Acórdão nº 0509/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Maio de 2002

Magistrado ResponsávelSANTOS BOTELHO
Data da Resolução16 de Maio de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - RELATÓRIO 1.1 O Estado Português, representado pelo M. Público, recorre da sentença do TAC de Coimbra, de 27-6-01, que, na acção contra si intentada pela firma "A...", com sede em Mação, julgando a dita acção parcialmente procedente, o condenou a pagar à Autora a quantia de Esc. 22.127.645$00, bem como os prejuízos posteriores a 19/10/2000 até 8 de Março de 2001, a liquidar em execução de sentença.

Nas suas alegações formula as seguintes conclusões: "1 - A autora adquiriu as carnes de porco a que os autos se referem, a armazenistas belgas; 2 - As ditas carnes, foram consideradas contaminadas pelas autoridades belgas e pela Comissão Europeia, que pelas decisões juntas com a contestação, enumeradas no seu artigo 7º e que aqui se dão por reproduzidas, as considerou contaminadas por dioxinas, salvo prova em contrário e determinou a sua apreensão.

3 - O Estado Português, cumprindo essas decisões e o dever de impedir a comercialização de produtos nocivos para a saúde dos consumidores, apreendeu as ditas carnes pelas razões e nos termos invocados nas referidas decisões da CE; 4 - A autora concordou com a apreensão e respectivos fundamentos, entre os quais a presunção de contaminação estabelecida pela CE.

5 - Por isso, a autora, não recorreu dos actos de apreensão, nem nada reclamou, requereu, ou alegou, designadamente no sentido de elidir a presunção de contaminação das carnes apreendidas; 6 - É, pois, forçoso concluir que as carnes apreendidas à autora se devem considerar contaminadas por dioxinas; 7 - Neste circunstancialismo é relevante a excepção inominada do artigo 7º do DL nº 48051/67, deduzida na contestação, na medida em que ao aceitar os actos de apreensão fundados naquelas decisões da CE, a autora aceitou designadamente que a carne apreendida estava ou se presumia contaminada, o que implica a sua apreensão e proibição de comercialização.

8 - E assim, se tivesse recorrido dos actos de apreensão, designadamente invocando erro nos pressupostos de facto em virtude de a carne não estar contaminada e obtivesse ganho de causa, os danos que alega teriam sido evitados, do que decorre o impedimento de a autora pedir indemnização nesta acção, nos termos do artigo 7º do DL nº 48051/67.

9 - E sendo assim, como nos parece, a douta sentença ao julgar improcedente essa excepção deduzida na contestação, incorreu em erro de julgamento e violou o disposto naquele normativo.

10 - O questionário da base instrutória, induzido pelo conteúdo do articulado da p.i. que o juiz não pode alterar, é integrado por matéria nitidamente conclusiva e não por factos que integrem essas conclusões.

11 - Assim, no quesito 4º, fala-se em «custo com pessoal», sem se mencionar qualquer facto susceptível de integrar o conceito conclusivo que é quesitado; 12 - O mesmo sucede com os quesitos 5º e 8º, que manifestamente contêm conclusões e não factos quesitáveis; 13 - Também a expressão «dispendeu...em matérias subsidiárias» utilizada no quesito 3º é jurídica e carece de integração com factos concretos.

14 - O próprio quesito 9º contém conceitos vagos conclusivos e jurídicos como "despesas de deslocação" e "tem custos", que careceriam de integração por factos concretos naturalísticos.

15 - A douta sentença devia, por conseguinte, ter por não escritas as respostas e tais quesitos, nos termos do nº 4, do artigo 646º do CPC, e ignorá-las, tendo violado esse normativo ao considerar tais respostas e ao julgar a acção procedente com base nelas.

16 - Foi oficiosamente alterada quantia referida no artigo 45º da p.i. e no quesito 6º da base instrutória, de 169.287$00 para 769.287$00.

17 - Dado que a autora pediu a quantia de 169.287$00 e não requereu qualquer correcção nem ampliação do pedido nem da causa de pedir, a correcção oficiosa ofende o princípio do dispositivo e é um excesso de pronúncias, violando as disposições dos artigos 264º, nºs 1 e 2, 664º e 668º, nº 1, als. d) e e), do CPC.

18 - Não foi impugnada a matéria da contestação do Estado, pelo que a mesma deve considerar-se admitida por acordo, designadamente a dos artigos 6º a 10º, 27º, 28º e 30º. Mas tal matéria não foi considerada na douta sentença recorrida que, assim, incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 490º, nº 2, do CPC, e omissão de pronúncia, determinante de nulidade nos termos da artigo 668º, nº 1, al. d), do mesmo diploma.

19 - Por outro lado, a decisão sobre a matéria de facto de que resultaram considerados provados os danos, é obscura e contraditória, desde porque nos artigos 14º e 15º da p.i. se apresenta a mercadoria como não trabalhada e depois, na fundamentação das respostas aos quesitos, se pressupõem os trabalhos de salga e cura e materiais empregues nessas supostas operações, como integrantes dos danos.

20 - Essas respostas deverão, por conseguinte, ser anuladas, nos termos do artigo712º, nº 4 do CPC.

21 - Não foi equacionada responsabilidade por facto ilícito e culposo e a douta sentença recorrida excluiu essa hipótese, fundando enfaticamente nisso a improcedência da excepção deduzida na contestação e sendo, aliás, que qualquer consolação para essa espécie de responsabilidade, tornaria nula a sentença, nos termos do artigo 668º, nº 1, al. d) do CPC.

22 - Em todo o caso, também nem sequer está alegada e muito menos provada matéria em que pudesse assentar uma tal consolação, sendo que se não verificam os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito e culposo.

23 - Também não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por actos lícitos, faltando desde logo, o nexo de imputação do facto causal ao Estado e qualquer relação de causalidade entre a conduta do Estado e os prejuízos da autora.

24 - Com efeito, a causa dos prejuízos da autora não é a apreensão da carne nem qualquer outra conduta dos funcionários do Estado.

25 - A necessidade de intervenção do Estado é uma consequência da mesma causa dos prejuízos da autora, ou seja, a contaminação da carne tornou-a imprópria para consumo e perigosa para a saúde e implicou que, por isso, fosse apreendida.

26 - Faltando o nexo de imputação e a relação de causalidade nos termos referidos, também não se pode postular qualquer ocorrência de danos originados por acção do Estado.

27 - Como também se não pode postular que quaisquer danos da autora resultem de prejuízos especiais e anormais, pressuposto no artigo 9º do DL nº 48051/67, que no caso, manifestamente não se verificam.

28 - Como, obviamente a conduta do Estado não traduz a imposição à autora de prejuízos especiais e anormais para prossecução do interesse geral, pois não se pode razoavelmente confundir o impedimento de comercialização de carne susceptível de causar a morte aos consumidores (como a autora reconhece na p.i.)., com as situações previstas no artigo 9º do DL nº 48051/67.

29 - A douta sentença ao julgar como julgou verificados os pressupostos da responsabilidade por actos lícitos, incorreu em erro de julgamento e violou nitidamente as disposições do falado artigo 9º do DL nº 40851/67.

30 - Os danos da autora decorrem do risco do seu negócio e das relações entre ela e as empresas belgas que lhe venderam a mercadoria contaminada, a quem podia ter responsabilizado pelas consequências que erradamente pretende fazer valer contra o Estado, nos termos da directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25-07-85, e artigos 1º do DL 383/89 de 08/11, 33º, 1-d), 35º - 1, 36º, 39º a 41º e 49º da Lei Uniforme Sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias e 913º a 917º do Código Civil.

31 - Em suma, a douta sentença que condenou o Estado, ao julgar, como julgou e nos termos em que julgou procedente a acção, incorreu nos múltiplos erros de julgamento aqui sintetizados, violando todas as normas referidas em que avultam as do artigo 9º do DL nº 48051/67, devendo, por conseguinte ser revogada e substituída por outra que absolva o Estado do pedido, por ser manifestamente essa a Justiça do caso." - cfr. fls. 159-161.

1.2 Por sua vez, a agora Recorrida, tendo contra-alegado, vem sustentar o acerto da sentença do TAC.

1.3 Colhidos os vistos cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO 2 - A MATÉRIA DE FACTO Na sentença recorrida deu-se como provado o seguinte: "1 Em Maio de 1999, na Bélgica, foram detectadas carnes de porco destinadas a consumo humano e contaminadas por dioxinas - alínea...

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