Acórdão nº 044693 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Abril de 2002

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução24 de Abril de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I - RELATÓRIO O Município de Loures, recorre contenciosamente para este S.T.A. dos actos administrativos contidos no Mapa X anexo à Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro aprovada pela Assembleia da República (E.R.), que aprovou o orçamento de Estado para 1999, indicando como recorrido particular o Município de Odivelas, imputando-lhes vícios de violação de lei.

Notificado para responder o Exm.º Presidente da Assembleia da República veio aos autos, a fls. 21-56, oferecer a sua resposta, em que concluiu nos seguintes termos: 1. Não é de aceitar o presente recurso porque o acto recorrido não é materialmente administrativo, o que gera a incompetência em razão da matéria do Supremo Tribunal Administrativo; 2. A assim se não decidir, carece de legitimidade a recorrente, o que implica o não conhecimento do recurso; 3. A ainda assim se não decidir, não merece provimento o recurso, porque nenhum dos alegados vícios existem no acto recorrido.

Notificado para responder o Município de Odivelas, na sua resposta, a fls. 75-85, começou por invocar a inutilidade superveniente da lide dada a emergência, posteriormente à interposição do recurso, da Lei 48/99, que ao estabelecer o regime de instalação dos novos municípios confere competência à Comissão Instaladora do recorrido Município de Odivelas para prosseguir as atribuições que são próprias dos municípios, sendo que o presente recurso alegadamente se escora na sua falta de competência. Ainda no plano da defesa por excepção, também invocou não se estar perante acto materialmente administrativo, mas sim perante actividade decorrente da função política.

Defendendo-se por impugnação, sustentou a improcedência do recurso por não concorrerem nos actos recorridos as arguidas ilegalidades.

Respondendo a tais excepções ao abrigo do art.º 54.º n.º 1 da LPTA, sustentou o recorrente a sua improcedência (cf. fls. 58-67 e 90-106).

Pronunciando-se sobre as aludidas questões prévias suscitadas pela E.R., disse o Exmº. Procurador - Adjunto neste STA, no seu douto parecer de fls. 69-71: "Nos termos do art. 4º. als. a) e b) do E.T.A.F., estão excluídas da legislação administrativa os recursos que tenham por objecto actos praticados no exercício da função política e normas legislativas.

Segundo o Prof. Manuel de Andrade, para se decidir qual a norma de competência aplicável "deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção - seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes)".

O Município de Loures pede a anulação dos actos administrativos contidos no Mapa X anexo à Lei nº. 87-B/98, de 31 de Dezembro, e pelos quais são atribuída ao Município de Loures e ao Município de Odivelas as verbas de 3.036.994 contos e de 2.009.169 contos, respectivamente, em virtude de tais actos enfermarem de violação de lei.

O facto de o acto visado revestir a fora de lei não obsta ao recurso, atenta a garantia constitucional de impugnação de actos administrativos lesivos, independentemente da sua forma.

Importa antes averiguar se o acto, nos termos em que vem impugnado pelo Município de Loures, é materialmente um acto político ou administrativo.

Segundo o Prof. Freitas do Amaral "a política tem uma natureza criadora, cabendo-lhe em cada momento inovar em tudo quanto seja fundamental para conservação e desenvolvimento da comunidade nacional Por isso mesmo a política reveste carácter livre e próprio, apenas limitada em certas zonas pela Constituição".

Ora, nos termos do recurso, não é impugnado qualquer acto inovador em termos de opções políticas.

Está antes em causa, a concretização do direito do recorrente a participar nas receitas provenientes dos impostos directos, segundo critérios de atribuição de verbas legalmente fixados na Lei de Finanças Locais - critérios minuciosamente descritos pela autoridade recorrida na sua resposta. Nas palavras do recorrente " o estado (sic) não é livre de atribuir ou de não atribuir; tem de proceder à transferência de verbas para aquelas finalidades e de acordo com os critérios de distribuição fixados na própria lei".

Assim, porque, nos termos do recurso, "a actividade requerida ao tribunal (no sentido de apenas resolver de acordo com o Direito uma «questão jurídica», ou seja, dirimir um conflito de interesses num caso concreto e de acordo com o direito pressuposto) é tipicamente uma actividade da função jurisdicional" - Ac. de 13.5.99 - Rec. 44.601 - sou de parecer que não procede a questão da incompetência em razão da matéria suscitada pela autoridade recorrida.

* Sou também de parecer que não procede a questão da ilegitimidade activa, concordando com o recorrente, em que " a atribuição indevida a um desses municípios de dinheiro a mais ou a menos se repercute necessariamente na esfera jurídica de todos os outros, prejudicando-os na hipótese de atribuírem a algum deles somas indevidamente".

A propósito da aludida posição assumida pelo recorrido particular Município de Odivelas, disse a fls. 107 o mesmo Exm.º Magistrado: A recorrente sustenta que os actos recorridos enfermam do vicio de violação de lei por "num primeiro momento...por falta de órgão competente para o efeito, a verba atribuída ao Município de Odivelas não poder ser utilizada nem por este município nem por qualquer outro; subsidiariamente, e num segundo entendimento, a atribuição de verbas a um município em que apenas existe uma comissão instaladora... viola, quer o princípio da autonomia das autarquias locais (art.º 6.º, n.º 1 da CRP), quer os fins legais da atribuição de verbas a título de FGM e FCM consignados nos artºs 11.º e 13.º da LFL".

A entrada em vigor da Lei n.º 48/99, de 16 de Junho, não se reflecte na decisão que decida a segunda questão da recorrente, pelo que sou de parecer de que não ocorre inutilidade superveniente da lide.

Notificadas os intervenientes processuais para os fins do disposto no art.º 67.º do RSTA, produziram alegações o recorrente e a E.R, formulando o recorrente ao final as seguintes CONCLUSÕES: a) O Fundo Geral Municipal (FGM) e o Fundo de Coesão Municipal (FCM) destinam-se, nos termos dos arts. 11º e 13º, nº. 1, da Lei das Finanças Locais, a dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao desempenho das suas atribuições num quadro de progressiva correcção das assimetrias; b) Aqueles fundos concretizam a repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios exigida pela Constituição (art. 238º, nº. 2) e pela Lei das Finanças Locais (art. 10º, nº 1), pelo que as transferências correspondentes, a inscrever anualmente no Orçamento do Estado, são objecto de uma obrigação jurídica que impende sobre o poder orçamental (cfr. o art. 105º, nº 2, da Constituição); c) Por força do princípio da autonomia local consagrado no art. 6º. nº. 1, da Constituição, a repartição em causa obedece a um critério material e não meramente formal: as citadas transferências devem ser feitas do Estado para o poder local autárquico; d) Para a Constituição e a lei o poder local autárquico implica a existência e o funcionamento de órgãos representativos, isto é de órgãos cujos titulares sejam designados pelos residentes nas circunscrições correspondentes aos limites territoriais das respectivas autarquias (cfr. os arts. 235º, nº.2, e 239º, nº1, da CRP, o art. 3º da Carta...

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