Acórdão nº 0814/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIMPÃO
Data da Resolução09 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: * 1. A..., S.A ., recorre da sentença que, no Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, 2º Juízo, 1ª Secção, julgou extemporânea e por isso improcedente a impugnação do acto tributário da liquidação de emolumentos registrais, no montante de 15.354.941$00.

Alegou formulando as seguintes conclusões: A - Devem as presentes alegações ser admitidas, por tempestivas, nos termos dos artigos 282º, n.º 3 do CPPT e 145º, n.º 5 do CPC; B - A recorrente, convicta da razão que lhe assiste, de forma alguma pode concordar com a sentença que julgou improcedente, por extemporaneidade, a impugnação de acto tributário de liquidação de emolumentos registrais.

C - Pois, o referido acto tributário de liquidação de emolumentos é contrário ao direito comunitário, nomeadamente ao artigo 10º da Directiva 69/335 do Conselho.

D - É incontestável que o Estado Português, ao arrepio do disposto no artigo 249º CE, não transpôs para a ordem jurídica interna o citado normativo comunitário.

E - Este comportamento, violador do citado artigo 249º CE, não permite que os cidadãos nacionais conheçam o verdadeiro alcance dos seus direitos.

F - Ora, é jurisprudência constante do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), que enquanto o Estado-membro não transpuser uma Directiva, as normas nacionais relativas a prazos são inaplicáveis.

G - Este entendimento funda-se na concepção do primado do direito comunitário, concebido no caso ..., de 9 de Março de 1978.

H - No seguimento deste caso, formou-se a convicção que o juiz nacional deve interpretar o direito à luz do texto e finalidade da Directiva, cfr., Acórdão proferido no âmbito do caso ..., de 13 de Novembro de 1990.

I - Como culminar desta sequência jurisprudencial, no caso ..., de 16 de Junho de 1990, estabeleceu-se o afastamento da norma processual interna quando esta impeça ou dificulte a eficácia dos direitos estabelecidos e reconhecidos à luz do direito comunitário.

J - Atento o exposto, sendo verdade que o Juiz nacional deve aplicar o direito comunitário, através de mecanismos processuais internos, é instado a ignorar esse mesmo direito processual que rege os seus actos de jurisdição, sempre que estes impeçam ou dificultem a plenitude dos efeitos do normativo comunitário, pelo que, L - Quando as normas processuais internas conflituem com o direito comunitário, terão que ser julgadas inaplicáveis por força do primado do direito comunitário.

M - Por outro lado, não se pode comparar o caso em análise nos presentes autos com aqueles dos quais resultaram os acórdão de 15 de Setembro de 1998 (caso ... SpA), acórdão de 10 de Julho de 1997 (caso ...) e acórdão de 17 de Julho de 1997 (caso ... Ltd) porquanto, N - Nos supra referidos casos estava em causa um período de caducidade que oscilava entre 3 e 5 anos contados desde o momento da prática do facto, e um ano a contar da efectiva transposição da Directiva.

O - Nestes casos o TJCE considerou tais prazos razoáveis dado que não colidem com o princípio da efectividade, ou seja, P - Não tornam praticamente impossível ou extraordinariamente difícil o exercício de direitos emergentes de uma directiva não transposta.

Q - Ora, o caso analisado nos presentes autos assume contornos radicalmente diferentes, dado que está em causa um prazo de caducidade de 90 dias, o que, R - Sem qualquer dúvida colide com o princípio da efectividade, uma vez que impossibilita o exercício de direitos emergentes de uma directiva não transposta.

S - Por outro lado, a recorrente não se pode conformar com a afirmação do Meritíssimo Juiz a quo, que declara a equivalência hierárquica entre as normas de natureza comunitária e o direito constitucional interno.

T - Ora, tal não se afigura correcto porquanto, atento o princípio da garantia da capacidade para o cumprimento da função das comunidades, o primado do direito comunitário, U - Consubstancia uma exigência existencial da própria comunidade, enquanto ordenamento jurídico uniforme.

V - Neste sentido pronunciam-se André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros (in Manual de Direito Internacional Público - 3.ª Edição, Almedina, 1995, pg. 125), os quais declaram "a uniformidade do Direito Comunitário impõe o primado de todo o direito comunitário (..) sobre todo o direito estadual (inclusive a Constituição), seja este anterior ou posterior aos tratados comunitários ou à norma comunitária concretamente em causa. " X - Assim, de acordo com a tese sustentada pelos referidos autores, o direito comunitário, na hierarquia das fontes de direito de cada Estado-Membro, ocupa um grau supraconstitucional.

Z - Esta tese vem também acolhida na jurisprudência vertida no Acórdão de 15 de Julho de 1974, proferido no caso .../..., processo 6/64, nos termos do qual o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se pronúncia no sentido de o Tratado CEE ter instituído uma Ordem Jurídica própria, integrada no Sistema Jurídico de cada Estado-Membro, e que se impõe aos respectivos órgãos jurisdicionais.

AA - Consequentemente, atenta a supra referida jurisprudência, bem como a resultante do já citado caso ..., é manifesta a dignidade superior do Direito Comunitário sobre todo o Ordenamento Jurídico Nacional, incluindo as normas de natureza constitucional.

AB - Assim, e ao contrário do defendido na Sentença ora recorrida, a violação de norma comunitária obsta à contagem dos prazos processuais nacionais até que a Directiva 69/335/CEE, do Conselho, de 17/7/69 seja correctamente transposta para o Ordenamento Jurídico Nacional, o que dada a maior dignidade das normas comunitárias não implica uma melhor tutela do que a dada às normas de fonte interna.

AC - De qualquer forma, por assumir importância fundamental para a decisão da causa a interpretação a dar a um acto adoptado por Instituições da Comunidade, e atento o disposto no artigo 234º (ex. artigo 177º), do Tratado de Amsterdão os autos deverão ser remetidos a título prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, para que este se pronuncie sobre as seguintes questões: "Pode um Estado-Membro que, ao arrepio do...

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