em função dos objectivos da operação de reprivatização, tal como anunciados aos concorrentes; e) O que vem de se dizer deve, naturalmente ser entendido sem prejuízo da margem de discricionariedade que à Autoridade recorrida assiste na apreciação do mérito das propostas dos concorrentes; f) Não faz qualquer sentido, a propósito da primeira fase da alienação das acções representativas do capital social da empresa a reprivatizar - em que está em causa a venda de um lote indivisível correspondente a 90% das mesmas - falar em "unificação do capital contra a respectiva dispersão"; g) Na verdade, é consabido que a ampla participação dos portugueses na titularidade do capital das empresas - e, em especial, dos trabalhadores destas e dos pequenos subscritores - é assegurada através da reserva, em seu benefício, de parte do capital a reprivatizar e, bem assim, da consagração de um regime próprio de aquisição ou subscrição; h) Por outro lado, não é verdade que a Recorrente tenha sido penalizada pelo facto de incluir no seu potencial humano quadros e gestores da E..., tendo-se o júri limitado a assinalar que esse facto não constituía propriamente uma mais - valia no confronto com experiências adquiridas no exterior do Grupo B...; i) Os vícios alegadamente derivados do acto de abertura do concurso, enquanto acto preparatório da decisão recorrida, não dizem directamente respeito à Recorrente, mas a terceiros - ... e outros, Recorrentes nos Processos...

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