Acórdão nº 01308/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução08 de Outubro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO A..., LD.ª, sociedade comercial devidamente identificada nos autos, interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra (TAC), recurso contencioso de deliberação da Direcção do B..., Instituição Particular de Solidariedade Social, igualmente com sinais nos autos, que procedeu à adjudicação da Empreitada de Ampliação e Restauro do B... à ..., Ld.ª, imputando-lhe vários vícios, de forma e de violação de lei.

Após a respectiva tramitação legal, foi, por despacho de 02/5/22, declarada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em virtude de já ter sido celebrado o respectivo contrato de empreitada e de já ter sido feita a consignação da obra (fls 103).

Não se conformando com esta decisão, dela interpôs a recorrente o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: 1.ª)- O recurso contencioso de acto cuja produção de efeitos cessou apenas pode deixar de prosseguir para efeitos de ser proferida sentença anulatória se não existirem efeitos produzidos, pelo que, permanecendo efeitos jurídicos produzidos o recurso pode ainda ser interposto se estiver em tempo, e deve prosseguir se estiver pendente, como determina o artigo 48.º da LPTA.

  1. )- A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide são a impossibilidade ou inutilidade jurídicas, as quais, em recurso contencioso de anulação, não estão em relação necessária nem directa, com o objecto ou coisa que se pede ou em virtude das quais se litiga.

  2. )- O direito à impugnação contenciosa não pode estar condicionado pela possibilidade de reposição natural, bastando à manutenção do interesse na eliminação do acto a possibilidade de o recorrente poder ficar numa situação mais favorável do que a que existiria com a manutenção do acto.

  3. )- Porque a sentença recorrida interpreta e aplica erradamente o artigo 287.º, al. e) do CPC, interpreta e aplica erradamente o artigo 6.º do ETAF e viola o artigo 266.º da CRP , não pode a mesma manter-se e deve ser revogada, devendo prosseguir os presentes autos para apreciação dos vícios arguidos.

  4. )- Porque estamos perante um recurso urgente, nos termos do DL 134/98, de 15.5, por força do n.º 4 do artigo 4.º, tal como sucede nos restantes meios urgentes, os poderes de cognição do STA em recurso jurisdicional, reclamam a pronúncia em substituição do tribunal "a quo" sobre toda a matéria da impugnação do acto administrativo, ainda que naquele tribunal se tenha julgado extinta a instância e por essa razão omitido o conhecimento sobre qualquer dos fundamentos do recurso, e portanto, sobre o mérito.

  5. )- Baseia-se isto na aplicação do disposto no artigo 753.º n.º 1 do CPC do CPC, uma vez que não existem obstáculos a que se proceda assim, e por se tratar, como se disse, de processo urgente, sendo que nestas circunstâncias o STA tem entendido que é de conhecer do objecto do processo, sem limitações.

  6. )- Porque o acto impugnado enferma de vários vícios de violação da lei, desde a violação do disposto no art.º 8° do Dec. Lei n.º 61/99, de 2 de Março e do art.º 18° do Programa de Concurso, passando pela violação do art.º 98° do Reg. Jur. das Empreitadas de Obras Públicas, aprovado pelo Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de Março, pois a entidade recorrida tinha o dever de decidir a reclamação da ora recorrente, antes de passar à fase de adjudicação, até à violação do direito de audição previsto no do art.º 100.° e 101.° do já citado Cod. Proc. Adm. e do dever de fundamentação previsto no art.º 124.°, n.º 1, do mesmo diploma legal.

  7. )- Por isso, a decisão de adjudicação deve ser anulada, por violação da lei de fundo e da lei de forma por insuficiência de fundamentação, em procedência do recurso contencioso de anulação, como é de lei e de justiça.

A recorrida sustentou a legalidade da decisão impugnada, concluindo a sua contra- alegação da seguinte forma: 1.º)- A aplicação do DL 134/98 só tem acuidade em termos de produzir efeitos práticos enquanto o procedimento não tiver chegado ao seu termo.

  1. )- Além disso, a lei estabelece uma separação inequívoca entre o contencioso do procedimento e o contencioso do contrato.

  2. )- Logo, o juiz do procedimento não tem poderes para proferir decisões que possam, imediatamente, interferir na validade e eficácia do contrato.

  3. )- Assim, esgotado que esteja o procedimento e estando já celebrado o contrato, o juiz do recurso contencioso fica impossibilitado de decretar medidas provisórias, assim como fica impossibilitado de anular a decisão de adjudicação, devendo, assim, decidir pela inutilidade superveniente da lide.

A recorrida particular não contra-alegou. # O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu do douto parecer de fls 145-146, que se transcreve: " Interposto recurso contencioso, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Dec-lei n.º 134/98, de 15-5, do acto de adjudicação da «Empreitada de Ampliação e Restauro do B...», face à constatação de que o respectivo contrato já fora celebrado em 30-01-02, bem como a consignação da obra em 7-02-02 e consequente início da execução, a decisão impugnada julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Para tanto, ponderou-se que para a utilidade do recurso apenas deveria relevar "o interesse primário subjacente à pretensão anulatória, que decorre do artigo 6.º do ETAF, e não quaisquer interesses colaterais ou reflexos como os indemnizatórios".

Reconhecendo, embora, que o entendimento perfilhado na decisão impugnada encontra apoio na jurisprudência tradicional deste Supremo Tribunal, o certo é que a mesma tem vindo a ser progressivamente abandonada, de que é exemplo mais relevante o recente acórdão do Pleno da Secção de 3-07-02, no recurso n.º 28.775.

Afigura-se-nos que essa inflexão jurisprudencial merece acolhimento, uma vez que traduz uma mais completa e ajustada expressão de direito a uma tutela jurisdicional efectiva.

Como se deixou expresso em sumário tirado do acórdão de 5-02-02, no recurso n.º 48.198 "Estando em causa recurso em que é impugnado acto adjudicatório de empreitada de obras públicas, a extinção da instância por inutilidade da lide só deve ser decretada desde que se conclua, com a necessária segurança, que o provimento do recurso em nada pode beneficiar o recorrente não o colocando, de todo o modo, numa situação vantajosa, e que, sendo a anulação de um acto um imperativo do princípio da legalidade, continua, sempre a haver utilidade no prosseguimento da lide que visa anular acto ferido de ilegalidade ainda que, o acto de adjudicação de obras tenha ocorrido, se tenha celebrado o contrato e a obra se tenha iniciado" - cfr. acórdãos de 17-04-02, 9-07-02,9-07-02 e...

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