Acórdão nº 047353 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Abril de 2002

Data24 Abril 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A..., Ld.ª, interpôs no TAC do Porto uma acção tendente à condenação do Estado Português no pagamento de indemnização pelos danos que disse ter sofrido por causa de despachos emanados do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Ministro do Plano e da Administração do Território, despachos esses em que se ordenou o embargo e a demolição de uma obra que a autora levava a efeito na cidade de Braga.

Na sua contestação, o réu, para além de se defender por impugnação, invocou a prescrição do direito da autora. Esta replicou, pugnando pela improcedência da excepção. E, no despacho saneador, o tribunal «a quo» julgou improcedente a mencionada excepção de prescrição, determinando o prosseguimento dos autos. O Estado interpôs recurso da decisão proferida acerca de prescrição, agravo esse que foi recebido com subida diferida. A alegação desse recurso culminou pelo oferecimento das conclusões seguintes: 1 - O n.º 3 do art. 71º da LPTA é organicamente inconstitucional e, como tal, inaplicável.

2 - Em consequência, a responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos de gestão pública prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos (artigos 71º, n.º 2, da LPTA, e 498º, n.º 1, do C. Civil).

3 - No presente caso, a autora teve conhecimento desse direito nas datas em que teve conhecimento dos despachos que lhe ordenaram o embargo e a demolição das obras e aos quais atribui os danos por que pretende ser indemnizado, ou seja, em 14/4/86 (do despacho de 21/3/86) e em 30/1/87 (dos despachos de 13/1/87 e 14/1/87).

4 - A interposição de recurso desses actos, bem como os pedidos de suspensão da sua eficácia, não interromperam o prazo da prescrição.

5 - Essa interposição e a sua pendência também não impediam que a autora propusesse uma acção para efectivação da responsabilidade civil do Estado dos referidos actos decorrente, ou seja, não impedia que começasse a correr o prazo da prescrição.

6 - Que, por isso, ocorreu em 30/1/90.

7 - A acção foi proposta em 16/9/96 e o Estado citado em 14/10/96, pelo que já estava prescrito o direito exercitado.

8 - A inconstitucionalidade orgânica do preceito referido na conclusão 1.ª pode determinar o dever de indemnizar por parte do Estado - em acção própria, em que a causa de pedir seja a ilicitude da actividade que o produziu e os danos dele decorrentes - mas não impede a sua absolvição por força da prescrição do direito de indemnização relativo aos factos e prejuízos que constituem a causa de pedir da presente acção, que há-de ser julgada rigorosamente com base na legislação efectivamente aplicável.

9 - A decisão recorrida, ao não julgar prescrito o direito da autora, decidiu erradamente, violando os preceitos legais referidos na conclusão 2.ª.

Relativamente ao mesmo agravo, a autora apresentou a sua contra-alegação, em que concluiu do seguinte modo: 1 - A prescrição do direito de indemnização por danos patrimoniais causados por actos administrativos ilícitos interrompe-se com a notificação da entidade pública para responder ou contestar o recurso contencioso, começando a correr novo prazo prescricional de três anos (v. art. 498º do C. Civil) a partir do trânsito em julgado da decisão anulatória, «ex vi» dos artigos 323º, 326º/1 e 327º/1 do C. Civil, do art. 71º/2 da LPTA e do art. 5º do DL 48.051, de 21/11/67.

2 - A propositura pela ora recorrida dos recursos contenciosos e dos pedidos de suspensão de eficácia das ordens de embargo e demolição em análise consubstancia claramente o exercício indirecto, senão mesmo directo, dos direitos de indemnização que lhe assistem em consequência daqueles actos ilícitos e lesivos (v. artigos 323º/1, 326º e 327º do C. Civil), pois visou, além do mais, impedir a extinção dos direitos de indemnização em causa, «ex vi» do art. 7º do DL 48.051, de 21/11/67.

3 - A interpretação «contra cives» defendida pelo ora recorrente subverteria ainda frontalmente a unidade do sistema jurídico (v. art. 9º/1 do C. Civil), pois o art. 96º/1 da LPTA permite que o requerimento de execução da decisão anulatória - a qual pode consistir em pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pelo acto anulado (v. artigos 6º/5, 7º/1 e 10º do DL 256-A/77, de 17/6) - seja apresentado no prazo de três anos a contar do trânsito em julgado daquela decisão (v. art. 5º do DL 256-A/77, de 17/6).

4 - O art. 71º/3 da LPTA, além de não ser aplicável «in casu», conforme reconheceu o ora recorrente, limitou-se a ampliar para seis meses o prazo de dois meses consignado no art. 327º/3 do C. Civil, para os casos em que o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, tanto mais que aquele dispositivo expressamente prevê que "a prescrição não terá lugar antes de decorridos 6 meses", não impedindo assim quaisquer prazos de prescrição com duração superior (v. art. 9º do C. Civil).

5 - A prescrição do direito de indemnização da ora recorrida pelos prejuízos causados pelas ordens de embargo e demolição «sub judice» interrompeu-se, assim, em 1986 e 1987, respectivamente, com a notificação do SEALOT e do MPAT para responderem ao respectivo recurso contencioso e ao pedido de suspensão de eficácia (v. artigos 323º/1 e 327º/1 do C. Civil), pelo que, tendo a presente acção sido proposta nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 323º/1, 326º e 327º do C. Civil e no art. 71º da LPTA, é manifesta a improcedência da excepção de prescrição, invocada pelo ora recorrente.

Os autos prosseguiram os seus termos no TAC do Porto, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Estado a pagar à autora a quantia de 286.275.123$00, outros montantes a liquidar em execução de sentença e os juros moratórios incidentes sobre todas essas importâncias, contados desde a citação até integral pagamento - ficando o réu absolvido do restante pedido.

O Estado interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com o oferecimento das seguintes conclusões: 1 - Com vista ao apuramento da responsabilidade civil extracontratual com base em acto ilícito, necessária se torna a verificação cumulativa dos seguintes requisitos ou pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto (ilícito e culposo) e esse dano (n.º 1 do art. 2º do DL n.º 48.051, de 21/11/67).

2 - De acordo com o art. 6º do referido DL n.º 48.051, consideram-se ilícitos «os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração».

3 - Na douta sentença de que se recorre, considerou-se que o acto de S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Administração do Território, datado de 21/3/86 (que determinou o embargo) se trata de um acto ilícito por o mesmo constituir uma conduta ilegal desenvolvida pela Administração, e isto já que « o plano parcial de urbanização a sul de Braga» nunca foi publicado, nem também foi publicado, sob a forma de portaria, o regulamento do citado plano, o que acarreta a respectiva ineficácia.

4 - Sucede, porém, que tal «plano parcial» não só se encontrava em vigor, como ainda era plenamente eficaz.

5 - Com efeito, foi o mesmo publicado no DG n.º 264, II Série, de 11/11/58 (sendo certo que a planta com a delimitação da área do mesmo com ele se identifica) e, como tal, produz os seus efeitos sem necessidade de aprovação e publicitação de qualquer regulamento, pois que a aprovação de regulamentos («ex vi» do art. 30º do DL n.º 33.921, de 5/9/44) apenas aos «planos gerais» era aplicável.

6 - E isto já que, dado o objectivo muito mais limitado dos «planos parciais» relativamente aos «planos gerais» em matéria de formalidades a observar (regulamentos, plantas esquemáticas e de pormenor, memórias descritivas, etc.), os primeiros não estão sujeitos a todas aquelas que a lei impõe para a aprovação dos segundos (artigos 18º e 30º do DL n.º 32.921).

7 - Assim sendo, o referido acto, datado de 21/3/96, mostra-se conforme ao direito e à lei, não sendo, consequentemente, ilícito.

8 - O mesmo sucedendo com o acto administrativo que determinou a demolição da obra em apreço - demolição, consigne-se, que jamais sucedeu - já que tal acto é legal quanto ao seu fundamento e objecto.

9 - Pois que, estando em vigor, como estava, aquele «plano parcial de urbanização a sul de Braga», o qual, por sua vez, era plenamente eficaz, mostra-se tal acto devida e legalmente alicerçado ou fundamentado, não sendo, pois, ilícito.

10 - E, não havendo ilicitude, inexiste, em concreto, o pressuposto «culpa», por esta se diluir naquela quando é violado o dever de boa administração.

11 - Inexiste, assim, e ao contrário do doutamente decidido, a totalidade dos pressupostos da obrigação de indemnizar por parte do Estado.

12 - Razão por que a douta decisão sob recurso violou os comandos dos artigos 2º e 6º do DL n.º 48.051, de 21/11/67 A autora contra-alegou, finalizando essa peça com as conclusões seguintes: 1 - A ilicitude do acto do Sr. SEALOT, que determinou a demolição do edifício da ora recorrente, encontra-se decidida, com trânsito em julgado, com fundamento em violação da douta sentença do Tribunal Judicial de Braga de 4/6/86 (v. Ac. STA de 27/11/90, proc. 24.827).

2 - O acto do Sr. SEALOT, que determinou o embargo da construção do edifício da ora recorrente, assume carácter meramente instrumental, lógica e teleologicamente dependente da ordem de demolição, pelo que a sua ilicitude resulta, antes do mais, da violação do caso julgado da referida decisão judicial (v. art. 205º da CRP).

3 - É, pois, inquestionável a ilicitude da conduta do Sr. SEALOT (v. art. 22º da CRP, cfr. art. 483º do C. Civil), pelo que é manifesta a improcedência...

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